Amigos e classe teatral lamentam morte do ator que lutou pela arte brasileira
Nascido em 22 de abril de 1939, em Santos, no litoral paulista, o ator, diretor de teatro, autor, produtor e político Sérgio Duarte Mamberti morreu na madrugada de ontem. Ele estava entubado desde o último sábado, no hospital da rede Prevent Senior para cuidar de uma infecção nos pulmões. A causa da morte foi falência múltipla dos órgãos, segundo o filho do ator. O ator, diretor, produtor, autor e artista plástico vinha enfrentando problemas de saúde ao longo de 2021, com outras duas internações por disfunção renal e pneumonia. Mamberti teve longa carreira no cinema, na televisão e no teatro. Um de seus personagens mais icônicos foi o de Dr. Victor, no programa infantil “Castelo Rá-Tim-Bum”, sucesso da TV Cultura na década de 1990.
Na televisão, estreou na novela “Ana”, da Record, em 1968. Além do Doutor Victor, no “Castelo RáTim-Bum”, ele também se destacou na TV como o mordomo Eugênio, de “Vale Tudo”, e o carrasco Dionísio, de “Flor do Caribe”. Somente em 1981 o ator estreou na TV Globo, como o Galeno de “Brilhante”, novela de Gilberto Braga.
Foram mais de 40 novelas, a última, na TV Globo, foi “Sol Nascente”, em 2016, no papel de dom Manfredo. Depois ele chegou a atuar na série “3%”, da Netflix, e, em 2017, no sitcom “Eu, Ela e um Milhão de Seguidores”, do Multishow. Ele lançou sua autobiografia “Sérgio Mamberti: Senhor do Meu Tempo” recentemente, em abril. O livro traz alguns detalhes da infância do ator, da cultura herdada pelos pais, e explica como ele fez para aprimorar sua habilidade em línguas, falando cinco idiomas. A importância de Sérgio Mamberti para a cultura brasileira pode ser comprovada também pela obra. Entre muitos relatos, nomes consagrados, como Fernanda Montenegro, que assinou o prólogo do livro, e Gilberto Gil, que escreveu a orelha.
Viúvo desde 1980 da atriz Vivian Mahr, que morreu aos 37 anos por complicações respiratórias, o ator afirmava que nunca considerou se casar novamente. “A gente tem de namorar, né? Mas foram sempre casos eventuais. Se eu casasse estaria prejudicando a relação com meus filhos. Quando a Vivian (Mahr) morreu, o mais velho tinha 14 anos.” São três os filhos de Mamberti: o ator Eduardo (Duda) Mamberti, o produtor Carlos Mamberti e o diretor Fabrício Mamberti.
Vácuo na arte
Beth Terras, atriz, diretora e professora de teatro da Capital, lamentou a perda e acredita que a morte do ator deixa um vácuo na arte brasileira. “O Sérgio Mamberti sempre foi um lutador. Ele lutava pela cultura e pela arte. É mais uma morte que vai deixar uma lacuna muito grande nas artes de nosso país. Eu tenho sentido nos últimos tempos, tantos indo embora e deixando um vazio muito grande nas artes e vai fazer muita falta. Quantos trabalhos marcantes ele fez, tanto na TV, no teatro e no cinema.”
“Eu fico muito triste em saber que a gente é tão pequeno, e de uma hora pra outra a gente vai embora e a arte cada vez fica mais vazia. Eu convivi algum tempo com ele, quando morava em São Paulo, não tão próxima, mas tive algumas conversas com ele, que sempre foi muito simpático, e ele ensinou e ensina e vai continuar a ensinar muito para nós artistas. Ele foi simples, humilde, generoso e o que é mais bonito em um artista é a humildade”, lamenta Beth.
Nunca fugiu da briga
A atriz, escritora e diretora Fernanda D’Umbra, que atuou na série “Mothern”, da GNT, e também na série “Assédio”, da Globoplay, frequentava a casa do ator e contou com exclusividade ao caderno Artes&Lazer, do jornal O Estado, histórias de Mamberti que marcaram sua vida. “O Sérgio morava num sobrado ao lado do Teatro Ruth Escobar e sua casa abrigou muitos atores e atrizes, entre eles o grupo Living Theatre de Nova York. Sua militância política se fez muito por meio de sua arte. Sérgio nunca temeu o sistema e muitas pessoas se hospedaram em sua casa em momentos de repressão no Brasil.”
“Sou muito amiga de seu filho Duda Mamberti e fui algumas vezes à sua casa. Eu não me esqueço de que, quando entrei em sua casa pela primeira vez, ele perguntou se eu já tinha almoçado. Acho divino quem te vê pela primeira vez e oferece comida. Sérgio Mamberti foi um homem de teatro que morreu em combate. Ele nunca fugiu da briga.”
Protagonista na cultura
O músico e produtor cultural Pedro Ortale foi amigo de Mamberti e tem boas lembranças do ator e conta como aconteceu essa interação. “Eu o conheço desde 2003, 2004, na época em que eu dirigia a Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul, e o Sérgio Mamberti foi o secretário da Secretaria de Identidade e Diversidade Cultural no extinto Ministério da Cultura, aliás essa foi uma das secretarias mais importantes que foram criadas no governo Lula, onde pela primeira vez se pensou na identidade e na diversidade cultural do povo brasileiro. Pela primeira vez o ministério criou um fórum indígena, incluiu comunidades tradicionais e minorias étnicas e grupos de identidade minoritário no escopo da política pública, o Sérgio protagonizou isso.”
Colegas que se tornaram amigos
Ortale mediou uma live com Sérgio Mamberti em 2020, na qual o ator fez um retrospecto de sua carreira. O produtor cultural relembrou esse momento histórico. “Tínhamos um diálogo profissional, e ficamos amigos ao longo dos anos. O Sérgio é uma referência do teatro brasileiro, indiscutível, e uma referência no âmbito das políticas públicas culturais, então é uma perda enorme, ele é uma figura que vai fazer muita falta, está fazendo já.”
“No ano passado eu estava no Ceará, onde fiquei quase três anos trabalhando. Dirigi um museu da fotografia em Fortaleza durante algum tempo, e na ocasião estávamos realizando um trabalho de arte, cultura e sustentabilidade na rede municipal de escolas de Jericoacoara, e fizemos uma série de lives temáticas. Uma das lives era sobre cultura e desenvolvimento e eu chamei o Sérgio, foi uma boa conversa, porque fazia tempo que nós não nos víamos, não nos falávamos, e foi muito bom ter esse momento de reencontro. Fizemos uma espécie de retrospectiva da vida dele, falou sobre o tempo do teatro, falou sobre o Cinema Novo, e falou sobre várias etapas que são absolutamente importantes para a história do Brasil”, aponta o produtor cultural.
Carinho por Mato Grosso do Sul
“O Sérgio é uma personalidade que figura centralmente em vários pontos da história da cultura brasileira. Ele me falou sobre o livro que foi recentemente lançado, ele estava terminando o livro. Ele gosta muito daqui de Mato Grosso do Sul, tinha um carinho especial aqui, por nós todos aqui, além de mim tem várias outras pessoas daqui que tinham uma relação muito próxima ao Sérgio. É uma tristeza perder uma figura generosa, amorosa e sem rancor, e profundamente visionária da gestão das políticas públicas culturais e da arte como um todo”, finaliza Pedro Ortale
Marcelo Rezende