Nesta sexta-feira (2), comemoramos o Dia Nacional do Samba, que é tido como o ritmo genuinamente brasileiro e é, atualmente, reverenciado em praticamente todo o planeta, pelas mais diversas culturas. Mas quem vê toda essa maravilhosidade do gênero talvez não imagine que o samba nasceu na região da Pequena África, no Rio de Janeiro, às escondidas e marginalizado, tendo sido, inclusive, proibido por um bom tempo, considerado como algo “indecente”, “coisa de preto” e outros acintes da época.
Segundo o maestro Eduardo Martinelli, esse é o ritmo brasileiro. “O samba, sem dúvida nenhuma, é o o ritmo consolidado mais genuinamente brasileiro. E é tanto, que dele a gente tem várias outras derivações. Mas eu acho que não tem um um estilo de música que caracteriza melhor o Brasil, como país, do que o samba, é muito forte. Dele a gente tem a influência em diversos outros estilos que também se consolidaram, mas o samba, sem dúvida nenhuma, é o é o ritmo brasileiro.“
O jornalista e músico Clayton Sales considera o gênero como algo que transcende e alcança outras esferas da sociedade. “Eu acredito que o samba começa como uma expressão musical e transcende para outras esferas da sociedade brasileira. Ele passa pelas religiosidades de matriz africana, já que as primeiras experiências do que se tornaria o samba no formato que conhecemos remontam aos terreiros organizados nos entornos da então capital do Império, o Rio de Janeiro, cidade que recebeu muita gente negra da Bahia.“
Sales explica, ainda, que as vicissitudes que fizeram do samba o que ele é hoje não passaram incólumes pelos ditames do que era imposto pela elite dominante daquela época. “Essa mistura gradativamente gerou o samba, graças aos batuques batidos nas macumbas [instrumento musical]. E a resistência começava aí, já que as religiões africanas eram malvistas pela sociedade carioca, ávida por cultivar valores europeus, na música, costumes e crença.”
E, assim, o samba se tornou a música de resistência, a voz dos pretos. “Toda uma leva cultural veio no caminhão desse samba primordial que passou a ser cada vez mais o canal com que pretos e pretas marginalizadas após a abolição da escravidão expressavam seu desejo de uma identidade real e sua maneira de expressar sentimentos e o dia a dia. Claro, o Estado reprimia, vigiava, via com maus olhos. Então, o samba nasceu como música de resistência cultural, religiosa, social, identitária, racial.”
De SP para MS
O sambista Gideão Dias conta que conheceu o samba em sua terra natal, São Paulo. “Eu sou paulistano, filho de mãe sul-mato-grossense, campo-grandense, e pai baiano. Ambos migraram para São Paulo e, naquele tempo, ainda tinha aquela coisa de São Paulo, a ‘terra prometida’, né? Nasci em São Paulo, aprendi o samba em São Paulo. Para a gente que é de lá, que é do Rio, que é do subúrbio, o samba é muito latente, o samba e o rap em São Paulo são as músicas que o pessoal da comunidade mais ouve.”
Ele comenta, também, que o gênero musical, por aqueles lados, se faz presente na vida e no dia a dia das pessoas. “O samba é muito tocado nas rádios, é muito tocado em todas as comemorações de família, o samba é a música que conduz o churrasquinho na laje, é muito latente em todos os momentos. Então, automaticamente, um cara que nasce na ‘quebrada’ de São Paulo, o que é que ele vai ouvir? Qual é a música com a qual ele vai ter contato primeiramente? É o samba e o rap. Então eu aprendi a gostar do samba em São Paulo, desde moleque.”
Curiosamente, Dias comenta que seu “chamado” para a música veio dos templos, ao passo que a rua o convidou para as batucadas. “Pelo nome você já vê que eu venho de família cristã, nasci na Assembleia de Deus, apresentado na Assembleia de Deus, e quando eu estava na rua, a gente ouvia o samba. Eu falo que a música despertou, em mim, na igreja; e o samba foi quem me adotou na rua.”
Tem outros gêneros de música que me tocam muito: o soul, o R&B, o jazz… a música em geral mexe muito comigo. Eu sou muito ligado à melodias, e à energia da música. Eu costumo dizer que eu sou um sambista roqueiro, com espírito de roqueiro, porque eu amo o espírito do rock”, explica o cantor, deixando claro que nem só de samba vive o sambista.
E, além de representar uma paixão na vida de Dias, o samba é o seu trabalho. “O samba, para mim, é meu ganha-pão, é quem paga minha água, minha luz, internet, é quem me dá a sobrevivência, quem ajuda na sobrevivência da minha família é o samba, é esse gênero que eu trago nas minhas veias, que se manifesta pela minha baianitude, nos meus refrões, nas minhas composições… Toda essa baianitude aflora em mim: aquele calango, aquele ijexá, aquele movimento de caixas que eu coloco muito no meu refrão, o samba é tudo para mim. Eu sou muito agradecido por ser um representante, por ser um soldado desse gênero maravilhoso que conta tão bem a biografia do Brasil e do brasileiro”, assevera, visivelmente grato à profissão de sambista.
Samba feminino
A sambista Juci Ibanez conta que começou a cantar, de fato, aos 11 anos de idade, em uma brincadeira de criança. “Eu parei de brincar e fui ver meu meu primo, que era músico de uma banda. Ele estava tocando a música do Taiguara, a música chama-se ‘Hoje’. É uma música lindíssima e eu cantei com ele, e ali mesmo ele já viu o meu talento, né? Na verdade a afinação, o ritmo e tudo mais. Quando eu tinha 15 anos eu fui a cantora oficial da banda dele num show pra duas mil pessoas naquela época pra Lacta, a fábrica de chocolates”, relembra.
E Juci já está cheia de planos para o próximo ano. “Meu trabalho novo tá chegando, eu demorei pra fazer, mas tô fazendo agora um EP novo de um com uma música de na verdade são dois, eu vou lançar um primeiro, depois dá um tempinho pra lançar o outro, são dois compositores cariocas, são músicas lindas, tô preparando, já tô em estúdio, vou começar esse ano de 2023 lançando muita coisa nova, esse é o meu objetivo e pretendo lançar trabalhos bem legais, bem diferenciados. Estou sempre aí, sem parar, trabalhando e e quero que seja assim até o dia da minha morte. Quero, se Deus quiser, morrer cantando.”
Por Méri Oliveira – Jornal O Estado de MS.
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