Enquanto o governo defende a medida como forma de prevenção, ambientalistas alertam que a mudança pode ampliar o risco de novos incêndios no Pantanal
As novas regras para o uso planejado do fogo em Mato Grosso do Sul, aprovadas por meio de resolução do Imasul (Instituto de Meio Ambiente de MS), acenderam o alerta entre especialistas em meio ambiente. A norma facilita o licenciamento ambiental para queimas prescritas e construção de aceiros em pequenas propriedades, assentamentos, comunidades tradicionais e pesquisas científicas. A promessa é de mais prevenção contra incêndios florestais, mas há quem veja nas mudanças uma ameaça ao bioma Pantanal.
“Vejo com muita preocupação as mudanças, pois possibilitam a flexibilização das regras para o licenciamento ambiental para uso do fogo, inclusive permitindo a simples comunicação ao órgão ambiental em alguns casos”, alerta a advogada ambiental Giselle Marques, doutora em Direito e com pós-doutorado na área de Meio Ambiente. Para ela, “o histórico dos recentes incêndios no Pantanal, que destruíram boa parte do bioma, indicam a necessidade de regramento mais cuidadoso e restritivo, e não o contrário”.
A resolução institui três categorias de licenciamento com exigências diferentes, de acordo com a finalidade da queima: PMIF (Plano de Manejo Integrado do Fogo), queima prescrita em áreas prioritárias (como unidades de conservação) e em áreas não prioritárias. Em todos os casos, houve isenção das taxas cobradas pelo Imasul, medida que visa tornar o processo mais acessível.
Para assentados e pequenos agricultores, basta apresentar uma declaração emitida pela Agraer (Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural de MS) para comprovar a condição e acessar os benefícios. Aceiros de até 50 metros de largura, criados para contenção do fogo durante o período crítico de estiagem (março a setembro), também ficaram dispensados do licenciamento, exigindo apenas uma comunicação prévia via informativo genérico.
Na avaliação de ambientalistas críticos, a simplificação pode abrir brechas para o uso irresponsável do fogo, sobretudo em áreas sensíveis como o Pantanal. Embora a medida preveja regras específicas para aceiros e exija um atestado de conformidade emitido pelo Corpo de Bombeiros via sistema Prevenir, não há garantias de que o controle e a fiscalização serão suficientes.
Por outro lado, o IHP (Instituto Homem Pantaneiro), que atua há anos na região, adota uma posição mais conciliatória. O diretor-presidente da instituição, Angelo Rabelo, reconhece avanços: “Muitos esforços têm sido realizados para prevenir os incêndios florestais no Pantanal. Trabalhar com prevenção passou a ser uma exigência, tanto com brigadas atuando ao longo de todo o ano para construir aceiros, criando rotas de fuga para os animais”.
Segundo Rabelo, o governo estadual tem demonstrado sensibilidade e empenho. “Seja com o Comitê do Fogo, os trabalhos de capacitação desempenhados pelos Bombeiros, regras para favorecer as atividades de campo. Há uma integração necessária também que vem se fortalecendo. Na prevenção dos incêndios, não se trata de uma batalha de um ator só. É fundamental somar esforços para superar esses grandes desafios.”
Ainda assim, a principal divergência está no grau de confiança na capacidade do Estado de fiscalizar e garantir o uso responsável do fogo. Para críticos, a flexibilização pode servir como porta de entrada para práticas ilegais ou mal executadas, que acabam saindo do controle e se transformando em tragédias ambientais.
A nova regulamentação tenta equilibrar a necessidade de manejo com o incentivo à prevenção. Mas a experiência recente do Pantanal – com incêndios recordes em 2020 e novas queimadas já registradas em 2024 – reforça a urgência de medidas mais protetivas, não mais permissivas.
“Estamos lidando com um bioma frágil e estratégico. A prevenção é essencial, mas não pode ser confundida com flexibilização sem controle. O risco é alto demais”, reforça Giselle Marques.
O que muda com as novas regras:
PMIF e queimas prescritas agora estão isentas de taxa de licenciamento ambiental;
Aceiros de até 50 metros em período crítico não exigem licenciamento, apenas comunicação prévia ao Imasul;
Declaração da Agraer substitui documentos em casos de agricultores familiares;
Licenciamento automático via SIRIEMA para aceiros de 10 a 30 metros, por meio de declaração ambiental;
Atestado dos Bombeiros segue obrigatório, via sistema Prevenir, mas sem custos.
Suelen Morales