Mãe denuncia que Justiça ignora laudo psicológico e impõe guarda compartilhada com agressor reincidente
Uma mãe de 26 anos, que terá seu nome preservado nesta reportagem, trava uma batalha na Justiça pela guarda da filha de 7 anos, em Campo Grande. Ela denuncia ter sido vítima de violência doméstica e acusa o sistema judicial de desconsiderar provas documentadas do sofrimento físico e psicológico dela e da criança.
O caso envolve o ex-companheiro, de 35 anos, apontado no processo por agressões contra a mãe e por episódios de violência presenciados pela própria filha. Apesar disso, o MPEMS (Ministério Público Estadual) emitiu parecer favorável à guarda compartilhada.
“Minha filha tem medo dele”
“Estou na Justiça brigando pela guarda da minha filha. Foi feito um laudo psicossocial, com entrevistas separadas comigo, com a minha filha e com o genitor dela. Esse documento mostra claramente o que vivemos: minha filha sofre psicologicamente por causa dele, carrega traumas e até relatou que presenciou uma agressão dele contra mim”, relatou a mãe ao Jornal O Estado.
Segundo ela, a violência não ficou no passado e agressor é reincidente: “Eu sofri violências durante todo o relacionamento, inclusive quando estava grávida, e mesmo depois da separação. Não é só comigo: ele tem histórico de violência com outras mulheres, e até uma ocorrência recente com a atual namorada. Ou seja, não é um episódio do passado, é um padrão.”
A mãe também denuncia abandono emocional e financeiro: “Na gestação e depois do nascimento, ele não esteve presente de verdade. Quem me apoiou foi minha família. Todo o cuidado, proteção e criação da minha filha sempre dependeram de mim. E mesmo assim, o Ministério Público teve a coragem de defender guarda compartilhada, como se um agressor pudesse ser colocado no mesmo nível de uma mãe que cuida e protege todos os dias.”
Para ela, a decisão judicial ignora os traumas da filha: “Quando li essa decisão, senti revolta. Foi como se dissessem que nada do que vivemos importa, que a violência não tem peso nenhum. Parece que, para o sistema, só vão levar a sério quando for tarde demais, quando uma mãe ou uma criança perder a vida.”
O laudo social, anexado ao processo, registra que a filha apresenta “aversão ao convívio” com o pai, um termo técnico que significa rejeição ao contato por associá-lo a medo, incômodo ou sofrimento. “Ela tem medo de estar com ele”, afirma a mãe.
Trechos do processo revelam histórico de violência
O documento judicial obtido pelo Jornal O Estado confirma que a relação entre os pais foi permeada por violência doméstica. Em um dos trechos, consta: “Constatou-se via entrevista e consulta no SAJ que a relação das partes foi permeada por violência doméstica por parte do Sr. W. e que essas agressões não cessaram com o fim da relação conjugal, tendo em vista os relatos de Alice de que o genitor voltou a agredir sua mãe recentemente.”
O mesmo relatório aponta que a criança presenciou episódios de violência, fato que impactou diretamente na relação com o pai: “A criança presenciou a agressão do pai contra a mãe e, desde então, a forma que ela experienciou essa vivência despertou uma resistência em conviver com o pai, ou seja, a relação paterno-filial, que já era frágil, escalonou para aversão ao convívio.”
O documento também registra a falta de comprometimento do pai com as responsabilidades parentais, como o não fornecimento do cartão de convênio prometido e a baixa contribuição financeira para as despesas básicas da filha.
Advogada vê violência institucional
A advogada Janice Andrade, membro do MCria (Movimento pela Vida de Mulheres e Crianças), afirma que o caso representa um exemplo claro de violência vicária e violência institucional.
“A criança viu a mãe ser agredida pelo genitor e ficou traumatizada. O mais grave é que a violência contra a mulher foi comprovada, e a criança relatou tudo à equipe psicossocial. Porém, o Ministério Público afirmou, em seu parecer, que não há nada que desabone o genitor para exercer a guarda compartilhada. Isso ignora completamente o contexto de risco.”
Janice reforça que obrigar a mãe a compartilhar a guarda com o agressor é uma forma de perpetuar o ciclo de violência:“A mãe tem medida protetiva, e mesmo assim o MP quer impor a convivência da criança com ele. Isso é violência institucional. É preciso lembrar: agressor de mulher nunca será um bom pai. Agredir a mãe na frente dos filhos é violência vicária, e forçar a vítima a conviver com o agressor é perpetuar a violência contra a mulher e contra a criança.”
Ministério Público defendeu guarda compartilhada
Apesar dos relatos, laudos e histórico de agressões, o MPMS opinou pela guarda compartilhada, com base no artigo 1.584 do Código Civil, sob o argumento de que “não há qualquer conduta desabonadora” por parte dos genitores que impeça o compartilhamento das responsabilidades parentais.
Suelen Morales