‘Mulheres Estendidas ao Sol’ compila mais de 20 crônicas da autora focadas na resiliência das mulheres
Na próxima quarta-feira (9) a professora, escritora e membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras, Lucilene Machado, lança o livro ‘Mulheres Estendidas ao Sol’, na Casa de Cultura, a partir das 18h. A obra é uma coletânea de 25 crônicas que abordam a complexidade da experiência feminina, dando voz às mulheres ignoradas e ‘rechaçadas’ da nossa sociedade, por meio de um fio condutor que evidenciou a feminilidade como uma construção social e existencial.
Conforme a autora, ao emprestar voz a essas mulheres, ela se viu abrindo novos questionamentos sobre o tema durante o processo de escrita. “Abismos inesperados, perguntas que não consegui responder, inquietações que prevalecerão, pois são análogas ao exercício de escrever”, explicou Lucilene.
Lucilene destaca que as crônicas desenvolvidas no livro abordam temas do cotidiano e gênero, utilizando-se de uma linguagem metafórica, como uma trama. “Digamos que o meu texto é costurado à mão. É bordado com muitas figuras, e a intenção é levar o leitor a ver também o avesso. Algumas vezes o avesso fala mais do que o que está explícito”. Ela ainda reforça que, mesmo que as temáticas toquem fundo no universo feminino, os leitores homens também conseguirão sentir o texto. “É um livro tanto para as mulheres, como para os homens que amam as mulheres”.
A escolha do título é uma metáfora a exposição da vivência feminina, frequentemente à mostra, mas ainda invisibilizada propositalmente pela maioria. “É um convite à contemplação desse universo escancarado, exposto à luz do sol, mas que a maioria insiste em não enxergar. Terras de solos densos e ressequidos, com limites desolados e poucos lumes no percurso aberto deste imenso e explorado vale”.
Manifestação feminina na arte

Lucilene Machado é semifinalista do “Oceanos-Prêmio de Literatura em Língua Portuguesa” – Foto: Reprodução
A autora destaca a importância da literatura como ferramenta para ampliar o olhar sobre as mulheres. Para ela, a escrita literária permite acessar camadas profundas da experiência feminina, muitas vezes negligenciadas. “A literatura desempenha um papel importante na ampliação do olhar sobre as mulheres, porque permite que o leitor penetre em camadas mais sensíveis de nossas vivências”, afirma.
Segundo a autora, a literatura é um espaço fértil para manifestações de vozes historicamente silenciadas. “É um espaço de exploração e reflexão sobre a condição feminina, que se auto-desafia e desafia também os estereótipos e normas sociais ultrapassadas”, explica. Nesse sentido, ela vê nas narrativas um instrumento não apenas de registro, mas de transformação. “Livros que retratam a força e a resiliência das mulheres podem iluminar questões contemporâneas e incentivar a luta por direitos e justiça”, afirma.
No entanto, ela ressalta que, embora a literatura tenha potencial para provocar mudanças sociais, sua essência permanece ligada à criação estética. “A literatura não apenas documenta a realidade das mulheres, mas também é capaz de transformar uma realidade, ainda que este não seja o papel dela. Mas é capaz, sim, de moldar a consciência coletiva e ampliar o olhar da sociedade sobre o feminino. Mas não devemos esquecer que literatura é, antes de tudo, estética, arte”.
‘Mulheres Estendidas ao Sol’, se propõe a ser um olhar que mergulha na empatia, no amor e na memória coletiva das mulheres. “Este não é um livro que recolhe experiências tristes. É um passeio pelas nossas trajetórias, nossas memórias muito parecidas entre si, onde semeamos e colhemos os frutos de nossos ventres”, reflete Lucilene. “Porque nós, as mulheres, temos essa necessidade de fazer as coisas nascerem. Somos uterinas. Também somos antropofágicas. Serenamente mastigamos ideias, sonhos, medos… temos dentes fortes, trituramos sem tréguas as palavras como se fossem eucaristias ou uma comida que nos salva diuturnamente”.
As crônicas exploram os desafios cotidianos enfrentados pelas mulheres – seja na política, na educação, nas relações sociais ou nos afetos –, evidenciando tanto a vulnerabilidade quanto a força de renovação inerente a essa vivência. A primeira crônica, intitulada ‘Lava roupa todo dia’, utiliza a imagem do varal para ilustrar a constante exposição das mulheres às transformações e exigências da sociedade. “Perambular pelas frases desse novo livro é compreender um pouco como viver sob a intensa luz dessa exposição e carregar, a cada dia, a imagem potente e simbólica da condição feminina”, observa a autora.
Lucilene ainda expõe como o estado de ‘vulnerabilidade’ física imposta as mulheres, é o que dá a força motriz para a renovação de cada uma. “É o que nos faz aprender, nos faz abrir portar, umas a socos, outras a murros, outras suavemente e outras que não abrimos, e nem abriremos, simplesmente porque escolhemos não abrir”.
Criação
A autora revela que o processo de criação literária é também um mergulho em si mesma e nas inquietações humanas. “O processo da escrita muitas vezes nos leva a explorar temas complexos e a confrontar questões profundas. E a minha própria experiência acaba por influenciar a narrativa que estou criando”, reflete.
Ela explica que há uma troca constante entre o eu que escreve e as vozes que surgem no texto, o que gera um envolvimento emocional inevitável. “Aspectos meus são revelados ou ocultados através do meu discurso, e o inverso também: eu me represento e me experimento nas experiências do outro”, diz. Essa relação com o texto não se limita ao campo da observação: há também um enfrentamento de dilemas já vividos ou percebidos na sociedade. “Personagens, e até mesmo o ‘eu’ lírico em textos mais poéticos, enfrentam dilemas que já vivi ou que observo na sociedade, o que pode provocar tensões tanto no leitor quanto em mim que escrevo.”
Ainda que a obra não seja uma autobiografia, Lucilene destaca que o exercício literário exige um contato íntimo com as emoções. “Como autora, você precisa lidar com sentimentos, com vulnerabilidades e emoções às quais precisa se aprofundar para investigar as nuances da condição humana”, afirma.
A obra é uma reflexão poética sobre as dores, resistências e reinvenções femininas, transformando dificuldades em oportunidades de aprendizado e significação. “Estender algo ao sol também significa dar-lhe ar, deixá-lo respirar, permitir que se aqueça e se fortaleça. Porque estar estendida ao sol não é só se expor—é também absorver, transformar, reinventar. E se o calor por vezes queima, é ele também que nos fortalece. Ser mulher é isso: resistir, reinventar, e seguir lutando”, complementa.
Lucilene finaliza com o desejo de ver as histórias femininas contadas pelas próprias mulheres. “Obras escritas por mulheres só tiveram visibilidade mesmo no século XIX, portanto,faz pouco tempo que escrevemos. Antes, todas as nossas emoções eram narradas por homens. Então, o que eu gostaria mesmo é que cada um sinta a inspiração necessária para se conectar comigo nessas linhas onde exponho a minha condição de ser mulher ao sol”, finaliza.
Sobre autora
Lucilene Machado é Doutora em Teoria da literatura pela Unesp – São José do Rio Preto e Universidad Complutense de Madrid/Espanha. Mestra em Literatura pela UFMS e Membro da Academia Sul-Mato-Grossense de Letras. Possui obras publicadas no Brasil, Portugal, Espanha e Itália. Recebeu, entre outros, o II Prêmio Internacional “Gaetano Scardocchia” na Itália, em 2009 e o Prêmio Nacional Guavira em 2014. Professora Adjunta no Curso de Letras da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul-UFMS/CPAN e no Programa de Mestrado Estudos Fronteiriços.
Por Carolina Rampi