Medida é vista como retaliação política e ameaça exportações estratégicas do Estado
A decisão do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de impor uma tarifa de 50% sobre todos os produtos exportados do Brasil ao mercado norte-americano, a partir de 1º de agosto, provocou reação imediata do setor produtivo em Mato Grosso do Sul. Com exportações que somaram US$ 669,5 milhões (mais de R$ 3 bilhões) somente em 2024, o Estado figura entre os que mais podem ser afetados pela medida, especialmente nas cadeias de proteína animal, celulose, sebo bovino e produtos florestais.
A justificativa apresentada por Trump, em carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mistura argumentos econômicos e políticos. O republicano acusa o Brasil de adotar práticas comerciais desleais, mas também critica a atuação do STF (Supremo Tribunal Federal) no julgamento do ex-presidente Jair Bolsonaro, chamando o processo de “vergonha internacional”. Ele ainda aponta o protagonismo do Brasil no BRICS e ações de desdolarização como supostas ameaças aos interesses estratégicos dos EUA.
Para o advogado tributarista Arcênio Rodrigues, trata-se de uma retaliação com motivações ideológicas. “A medida representa não apenas um grave impacto econômico, mas também uma ingerência indevida nos assuntos internos de um Estado soberano”, afirma. “A tarifa não se baseia em práticas de dumping ou ameaça à segurança nacional, como exigem os critérios da Organização Mundial do Comércio. É uma ação de natureza política, que enfraquece a credibilidade dos EUA no comércio multilateral.”
Entre os reflexos previstos, o especialista cita perda de competitividade de produtos brasileiros no mercado norte-americano, redução das receitas cambiais, impacto sobre o superávit da balança comercial e risco de retração no emprego industrial e agropecuário em estados exportadores. “Além disso, há potencial de elevação do risco-país, aumento da volatilidade cambial e retração de investimentos estrangeiros diretos”, completa.
Setores de MS em alerta
A Famasul (Federação da Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul) avalia que a medida de Trump “gera insegurança nos mercados entre os dois países”, sobretudo em setores que mantêm relações comerciais diretas com os Estados Unidos. Segundo o presidente da entidade, Marcelo Bertoni, a taxação pode impactar tanto a competitividade das exportações brasileiras quanto o custo dos insumos importados.
“Somente em 2024, Mato Grosso do Sul exportou 785 mil toneladas em produtos aos EUA. Desse total, carne bovina representou US$ 235,4 milhões, celulose US$ 213,4 milhões e sebo bovino US$ 46,1 milhões. Esses números mostram o peso do mercado americano para a economia do Estado”, afirmou Bertoni, em nota oficial.
A entidade defende “diálogo diplomático e técnico, pautado no respeito mútuo entre as nações, a fim de reverter ou mitigar os efeitos da medida e preservar relações comerciais estáveis e equilibradas”.
Efeito em cadeia
A escalada tarifária também preocupa o setor varejista. Para Adelaido Vila, presidente da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas) de Campo Grande, o efeito não se limita aos exportadores. “Quando impacta a indústria e o agro, impacta o consumo. O aumento no custo da cadeia produtiva é repassado ao varejo, e o consumidor final sente. Em um momento em que já lidamos com altos índices de endividamento, isso é extremamente preocupante”, alertou.
Adelaido também defendeu articulação firme do governo brasileiro para reverter a medida. “Mato Grosso do Sul vive um ciclo de expansão econômica. Uma tarifa como essa penaliza setores estratégicos e desestrutura todo o ambiente de negócios”, disse.
Reação institucional
A Amcham Brasil (Câmara Americana de Comércio), que representa empresas brasileiras e norte-americanas em 16 unidades distribuídas em 13 estados — incluindo Mato Grosso do Sul — também se manifestou sobre a decisão. Em nota oficial, a entidade expressou “profunda preocupação” com os efeitos da tarifa, alertando para “impactos severos sobre empregos, produção, investimentos e cadeias produtivas integradas entre os dois países”.
“A relação bilateral entre Brasil e Estados Unidos sempre se pautou pelo respeito, pela confiança mútua e pelo compromisso com o crescimento conjunto. O comércio de bens e serviços entre as duas nações é fortemente complementar e tem gerado benefícios concretos para ambos os lados, sendo superavitário para os Estados Unidos ao longo dos últimos 15 anos — com saldo de US$ 29,2 bilhões em 2024, segundo dados oficiais norte-americanos”, destacou o comunicado.
A Amcham conclamou os governos brasileiro e norte-americano a retomarem “com urgência, um diálogo construtivo”, reforçando que a solução deve ser negociada com base em racionalidade, previsibilidade e estabilidade. “Reiteramos a importância de uma solução negociada […] que preserve os vínculos econômicos e promova uma prosperidade compartilhada.”
A reportagem também solicitou posicionamento ao Governo do Estado sobre possíveis desdobramentos locais e eventuais articulações junto à União, mas não obteve retorno até o fechamento desta edição.
Por Djeneffer Cordoba
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