Ciclo de três exposições foi responsável por difundir a Arte Naif e manifestações culturais
O Projeto Arte nas Estações encerra a sua edição em Campo Grande com uma diversa programação cultural. As atividades serão realizadas na terça e quarta-feira (18 e 19) e finalizam a última das três exposições que ocuparam o Centro Cultural José Octávio Guizzo, que desde setembro de 2024 apresentam obras do Museu Internacional de Arte Naif, curadas por Ulisses Carrilho.
Desde o ano passado o Centro recebeu as exposições ‘Sofrência’, ‘Entre o Céu e a Terra’ e agora, ‘A Ferro e Fogo’. Para finalizar em grande estilo, o projeto promove um espetáculo de dança, um show de música sertaneja e um bloco de carnaval.
O Arte nas Estações, idealizado pelo colecionador e gestor cultural carioca Fabio Szwarcwald, foi viabilizado através da Lei Federal de Incentivo à Cultura, com patrocínio master da Energisa.
Segundo a analista da Energisa, Renata Gondin, “Foi uma experiência incrível! A exposição estava muito bem montada, e eu adorei a forma como as obras estavam dispostas. Cada peça tinha algo único a oferecer, e foi muito inspirador ver de perto todo o trabalho envolvido. A exposição foi uma verdadeira imersão no mundo da arte e da história”, comentou.
A analista ainda pontua que as exposições do projeto proporcionaram uma nova perspectiva sobre estilos e movimentos artísticos, além da reflexão sobre as emoções em diferentes realidades.
“Uma das coisas mais engrandecedoras foi a oportunidade de refletir sobre temas profundos que as obras abordavam, como questões sociais e humanas. Algumas peças me fizeram pensar mais sobre a vida cotidiana, nossos valores e como a arte pode ser um reflexo de nossa realidade. Sem dúvida, foi uma experiência que me fez repensar muitas coisas”.
Programação
Na terça (18), a partir das 14h, será realizado o espetáculo “Yakamokeno (escuta!)”, seguido de uma conversa com intérprete-criador e dançarino Yá Terena. A apresentação aborda a cosmovisão Terena a partir da relação do dançarino e de seu povo com as mitologias dos pássaros e dos sonhos. Dirigido e orientado por Gabriela Salvador (MS), Yakámokeno convida o público a ouvir a história e reconhecer a importância desse povo na construção da cultura do estado de Mato Grosso do Sul. Após o espetáculo, o dançarino conversa com o público sobre o processo criativo do trabalho. A classificação indicativa é livre.
No mesmo dia, às 19h, o cantor e compositor LLEZ apresenta o show “ROÇA-NOVA”, em mira na captura de uma imagem-sonora sertaneja com outras linhas de proposta e pensamento. Movimentando as vertentes românticas, cancioneiras, caipiras, os modões e linguagens fronteiriças rumo a um encontro com suas influências da MPB e música global. O artista projeta novas possibilidades para as bagagens musicais que crescer no Mato Grosso do Sul faz carregar, apresentando um preencher dessa mala com novos matos e meios. A classificação indicativa é 16 anos.
Já na quarta (19/02), às 17h, é a vez da atividade “O Carnaval é Nosso: Bloco Acim Vivemos”. Com o desejo de botar o bloco na rua e celebrar a passagem do projeto Arte nas Estações por Campo Grande, a equipe do Programa Educativo convida a todos para o Bloco Acim Vivemos. Inspirado pela obra de Odoteres Ricardo de Ozias (2001), a ação convoca para celebrar o que existe entre o céu e a terra: o corpo como uma grande festa, uma ode ao aqui e agora. Um bloco situado entre o passado que não pesa e o futuro que não assusta. Acim vivemos: pulsando o presente, resistindo à sofrência do tempo e criando brechas para rachar, cada vez mais, o chão do Centro-oeste – mesmo que seja a ferro e fogo. Classificação indicativa: menores de idade acompanhados dos responsáveis.
Mais que uma arte ingênua
Desde setembro, o Arte nas Estações apresentou um total de 262 obras de 27 artistas que retratam uma imensa gama de temáticas, nas exposições “Sofrência”, “Entre o céu e a terra” e “A ferro e fogo”. A cada ciclo, o Centro Cultural José Octávio Guizzo virou um ambiente imersivo nas cores vermelha, azul e amarela.
Em francês, o termo naif significa “ingênuo, sem qualquer tipo de malícia”. No campo das artes visuais, a arte naïf identifica uma produção de caráter autodidata, daqueles que não tiveram acesso ao ensino formal de arte. No entanto, os temas do universo popular, abordados por artistas como o mineiro Odoteres Ricardo de Ozias, mostram que a ingenuidade que transparece à primeira vista também é capaz de revelar camadas mais complexas e profundas da realidade social representada nas telas.
O curador afirma que se trata de um termo questionável e defende a sua utilização para desmontar a ideia de inferioridade e sublinhar o texto político que estas obras carregam: “De naïf esses artistas nada tinham, eram politicamente engajados”, observa Ulisses. “Essas exposições são sobre saberes que precisam ser respeitados e que não fazem parte de uma norma”.
Para Szwarcwald, é gratificante levar um acervo tão expressivo a lugares que, muitas vezes, não têm oportunidade de receber exposições por falta de investimento: “É um projeto que nos traz muita alegria por seu ineditismo ao contemplar cidades de grande riqueza cultural, mas raramente assistidas pelas instituições e pouco visada por patrocinadores”.
“Nosso convite àqueles que visitaram estas mostras é desconfiar da suposta ingenuidade um dia atribuída a esses artistas autodidatas e perceber em cada tela a densidade das denúncias. Percebemos que, assim como nas revoltas populares, as tintas são um meio de mudar o mundo – confiando na arte, na memória e na representação”, explica o curador Ulisses Carrilho.
“O projeto encontra força discursiva, narrativa e poética ao contemplar a obra desses artistas que eram chamados de ‘ingênuos’. E contribui para a valorização da arte popular, dando seguimento a uma espécie de revisão do que vem sendo considerado arte no Brasil”, comenta Carrilho.
Sobre o Arte nas Estações
O projeto nasceu do esforço liderado por Fabio Szwarcwald para dar visibilidade ao acervo do Museu Internacional de Arte Naïf (Mian), chamando a atenção para uma problemática latente desde o encerramento da instituição com sede num casarão histórico no Rio de Janeiro. Desde que as atividades foram suspensas em 2016, devido à falta de financiamento, a coleção reunida pelo joalheiro francês radicado no Rio, Lucien Finkelstein (1931-2008), encontra-se armazenada num guarda-móveis e, gradativamente, vem sendo vendida para galerias e museus de fora do país.
Na atual ausência do Mian, o projeto se empenha em criar espaços para exibir a coleção e ressaltar a sua importância. “Essas exposições podem ser o último suspiro de uma movimentação importante para trazer luz à situação da venda da coleção naïf. É importante mobilizar as pessoas, fazendo com que essas obras fiquem no Brasil”, alerta Szwarcwald.
O envolvimento de Fabio com este acervo iniciou-se no ano de 2019, a partir da exposição-manifesto Arte Naïf – Nenhum museu a menos, realizada na Escola de Artes Visuais do Parque Lage, no Rio de Janeiro, sob a curadoria de Ulisses Carrilho. Pensada a partir do acervo, então composto por 6 mil obras de artistas de 120 países, a mostra buscou sensibilizar o público sobre a relevância deste conjunto para o Brasil.
Desde 2023, o projeto Arte nas Estações começou a difundir o impacto dessas obras em espaços fora do eixo Rio-São Paulo. A sua primeira edição realizou três exposições simultâneas nas cidades mineiras de Ouro Preto, Congonhas e Conselheiro Lafaiete.
Por Carolina Rampi