Cinema Japonês ganha mostra especial no MIS

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Mostra gratuita reúne clássicos e produções atuais para celebrar os 117 anos da imigração japonesa no Brasil

No dia 18 de junho é celebrado o Dia da Imigração Japonesa no Brasil, uma data de grande importância para Campo Grande (MS), cidade marcada pela forte presença da cultura japonesa. A influência dos imigrantes vindos do Japão está enraizada no cotidiano sul-mato-grossense: da gastronomia à arquitetura, dos costumes aos eventos tradicionais, passando também e de forma significativa pelo cinema.

Em homenagem à data, o MIS (Museu da Imagem e do Som) promove, entre os dias 16 e 18 de junho, a Mostra de Cinema Japonês, com uma programação especial voltada à celebração da contribuição nipônica à cultura brasileira. Serão três noites dedicadas à sétima arte japonesa, com exibições gratuitas de filmes clássicos e contemporâneos, sempre às 19h, no auditório do MIS, localizado na Av. Fernando Corrêa da Costa, 559 – 3º andar, em Campo Grande.

A curadoria da mostra fica por conta de dois especialistas: Celso Higa, membro do Instituto IHGMS (Histórico e Geográfico de Mato Grosso do Sul), e Júlio Bezerra, professor da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), que também estarão presentes para debates após as sessões, promovendo reflexões sobre as obras e os contextos histórico-culturais que envolvem a imigração e o cinema.

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Programação

A Balada de Narayama (1983), de Shohei Imamura, abre a mostra no dia 16 de junho às 19h. Vencedor da Palma de Ouro em Cannes, o filme retrata um vilarejo japonês do século XIX onde os idosos são forçados a enfrentar a morte como parte de uma tradição brutal. A matriarca Orin, prestes a completar 70 anos, encara seu destino com coragem, enquanto se preocupa em garantir o futuro do filho.
Tabu (1999), de Nagisa Oshima, será exibido no dia 17 de junho. Ambientado no período Edo, o longa acompanha os conflitos internos de uma tropa de samurais com a chegada de um jovem recruta cuja beleza andrógina desestabiliza as rígidas normas do grupo. Uma obra provocadora que mistura desejo, honra e repressão.

Sob o Céu Aberto (2020), de Miwa Nishikawa, encerra a mostra no dia 18 de junho. O drama contemporâneo acompanha Mikami, um ex-integrante da Yakuza, em sua tentativa de reintegração à sociedade após anos de prisão. Em busca de trabalho e da mãe perdida, ele confronta um Japão moderno que já não reconhece.

A seleção dos filmes da Mostra de Cinema Japonês deste ano foi pensada para refletir a amplitude e a riqueza da cinematografia nipônica, com obras que percorrem diferentes décadas e estilos. Segundo os curadores Celso Higa e Júlio Bezerra, o critério principal foi destacar temas essenciais da cultura japonesa, como tradição, desejo e reintegração social, mantendo uma coerência curatorial mesmo diante da vasta produção existente. “O maior desafio foi justamente equilibrar essa diversidade sem perder o fio condutor da mostra. Este ano, optamos por títulos do Imamura e do Oshima, dois grandes nomes da Nuberu Bagu, mas em fases mais tardias de suas carreiras, o que acrescenta novas camadas de leitura ao público”, explica Bezerra.

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Os filmes selecionados para a Mostra revelam diferentes camadas da cultura japonesa, explorando temas como tradição, espiritualidade, estética e os laços familiares.Segundo eles, o público sul-mato-grossense tem respondido de forma cada vez mais aberta a esse tipo de programação.

“Cada obra traz uma experiência única: A Balada de Narayama fala sobre envelhecimento e honra; Tabu discute desejo e disciplina no universo samurai; e Sob o Céu Aberto mergulha na reintegração social de um ex-criminoso em um Japão contemporâneo em transformação. Há uma curiosidade crescente pelo cinema asiático, que oferece narrativas poéticas e sensíveis, diferentes da lógica dominante de Hollywood. Isso amplia o repertório e o olhar dos espectadores locais”, explica Júlio para a reportagem.

Veterano na curadoria da Mostra de Cinema Japonês, Celso Higa revelou para a reportagem que a seleção dos filmes sempre busca equilibrar clássicos em preto e branco com produções contemporâneas.

“Neste ano, optamos por destacar dois nomes da Nuberu Bagu, a Nouvelle Vague japonesa, com dramas de época ambientados na Restauração Meiji, e também uma diretora da nova geração, Miwa Nishikawa, com um olhar atual sobre a marginalidade”, conta. Segundo ele, o maior desafio tem sido a própria obtenção dos filmes: “Sou cinéfilo à moda antiga, ainda uso DVD. Muitos títulos vêm de lojas específicas no bairro da Liberdade, em São Paulo, que estão desaparecendo. Felizmente, tenho acervo de grandes diretores em edições especiais, o que mantém viva essa ponte entre passado e presente do cinema japonês”, destaca Celso.

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Cinema Japonês

O cinema japonês surgiu no final do século XIX, durante a Era Meiji, período marcado por intensas transformações culturais e tecnológicas no Japão. Inicialmente influenciado por artes tradicionais como o teatro Nô, Kabuki e Bunraku, o cinema incorporou narrativas simbólicas e visuais estilizadas. Com o tempo, ganhou identidade própria, misturando tradição e modernidade. A figura do benshi — narrador dos filmes mudos — foi marcante nessa fase inicial. Já nos anos 1920, o cinema japonês começou a dialogar com o Ocidente, sem perder suas raízes.

Ao longo do século XX, o cinema japonês passou por transformações profundas: dos filmes mudos inspirados no teatro tradicional aos grandes clássicos do pós-guerra dirigidos por mestres como Akira Kurosawa, Kenji Mizoguchi e Yasujiro Ozu. Nas décadas seguintes, o país consolidou sua linguagem cinematográfica, transitando entre o realismo social, o drama histórico (jidai-geki), a animação (anime) e o experimentalismo. Hoje, o Japão segue como referência internacional, com diretores contemporâneos como Hirokazu Kore-eda e Ryusuke Hamaguchi levando prêmios em festivais importantes, sem deixar de lado a delicadeza, o simbolismo e as questões humanas que sempre marcaram sua produção.

Celso Higa explica que a Mostra de Cinema Japonês vai além da exibição de filmes: é uma ponte entre passado e presente, reforçando a memória e a identidade cultural da comunidade nipônica.Higa destaca que o evento também corrige equívocos históricos sobre a imigração e promove diálogos entre gerações.

“Celebrar a imigração japonesa por meio do cinema é resgatar um capítulo vivo da nossa história. Em Campo Grande, assistir a filmes japoneses era um ritual comunitário às sextas-feiras no antigo Cine Santa Helena, que reunia chacareiros, moradores da cidade e famílias inteiras. O cinema nos conecta às raízes e cria espaço para reflexões sobre pertencimento e intercâmbio cultural. A mostra no MIS é, hoje, o lugar ideal para reviver essas emoções e afirmar, com orgulho, a nossa ascendência japonesa”, destaca Celso.

A mostra foi retomada em 2023, após um período de pausa, como parte da revitalização do projeto CineMIS, que busca aproximar o público de diferentes expressões cinematográficas. A proposta é alcançar desde acadêmicos e cinéfilos até curiosos e interessados pela cultura japonesa.

Durante os debates que seguem as sessões da Mostra, o público pode esperar reflexões que vão além da superfície dos filmes. “Procuro sempre trazer um olhar histórico para contextualizar a obra em seu tempo, e também destaco aspectos culturais, como a presença do teatro Nô, o papel dos onnagata ou o som do biwa, que ajudam a enriquecer a experiência”, explica Celso Higa.

Embora não tenha formação técnica em cinema, ele ressalta que a curiosidade e a pesquisa o levaram a compreender elementos visuais importantes, como planos-sequência e enquadramentos, que compartilha com o público de forma acessível. Para ele, o cinema é uma ponte poderosa entre Brasil e Japão. “O cinema tem magia, é um espelho. Mostra valores, gestos, comidas, modos de viver. Fortalece o vínculo cultural e revela, em cada detalhe, o que temos em comum”, finaliza.

Serviço: o Museu da Imagem e do Som (MIS) de Campo Grande (MS) realiza a Mostra de Cinema Japonês que acontecerá de 16 a 18 de junho, sempre às 19h, no auditório do MIS, localizado na Av. Fernando Corrêa da Costa, 559 – 3º andar. A programação é gratuita.

 

Por Amanda Ferreira

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