Fashion Revolution Week 2025

Foto: Reprodução
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Evento global promove reflexão sobre os caminhos da moda sustentável com oficinas, palestras e desfile

 

Campo Grande se uniu mais uma vez ao movimento global Fashion Revolution, que convida a refletir sobre todo o ciclo da moda – desde as condições de trabalho na confecção até o impacto ambiental das nossas escolhas de consumo. O movimento busca “reivindicar a moda como ferramenta de transparência e erradicação da exploração das pessoas e da natureza”. Na Capital, a programação começou na última quarta-feira (16) e irá até do dia 25, com desfile de encerramento.

Atualmente são produzidas cerca de 100 bilhões de peças por ano, o que significa que são 12 peças anuais por pessoa, ou mais de 3.000 peças por segundo. Desses 100 bilhões, 92 milhões de toneladas tem seu fim nos aterros sanitários; isso significa que um caminhão de lixo cheio de roupas acaba nos aterros a cada segundo.

Além disso, a indústria têxtil utiliza desenfreadamente recursos como água e energia: conforme dados da Earth.org, são necessários aproximadamente 2.700 litros de água para fazer uma camiseta, quantidade suficiente para uma pessoa beber por 900 dias; uma única lavagem de roupa consome entre 50 e 60 litros de água. Pelo menos 10% das emissões globais de gases do efeito estufa, 3% das emissões de CO2 e 20% da poluição global da água são culpa da indústria têxtil.

No Brasil, segundo a Folha de S.Paulo, são produzidas 6 bilhões de peças de vestuário, 28 por brasileiro, 190 por segundo. Essas peças serão descartadas em apenas sete ou oito vezes e 4 milhões de toneladas anuais viram resíduos.

O Fashion Revolution é um movimento pensado para gerar uma reflexão sobre a indústria da moda. Realizado em 75 países e em várias cidades do Brasil, existe há 11 anos com ações para reflexão do consumo consciente, funcionamento da indústria da moda e práticas produtivas. Com o tema “Pense Global, Aja Local: quem é o Brasil na Revolução da Moda?”, este ano a SFR busca mapear os maiores problemas e soluções da moda no país, por meio da interseccionalidade entre os temas territórios e saberes; direitos dos trabalhadores e emergência climática.

A iniciativa surge após um desabamento de nove andares do edifício Rana Plaza, na capital de Bangladesh, em 24 de abril de 2013, onde milhares de pessoas trabalhavam em condições precárias, para a indústria da moda. A tragédia matou mais de mil pessoas e feriu mais de 2.500, entre máquinas de costura e tecidos. Devido ao acontecimento, foi proclamado o Fashion Revolution Day, que acontece anualmente, para discutir sobre sustentabilidade e consumismo, por meio de uma série de iniciativas.

Para o jornal O Estado, a representante local do movimento, Jessika Rabello explica que é preciso discutir uma ruptura em padrões que não funcionam para todos. “A responsabilidade e identidade ainda são assuntos tratados sem lidar com características locais. Grandes centros da moda como Rio de Janeiro e São Paulo são discutidos, são referencia e acho que precisamos nos inspiras, mas isso não pode ditar como a moda acontece. As discussões sobre moda, aqui, estão presas nos padrões da moda colonial. Ainda que pessoas de várias ‘bandeiras’ defendam sua moda, esbarram na ausência da liberdade do fazer. Uma moda autêntica e responsável deve ter rupturas dos padrões impostos por anos”.

Com um olhar voltado para o meio ambiente, Rabello chega para ampliar o debate sobre a importância de entender de onde o têxtil surge. “Quem costura essas roupas? A minha filosofia é entender que faço parte do meio ambiente, então isso tem que ser a origem de como faço minhas roupas. Estamos vivendo uma fluidez e as roupas tem que acompanhar tudo isso. Ela tem que vestir qualquer corpo, todos sem deixar nenhum distante. O Fast Fashion não interage com o meio ambiente, ele usa o meio ambiente!”, declara.

A produtora de moda Karla Velasco é uma das voluntárias para a realização do desfile que encerrará a Semana Fashion Revolution. Para ela, Mato Grosso do Sul tem muito o que contribuir para as temáticas de identidade e responsabilidade na moda, apresentadas esse ano pelo evento.

“Nosso Estado é um território rico em diversidade cultural, onde convivem influências indígenas, quilombolas, paraguaias e bolivianas. Essa multiplicidade molda uma identidade única, que ainda é pouco reconhecida e valorizada nos grandes circuitos da moda”, opina.

“Ao mesmo tempo, temos uma cena crescente de moda autoral, feita por criadores que buscam não apenas expressar sua origem, mas também trabalhar de forma ética, colaborativa e sustentável. Projetos que envolvem comunidades tradicionais, práticas de reaproveitamento têxtil, tingimento natural e costura artesanal têm ganhado espaço e demonstram que é possível fazer moda com responsabilidade social e ambiental”.

A produtora acredita que a participação do Estado é uma “oportunidade de fortalecer o movimento”, questionando a lógica da produção em massa e, assim, valorizando quem faz moda com consciência.

Mudanças

Um dos mercados que representou um ‘grito’ de mudança são os brechós. Conforme dados de 2023 do Sebrae, a modalidade de comércio apresentou um aumento de 30% nos últimos cinco anos.

“O crescimento dos brechós mostra que o público está cada vez mais aberto a novas formas de consumir moda, mais conscientes, mais sustentáveis e com propósito. É uma mudança de mentalidade que pode impulsionar também a moda autoral. Se as pessoas já estão dispostas a sair do circuito do fast fashion para consumir com mais consciência, elas também podem se encantar com uma peça feita à mão, com identidade, que carrega o DNA sul-mato-grossense”, opina Velasco.

“Os brechós são revolucionários e estão na contramão do capitalismo, a moda por sua vez, dependendo das mãos que fazem, é ferramenta para o capitalismo”, avalia Rabello.

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Entretanto, a mudança também precisa vir do próprio público, ao se reeducar sobre consumo consciente, criando o hábito de entender e compreender como uma peça é feita, desde sua concepção como ideia e identidade visual, até produção, por exemplo.

“A moda autoral e regional ainda enfrenta muitos desafios, especialmente no que diz respeito à circulação, à presença na mídia e ao reconhecimento como expressão legítima de cultura e identidade. Muitas vezes, o que é produzido aqui é visto como algo ‘menor’ ou ‘alternativo’, quando, na verdade, carrega saberes, histórias e técnicas riquíssimas. Falta, principalmente, visibilidade e valorização”, destaca a produtora.

“Mas, para esse ‘boom’ acontecer, precisamos de mais incentivo à produção local, de eventos que promovam esses criadores, de ações educativas que mostrem ao público o valor por trás de cada peça, e também de políticas públicas e espaços de mercado que fortaleçam esse ecossistema criativo”.

 

Desassociar

Para muitos, quando falamos em moda, as primeiras referências que surgem são marcas como Chanel, por exemplo, símbolos de um luxo. Velasco ressalta como a Fashion Revolution quer quebrar esses padrões.

“A moda, por muito tempo, foi associada ao luxo, ao status e ao consumo desenfreado. Mas moda é, antes de tudo, linguagem, identidade e expressão coletiva. Ela diz muito sobre quem somos, de onde viemos e o que acreditamos. No Mato Grosso do Sul, temos trabalhado para repolitizar o olhar sobre a moda, mostrando que ela é, sim, um território potente de resistência e cidadania. Quem cria essa ideia de luxo e consumo é a indústria da moda, ditando, inclusive, padrões estéticos. A Moda autoral vai totalmente na contra mão disso”.

Produtora do desfile, ela acredita que o evento é mais um manifesto do que apenas estética. “Mais do que mostrar roupas, o desfile é uma declaração pública sobre o que é possível quando a moda se alinha com consciência social, ambiental e cultural. Cada look carrega narrativas locais e valorizava práticas como o uso de técnicas artesanais, reaproveitamento de materiais e símbolos de pertencimento ao território”.

Projetos de formação, desfiles-manifesto, editoriais colaborativos, oficinas em territórios periféricos, penitenciarias e rodas de conversa são algumas das ações encabeçadas pelo projeto para desconstruir um imaginário elitista no usar. “Acreditamos numa moda que empodera, que gera renda com dignidade e que reconecta as pessoas com suas raízes”.

Velasco ainda deixa o convite e a reflexão. “Para quem ainda enxerga a moda apenas como tendência, passarela ou vaidade, o convite é simples e poderoso: venha descobrir que moda também é escolha política, é memória, é identidade e é futuro. A Fashion Revolution não quer impor um jeito certo de consumir, mas provocar uma pergunta essencial: ‘Quem fez minhas roupas?’ A partir dela, abrimos caminhos para pensar em justiça, dignidade, sustentabilidade e pertencimento”, finaliza.

Confira a programação completa:

Oficina “Sabores que Revolucionam: Reaproveitamento de Alimentos”

Sobre: uma oficina prática e sensível sobre como transformar sobras e ingredientes esquecidos em pratos nutritivos, bonitos e saborosos. A proposta integra o eixo de sustentabilidade do Fashion Revolution, ampliando o olhar para os alimentos como parte essencial do consumo consciente.
Data: 22/04
Horário: 9h às 12h
Ministrantes: Camila Santana, gastrônoma e defensora de práticas sustentáveis na cozinha.
Local: APAE, localizado na Avenida Joana D’Arc, 1871

Oficina “Costurando diálogos, reparando e crochetando

Sobre: essa oficina é um convite a transformar tecidos, relações e territórios a partir da escuta, do cuidado e da criação coletiva. Entre reparos, crochês e reinvenções fazemos da moda um espaço de inclusão radical, beleza cotidiana e afeto compartilhado.
Data: 23/04
Horário: 8h às 11h
Ministrantes: Jessika Rabello, Ju Delphino e Márcia Lobo
Local: APAE, localizado na Avenida Joana D’Arc, 1871

Roda de conversa e Exibição do filme “Ôrí”

Sobre: Ôrí (1989) é dirigido por Raquel Gerber e Beatriz Nascimento – uma obra fundamental que atravessa memória, identidade, território e espiritualidade na luta do povo negro brasileiro. Logo após a sessão, a roda de conversa costura reflexões sobre moda, negritude, marginalidades e as histórias que a indústria ainda insiste em silenciar.
Data: 23/04
Horário: a partir das 19h
Local: Capivaras Cervejaria, localizado na Rua Pedro Celestino, 1079

Oficina “Fotografia é curiosidade: olhar para revolucionar”

Sobre: Oficina de fotografia voltada ao desenvolvimento do olhar curioso a respeito do mundo, buscando detalhes únicos e despercebidos que podem contar histórias de maneiras revolucionárias. Haverá momento de reflexão e conversas, e momento de práticas fotográficas, realizadas com o celular. O melhor equipamento é aquele que temos nomomento.
Data: 24/04
Horário: 15h às 18h
Ministrantes: Ana Laura Menegat, Manu Komiyama e Eduardo Marques
Local: Centro Cultural José Octávio Guizzo
* Levar aparelho celular

Desfile Manifesto

Sobre: Como parte da Semana Fashion Revolution 2025 – Campo Grande, encerramos nossa programação com a Passarela da Revolução: Tecendo Futuros — um desfile coletivo, diverso e potente, que celebra a moda como ato político e corpo manifesto.
Data: 25/04
Horário: 19h às 21h30
Local: Plataforma Cultural

 

Por Carolina Rampi

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