Especialista em História Social da Cultura explica que apesar das mudanças, os hits da folia nunca perderão sua identidade
Desde o sucesso de ‘Ó Abre Alas’, em meados de 1899, escolas de samba, cordões até os bloquinhos de rua que conhecemos atualmente, acompanharam a evolução da sociedade e, consequentemente, do Carnaval, com destaque para as músicas. Após o sucesso das marchinhas, vieram os sambas-enredos, axés e frevos que auxiliaram o Brasil a construir a identidade da festividade ao redor do mundo. Desde Chiquinha Gonzaga com as marchinhas, que é o hit originário da festa, este tipo de canção já refletia o contexto social e político da época em que foi criada, mas o perfil da música de Carnaval sempre variou de acordo com as regiões e o momento cultural da sociedade.
Segundo Camila Lordy, Mestre em História Social da Cultura pela Unesp e Professora de História Popular na Faculdade Santa Marcelina, esse gênero é derivado da cadência das bandas militares. “Elas têm como característica o compasso de quatro tempos e dominaram a cena nas décadas iniciais do século XX, com letras bem-humoradas, muitas vezes irônicas e maliciosas ao criticar a política e/ou a sociedade”, comenta.
Já na década de 1920, o samba começa a ganhar força no Rio de Janeiro. Compositores como Noel Rosa e Ary Barroso ajudaram a consolidar o gênero, mas foi Ismael Silva, inventor da primeira escola de samba, a ‘Deixa Falar’, quem melhor explicou a necessidade de um novo ritmo acelerar os agrupamentos carnavalescos que andavam pelas ruas, por meio de novas ferramentas. “Os bambas do Estácio inventaram o surdo de marcação e trouxeram a levada do teleco-teco do tamborim. De lá para cá, o samba foi acelerado, acompanhando o fluxo da sociedade nas grandes cidades como São Paulo e Rio”, explica Camila.
A partir da década de 1970, em Salvador, os blocos afros e afoxés começam a introduzir novas batidas inspiradas no Candomblé e na música africana, preparando terreno para os anos seguintes. Em 1980 e 1990 houve a explosão do Axé com artistas como Luiz Caldas (Fricote, 1985), Banda Mel e Banda Reflexu’s, misturando ritmos como frevo, ijexá e reggae. Hoje, em São Paulo, o bloco Ylú Obá de Min e o de Charanga do França tocam músicas inspiradas nos ritmos do Candomblé.
Por fim, no século XXI, o funk carioca se tornou um dos ritmos mais tocados nos blocos de rua e festas, com artistas como MC Kevinho, Anitta e Ludmilla. O sertanejo eletrônico entrou nos trios elétricos com cantores como Michel Teló e Gusttavo Lima. A música eletrônica também entrou no Carnaval com os DJs tocando em blocos e festas privadas. Para Camila, muitos artistas trouxeram inovação, sem que a folia perdesse sua identidade. “O uso do sampler (amostragem de sons) foi inserido nas músicas de carnaval por artistas que modernizavam a linguagem, enquanto mantiveram a tradição dos ritmos da festa popular, como a banda Baiana System que misturou samba reggae, pagodão, rap, dub e música eletrônica”, conta a docente.
Camila Lordy, acredita que o Carnaval do ‘futuro’ manterá suas tradições, como frevos e sambas antigos com tecnologias e misturas de ritmos e gêneros, sem perder a sua força crítica. “Tudo se modifica, pois a arte absorve e mobiliza transformações. Porém, a folia não perderá sua singularidade, pois independente das novas adaptações, seja através das letras ou ritmos, sempre existirá a sátira e a crítica às desigualdades sociais”, completa a especialista.
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