Após conquistar o público internacional, “Ainda Estou Aqui” estreia hoje nos cinemas brasileiros. Dirigido por Walter Salles e com roteiro de Murilo Hauser e Heitor Lorega, o drama de 2h15 conta com Fernanda Montenegro, Fernanda Torres e Selton Mello no elenco. A trama explora a ditadura militar e suas profundas repercussões pessoais, trazendo uma narrativa intensa e carregada de emoção.
O longa é uma adaptação cinematográfica da biografia de Marcelo Rubens Paiva, que narra a história de sua mãe, Eunice Paiva, durante a ditadura militar no Brasil, na década de 1970. A trama acompanha Eunice, uma mulher casada com um importante líder político, cuja vida sofre uma reviravolta dramática quando seu marido é sequestrado pelo regime militar.
Ela se vê em um cenário de dor e incerteza, forçada a abandonar sua vida aparentemente estável para se tornar uma ativista dos direitos humanos. Determinada a descobrir a verdade sobre o desaparecimento do marido, Eunice enfrenta as terríveis consequências da repressão política.
Uma mulher de duas faces
A trama nos conduz pelo período que se segue ao desaparecimento de Rubens, retratando a perseguição que a família enfrenta e, especialmente, a luta interna de Eunice, determinada a preservar o bem-estar dos filhos enquanto busca respostas sobre o sumiço de seu marido.
A angústia de Eunice, misturada ao esforço para suavizar a dor das crianças, cria uma atmosfera de desconforto profundo que aproxima o espectador dessa perda irreparável. Sem artifícios, o filme provoca uma sensação de vazio, de aperto no peito e de reflexão constante. É impossível assistir sem ser tocado.
A violência da ditadura militar é abordada de maneira “indireta” na obra de Walter Salles: tão devastadora quanto a brutalidade física é o sofrimento das famílias que, como Eunice, são forçadas a continuar suas vidas sem saber o que aconteceu com seus entes queridos. O filme mergulha na crueldade de viver em um limbo de incertezas, onde a ausência é insuportável e a dúvida sobre o destino de Rubens se torna uma ferida aberta.
O filme opta por não mostrar explicitamente a violência física, forçando o espectador a confrontar os horrores do regime por meio da imaginação. Ao explorar o vazio da incerteza, a obra destaca o sofrimento silencioso de viver sem saber o destino dos desaparecidos. Essa angústia de não ter respostas torna o processo de seguir em frente ainda mais difícil.
Reconhecimento
Selecionado pela Academia Brasileira de Cinema para representar o Brasil na disputa por uma vaga na categoria de Melhor Filme Internacional no Oscar 2025, “Ainda Estou Aqui” já conquistou grande reconhecimento no cenário internacional. Após ser ovacionado em sua exibição no Festival de Veneza, no dia 1º de setembro, o filme foi premiado com o cobiçado Prêmio Osella de Melhor Roteiro.
O filme é o primeiro longa-metragem original da Globoplay, produzido em parceria com Vídeofilmes, RT Features e Mact Production. O filme tem sido amplamente reconhecido em festivais internacionais, sendo selecionado para quase 30 deles. No Festival de Veneza, aplaudido de pé por 10 minutos pela plateia, o longa gerou grande impacto. As críticas têm sido majoritariamente positivas, com destaque para a atuação de Fernanda Torres, que pode entrar na disputa por prêmios de atuação importantes.
Elenco
O talento de Fernanda Torres se revela em múltiplas camadas, transbordando de maneira impressionante na tela. A atriz parece vivenciar profundamente cada emoção de uma história real, convidando o espectador a sentir com ela — seja a dor, o alívio ou o sofrimento. Sua performance não apenas interpreta, mas comunica visceralmente os sentimentos de uma maneira quase tangível, estabelecendo uma conexão imediata e intensa com o público.
A perda do personagem de Selton Mello é intensificada pela sua interpretação magnética, que transmite uma energia contagiante. Reconhecido como um dos maiores talentos do cinema brasileiro, Mello dá vida a um personagem afetuoso, que é o pilar da família e a força que mantém todos unidos. Sua relação íntima com os filhos e com a esposa é retratada com grande sensibilidade, e sua partida deixa um vazio profundo.
“Ainda Estou Aqui” explora a identidade como algo instável, formado por memórias, traumas e desejos. O protagonista revisita seu passado em busca de sentido, mas encontra um reflexo fragmentado de experiências conflitantes. O filme questiona a ideia de um “eu” fixo, alinhando-se com a filosofia existencialista de Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty. A narrativa sugere que somos um conjunto de histórias que nos contamos, em vez de uma essência imutável.
Por Amanda Ferreira
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