Cordel no interior

Foto: Acervo pessoal
Foto: Acervo pessoal

Com 10 anos de projeto, professora encerra semestre com chave de ouro, com exposições e declamações

Era em uma corda fina, como um varal, que poetas e poetisas penduravam seus textos escritos, na região do Nordeste do país, chamados de cordéis. Essas narrativas, impressas em formatos de folhetos ou livretos, continham versos de caráter popular e folclórico, com histórias típicas da região, lendas, fatos, críticas e sentimentos. Uma das maiores promotoras dessa cultura em Mato Grosso do Sul é a professora Aurineide Alencar, que neste sábado (12), encerra mais um semestre da Cordelteca Itinerante.

A literatura de cordel é tão importante, que em 2018, foi reconhecida pelo IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. No município de Dourados, a 228 quilômetros de Campo Grande, a professora aposentada Aurineide Alencar é aliada incansável da disseminação do cordel. Idealizadora da Cordelteca Itinerante Cantinho do Cordel, desde 2015 ela se dedica a manter viva a tradição por meio de oficinas, exposições e apresentações, em escolas públicas e universidades, a bordo da inseparável kombi, que se tornou símbolo do projeto.

O amor pelos cordéis pulsa em Aurineide desde suas raízes. Nascida no sertão da Paraíba, onde viveu até os 18 anos, sempre teve o convivio com a literatura de cordel. Foi na infancia, que ela, os irmãos e primos tinham como brincadeira o desafio literário de cordel. Depois dos 18, mudou-se para Deodápolis e Dourados, em seguida, onde se encontrou na licenciatura. “Ao mudar para o Mato Grosso do Sul, já cursando ensino médio e em seguida me tornando uma professora dos anos iniciais do ensino fundamental, eu comecei a pôr em prática a minha habilidade para criar os versos e repassava aos meus alunos, como um facilitador dos meus planos de aula”, relembra em entrevista ao jornal O Estado.

Foto: Acervo Pessoal

De casa para a kombi

Tudo começou num modesto cômodo em sua casa, logo após se aposentar da rede estadual de ensino. Com um acervo inicial ainda pequeno, Aurineide passou a expor cordéis em feiras e eventos culturais. Em 2019, com recursos próprios, comprou a Kombi que lhe deu mobilidade, e passou a circular por escolas e instituições da região, levando poesia e encantamento para quem, muitas vezes, não teria acesso a esse tipo de literatura.

Hoje, o projeto conta com cerca de três mil títulos de cordéis — clássicos e contemporâneos, de autores de todo o país — disponíveis para leitura e pesquisa. Nas visitas, além da exposição dos folhetos, há também declamação de cordéis, contação de histórias, rodas de conversa e oficinas, tudo voltado para incentivar a leitura e valorizar a cultura popular nordestina.

“A Cordelteca Itinerante, faz parte da minha vida, da minha casa, da minha família. Hoje eu tenho um acervo com mais de 3.500 títulos de cordéis, clássicos e contemporâneos de cordelistas de todo o Brasil. Ela é vista pelos alunos com muita curiosidade. A Kombi fez o projeto alavancar, pois desde o momento de sua aquisição, eu tenho participado de editais de Cultura e todos os anos tem sido aprovado. Inclusive eu tive dois prêmios Federais de Cultura Popular, um em 2019 e outro agora em 2024”, destaca.

Desdobramento

Nos últimos meses, a Cordelteca promoveu o projeto Cordel na Periferia, passando pela Praça da Juventude e por escolas públicas em bairros periféricos de Dourados, como o Jóquei Clube e a Vila Macaúba, atendendo alunos do ensino fundamental e médio, tendo exposição da Cordelteca Itinerante Cantinho do Cordel e declamação e contação de Histórias. Além das visitas, Aurineide ministrou a Oficina Literária ‘Cordel na Periferia’, na Escola Municipal. Etalívio Penzo. A atividade acontecia no contraturno escolar e tinha como proposta ampliar o contato dos estudantes com o universo do cordel, estimulando a criação de textos próprios.

Como culminância desta etapa do projeto, no dia 12 de julho, será realizada uma exposição aberta à comunidade de Dourados, marcando o encerramento das ações realizadas ao longo do semestre. O evento será realizado na Escola Municipal Etalívio Penzo, a partir das 14h, e contará com a presença da Kombi Cordelteca, uma mostra do acervo e declamações ao vivo de cordéis, reunindo estudantes, professores, amantes da cultura popular e curiosos.
Para Aurineide, é a sensação de pertencimento e a magia da oralidade que a instigam durante o projeto. “Isso que me motiva a continuar meu trabalho nas escolas, apesar de já fazer mais de dez anos aposentada, é justamente o brilho nos olhos das crianças, no momento em que eu faço a declamação dos cordéis. Levando as histórias nessa forma tão rica da Literatura brasileira”.

Será um momento de celebração da poesia oral e escrita, do encontro entre gerações e da valorização de uma literatura que resiste ao tempo e ao esquecimento. Aurineide convida a população a participar: “A literatura de cordel é feita para ser ouvida, lida e vivida em comunidade. Esse evento é uma forma de agradecer e devolver tudo que a cultura popular nos oferece. Venham conhecer a literatura de cordel, ela que, por meio da linguagem popular e criativa, é capaz de transformar, que funciona como uma escola da vida”.

Com ações como essa, Aurineide Alencar prova que a cultura popular é uma ferramenta poderosa de educação e transformação. Sua Kombi segue pelas ruas de Dourados, mas o que ela carrega vai muito além de folhetos: é memória, é poesia, é resistência.

“A Literatura de Cordel, é patrimônio cultural do Brasil, tem o poder de unir vozes, fortalecer identidade, valorizar as raízes culturais e promover o pertencimento do lugar onde vivemos. Através dos versos, podemos destacar de forma mais amena aquilo que nos machuca, como: racismo, violência ou qualquer tipo de preconceito que existe”, finaliza.

Este projeto foi viabilizado por meio da Política Nacional Aldir Blanc – Dourados–MS, com realização do Governo Federal e do Ministério da Cultura, e conta com o apoio da Prefeitura Municipal de Dourados e da Secretaria Municipal de Cultura de Dourados–MS.

Foto: Acervo Pessoal

Serviço: O encerramento do projeto Cordelteca Itinerante Cantinho do Cordel será neste sábado (12), às 14h, na Escola Municipal Etalívio Penzo (Rua Rosemiro R. Vieira, 230, Parque das Nações II, Dourados), e é aberto e gratuito.

 

Por Carolina Rampi

 

 

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