Apresentado por Yá Moreira, projeto traz saberes ancestrais, mitologia e sonhos
Nesta quinta-feira (6), às 19h, o Auditório da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) recebe o espetáculo solo de dança contemporânea ‘Yakámokeno’, inspirado na cosmoperceção terena, realizado pelo artista Yá Moreira, do grupo Renda que Roda.
Em ‘Yakámokeno’ acompanhamos a cosmovisão Terena a partir da relação do dançarino com a mitologia dos pássaros e sua correlação com os sonhos. O espetáculo fortalece os saberes oriundos dos povos indígenas e é provocador de importantes ressignificações ao mundo, explorando realidades atravessadas diretamente por questões familiares, culturais, sociais e afetivas.
Natural da aldeia Lagoinha, no município de Aquidauana, Moreira relata que a construção do espetáculo parte das histórias contadas pelos anciões da aldeia, que por meio de sua oralidade, relatam as ligações entre os pássaros e seus acontecimentos.
“O processo possui uma preparação corporal, racional e de concentração, que de forma sensível media por meio das falas, instrumentos de sopros e percussão, assim trazendo às memórias e imagens que foram afloradas durante as aulas práticas”, explica.
“Este processo já dura 2 anos e meio de produção e construção, e agora temos uma produção que tem deixado o espetáculo ainda mais concreto no sentido profissional, com trilha e uma equipe de produção impecável. Acredito que a emoção fica pelo lado do público, e receber esse retorno por meio das falas é algo que já me deixa feliz”, completa.
Artista da dança, performer, professor, produtor cultural, indígena do povo Terena e LGBT, Moreira explica que o nome do espetáculo, ‘Yakámokeno’, em português significa ‘escuta’. Com “Yakámokeno”, Yá Moreira afirma seu corpo como espaço de memória, resistência e transformação. Para ele, ser um artista indígena e LGBT é também um gesto político e espiritual, um modo de reafirmar a força das suas raízes diante dos desafios do presente. “O que eu deixo para nossa geração é que o despertar da ancestralidade só depende da nossa entrega e dedicação, independentemente de qual forma seja”, afirma o dançarino.
Yá acredita que o caminho da arte é também o da fé e da escuta interior. “O que nos aguarda nunca será visto no primeiro momento, mas que a nossa intuição — a fé — seja capaz de nortear caminhos para chegarmos além daquilo que já está prescrito”, reflete. Para ele, o espetáculo é um chamado à continuidade da luta e à valorização das histórias que sustentam sua comunidade. “A ânsia da luta permeia em nossas veias, tornando latente as nossas histórias”, completa o artista.
Produção
A diretora Gabriela Salvador conta que o desejo de investigar a mitologia Terena surgiu dentro do grupo Renda que Roda, que reúne diversos integrantes indígenas e nasceu no curso de Artes Cênicas da UEMS. “Sempre tive muito desejo de me aproximar dessa cultura para poder dialogar melhor, não só com os alunos, mas com o Estado e com a história desse Estado. Investigo as danças populares e tradicionais brasileiras, e não há como deixar de fora desse estudo as danças terenas e indígenas de todas as etnias”, afirma. A diretora explica que o espetáculo faz parte de uma pesquisa de pós-doutorado que busca justamente essa aproximação — um movimento de respeito, troca e reconhecimento das raízes culturais do Mato Grosso do Sul.
Nesse processo, o corpo de Yá Moreira torna-se o centro da criação e o elo entre mito, memória e contemporaneidade. “O fato de o Yá dançar o espetáculo, e não eu, já é o primeiro caminho para esse respeito. Ele carrega em si sua própria história, sua própria mitologia, vive e leciona na aldeia. Todo o material é trazido por ele — a pesquisa corporal, as referências — e o meu papel na direção é organizar isso em forma de coreografia, sempre ouvindo muito, respeitando muito e tentando aprender com ele a partir da vivência, da cultura e da história dele”, completa Gabriela.

Foto: Kaique Andrade/Divulgação
Respeito
Dirigir um solo tão íntimo e identitário como “Yakámokeno” exigiu de Gabriela Salvador um olhar atento, sensível e, acima de tudo, uma escuta constante. A diretora reconhece que o principal desafio foi equilibrar a condução artística com o profundo respeito à individualidade e à cultura de Yá Moreira, intérprete-criador da obra. “Eu tento o máximo possível, com todo o cuidado, respeitar não só a cultura, mas principalmente a pessoa, o dançarino que é o Yá. Trabalhar a individualidade dele é muito potente, é algo que já venho fazendo há anos, mas com uma pessoa indígena é preciso ampliar ainda mais esse cuidado — ouvir mais do que falar, aprender mais do que ensinar”, explica.
Para Gabriela, o processo foi um verdadeiro exercício de escuta, aprendizado e troca. “O nome do espetáculo não é à toa — é uma escuta minha, e também um convite para que todos ouçam o que os povos indígenas têm a dizer. Eles têm muito a nos ensinar sobre suas cosmopercepções e mitologias. A direção consistiu em acolher mais do que propor, e esse trabalho foi construído a muitas mãos, dentro de uma relação de anos entre professora e aluno, orientadora e mestrando, diretora e dançarino. O Yá é um grande aprendizado para o meu trabalho de diretora. Tudo que ele traz para mim e para o grupo Renda que Roda é muito precioso”, completa.
O solo tem direção de Gabriela Salvador; produção por Marcus Perez; mediação por Yá Moreira; trilha sonora composta por Mariana Terena; Guilherme da Silva Ferreira como violoncelista; vozes por Cerizi Francelino Fialho e Emílio Miguel Moreira; figurino por Gilma Basílio; grafismo por Thayson Dias; produção executiva de Marcos Mattos, assistência de produção executiva por Ana Triches, camarim por Gê Cardoso; Júlio Giacomelli como designer gráfico; assessoria de imprensa por Isabela Ferreira (Reconta); Chris Condi como intérprete de libras e os registros audiovisuais são de Kaique Andrade / Transgrafias.
Serviço: o intérprete-criador Yá Moreira, do grupo Renda que Roda, estreia o solo ´Yakámokeno´, nesta quinta-feira (06), às 19 horas, no Auditório da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, com entrada gratuita e acessibilidade em libras. Mais informações pelo Instagram do grupo @rendaquerodaa.
Por Carolina Rampi
Confira as redes sociais do Estado Online no Facebook e Instagram