Conversa-se sobre tudo ao passo em que as garrafas de cerveja se esvaziam e se empilham sobre as mesas de bar: o político preso, relacionamentos, o clássico do futebol de domingo, quem é que vai pagar a conta do que se bebeu ou dos problemas que se acumularam na vida. Com a cerveja, a maior parte é festa. Mas, no momento de descontração, de fuga da realidade, raro encontrar quem debata algo que está exatamente ali, dissimulado: o preocupante aumento no número de casos de alcoolismo e de mortes causadas por isso no Brasil.
O alcoolismo do ponto de vista médico é uma doença crônica, com aspectos comportamentais e socioeconômicos, caracterizado pelo consumo compulsivo de álcool, na qual o usuário se torna progressivamente tolerante à intoxicação produzida pela droga e desenvolve sinais e sintomas de abstinência, quando esta é retirada. “Normalmente quando você vai parar no AA [Alcoólicos Anônimos] é porque você não tem mais outras opções. Você chega à conclusão de que é a última oportunidade da sua vida, pois nesse momento você já está desacreditado, perdendo filho, família, emprego, sociedade e tudo que tem”, contou um membro do grupo, de 55 anos, que atua na construção civil, e que está na irmandade, forma como eles se referem ao grupo, desde 2017. Os entrevistados desta matéria preferem manter o anonimato.
Uma das características mais importantes do alcoolismo é a negação de sua existência por parte do usuário. Raros são aqueles que reconhecem o uso abusivo de bebidas, passo considerado essencial para livrarem-se da dependência. “No meu caso, por exemplo, eu sempre fui muito religioso, mas não acreditava que era alcoólatra, bebia todos os dias e não era pouco. Durante uma crise familiar, meu filho disse que eu precisava me tratar e eu acabei brigando com ele. Isso acontece automaticamente com quem tem essa doença”, explicou. “O passo mais difícil de tudo é reconhecer que está doente e que precisa de tratamento, foi ai que pedi ajuda ao padre da paróquia que eu frequentava com a minha família e ele contou a minha história para um amigo em comum nosso e eles acabaram me levando até a porta do grupo e eu não tive como me negar a entrar e participar da reunião. Mas foi a melhor coisa que eles fizeram por mim, pois a sociedade tem um preconceito muito grande conosco”, ressaltou o participante.
Para que o tratamento tenha sucesso é fundamental a participação dos familiares e amigos próximos, como explicou o auditor e também membro da irmandade, de 62 anos, integrante do AA há 18 anos. “É muito difícil alguém chegar lá sozinho, a maioria das pessoas que começam a frequentar as reuniões foi porque alguém próximo levou e é isso que muitas vezes nos salva dessa doença tão triste e que não tem cura, apenas tratamento”, disse. O alcoolismo é uma doença que afeta pessoas de diferentes classes sociais, independente do sexo, da raça, da classe social e até mesmo da idade, conforme esclareceu o auditor.
Alcoólicos Anônimos
Os Alcoólicos Anônimos são uma irmandade de homens e mulheres que compartilham, entre si, suas experiências, forças e esperanças, a fim de resolver seu problema comum e ajudar outros a se recuperarem do alcoolismo. Sem caráter religioso, a comunidade recebe pessoas de todas as doutrinas.
SERVIÇO: no Estado, os Alcoólicos Anônimos estão em 31 cidades e em Campo Grande possuem 16 grupos, em bairros distintos. O grupo São Paulo, que fica na Rua 14 de Julho, na Igreja São Francisco, está comemorando 47 anos e para a celebração terá uma confraternização no local, nesta sexta-feira (23), às 20 horas. (Taynara Foglia)