Atriz diagnosticada com deficiência intelectual rompe barreiras e brilha atuando e ministrando aulas de atuação

Evelyn em apresentação (Foto: arquivo pessoal)
Evelyn em apresentação (Foto: arquivo pessoal)

A arte é um dos instrumentos que proporcionam uma gama de sensações e aprendizados, responsável por desenvolver mente e corpo dos indivíduos que a realizam. No teatro, o trabalho ao vivo envolve seus participantes e espectadores em um rico modo de se contar histórias, permitindo a reflexões sobre diversos assuntos. Ao longo do tempo, a linguagem do teatro dá espaço para temas relacionados a inclusão, diversidade de gênero, e preconceitos, por exemplo.

Mas a inclusão não deve ficar apenas nas temáticas, ela deve ser trazida na pele e na vivência de seus atores, como na de Evelyn Machado Soares, de 38 anos. Diagnosticada na infância com deficiência intelectual, um simples papel não a impediu de seguir a carreira de atriz. E agora, com experiência de palco e anos de estudo, a artista ocupará o lugar de professora, para ensinar teatro para quem quiser aprender, não importa a condição. A oficina de iniciação teatral será ministrada por três meses, começando em agosto, para alunos a partir dos 14 anos.

“A minha trajetória teatral começou na APAE [Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais], entrei nas atividades complementares, onde faço natação, música e teatro. Comecei no teatro entre 2017 e 2018, em seguida participei de um festival, onde fizemos ‘Pássaro na Gaiola também sabe voar’”, relembra Evelyn ao jornal O Estado.

Com a jornada iniciada, a atriz se matriculou na Escola de Teatro Adote (Ator Domingos Terras), comandada pela atriz Beth Terras e Daniel Smidt, onde conquistou seu espaço como aluna e agora, professora.

“Entrei depois da pandemia e fará quatro anos que estou com a Beth. Sou uma pessoa com deficiência intelectual, e no ramo do mercado teatral, sempre tive vontade de dar aula. Foram quatro anos de luta, de estudo, de improvisação teatral e consegui chegar hoje onde estou, com muito esforço e eles me deram a oportunidade de ser professora, estou muito feliz”, disse.

Segundo Terras, a Evelyn é extremamente competente e está sendo inserida na nova empreitada por merecimento.

“Todo mundo acha que a pessoa com deficiência não tem capacidade; mas ela decora textos que eu não decoro, por exemplo. Fui fazendo testes com ela, os mesmos que faço com os outros, sentei com o Daniel, que é meu administrador, e falei que a gente poderia abrir pelo menos uma oficina para ela. Há algumas semanas dei uma aula e logo no início disse que iria escolher dois alunos para ter seus 15 minutos de fama, dando uma aula. Comecei com a Evelyn, e ela desenvolveu de uma forma que assustei até”, disse ao jornal O Estado.

Inclusão no aprendizado

“A pessoa com deficiência pode tudo, alcançar tudo o que ela quer. Às vezes está na cabeça da própria pessoa que ela não consegue, que não acredita nela mesma. Eu acredito em mim e nas outras pessoas com deficiência, que somos capazes sim de ter uma vida social, inclusiva, realmente como qualquer outra. Somos todos ‘normais’, como qualquer outra na sociedade”, destacou Evelyn.

Segundo Terras, a Adote quer se tornar um local acolhedor e inclusivo, um dos pontos que a motivou a trocar a localização da escola, que agora possui elevador, maior segurança e conforto para os alunos. “Me emociono em saber que em 45 anos de profissão consegui criar uma escola de teatro ligada ao sindicato e que pode fornecer até DRT [Registro de Trabalho] e a FEBAC [Federação de Escolas Brasileiras de Artes Cênicas]. A gente está priorizando em nossa escola a inclusão e dá direito a todos”, pontuou Beth Terras.

Neta de Domingos Terras, Beth Terras já passou pela televisão, teatro e cinema, onde foi atriz e professora. Completando 30 anos em Mato Grosso do Sul, a artista formou atores que já são professores, e que voltam para ela para mostra o que aprenderam e as suas bagagens. Em sua extensa carreira, Terras já deu aulas para alunos com TEA (Transtorno do Espectro Autista), síndrome de Down, Deficiência Auditiva, e acredita que “todos deveriam ver a inclusão como parte normal da vida, todos têm direito e a arte proporciona esse direito para quem ama a arte”.

“A gente aqui na escola não tem diferenças, não existe. Os ditos ‘normais’ fazem aulas com as pessoas com deficiência, porque isso é a inclusão, eu acho importantíssimo, não vou diferenciar eles. O caso da Evelyn repercutiu porque você vê alguém que ninguém dá valor, recebendo atenção; e ela tem um valor inestimável”, reforça.

“Nos temos, além de pessoas com deficiência, as que se descobrem, e não temos essa diferença, não importa se é hétero, gay, trans… É por isso que a Adote tem tantas pessoas a procura”, opina.

A oficina

A Oficina de Iniciação Teatral começará em agosto, com três meses de duração, e aulas de uma hora e meia, ministrada por Evelyn e coordenada por Terras e Smidt, com cronograma próprio e organizado por eles. “Será sobre corpo, voz, realmente o inicial para a pessoa fazer o teatro, com pequenas cenas, atividades que farão com que o aluno fique desinibido, já que muita gente tem vergonha, com um grupo onde todos serão bem vindos, a partir dos 14 anos”, explicou Evelyn.

“As pessoas têm uma ideia assim ‘será que devo fazer aula com uma pessoa com deficiência, arriscar o meu estudo com ela?’. Mas aí a gente prova que pode, sim, eu tenho uma estrada de conhecimentos. Para mim será muito gratificante atender a todos e falar para as pessoas com deficiência são capazes de subir em um palco. Eu acredito que as pessoas com deficiência podem tudo”, reforçou.

Serviço: Interessados podem entrar em contato através do WhatsApp (67) 9811-9379. A Escola de Teatro Adote fica na Avenida Tamandaré, 356, sala 11, bairro Vila Planalto.

 

Por Carolina Rampi

 

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