Morre Pepe Mujica, ex-presidente do Uruguai e ícone da esquerda latino-americana, aos 89 anos

Foto: José Cruz/Agência Brasil
Foto: José Cruz/Agência Brasil

Ex-guerrilheiro e símbolo de simplicidade, Mujica faleceu em casa, após luta contra o câncer de esôfago

José Alberto “Pepe” Mujica Cordano, ex-presidente do Uruguai e um dos maiores ícones da esquerda latino-americana, morreu nesta terça-feira (13), aos 89 anos, em sua casa nos arredores de Montevidéu. Ele enfrentava um câncer de esôfago e havia se recolhido em seu sítio, onde cultivava flores e hortaliças nos últimos anos.

Reconhecido mundialmente por sua vida simples e suas reflexões políticas marcadas por valores humanistas, Mujica foi presidente do Uruguai entre 2010 e 2015. Durante o mandato, chamou atenção por doar parte do salário a programas sociais, dirigir um Fusca azul dos anos 1970 e viver de forma simples, o que lhe rendeu o apelido de “presidente mais pobre do mundo”. Ele sempre afirmou que essas escolhas estavam ligadas à sua visão de mundo, baseada na solidariedade, na justiça social e no consumo consciente.

Nascido em 1935, em uma família humilde nos arredores da capital uruguaia, Mujica ingressou ainda jovem na militância política e foi um dos fundadores do Movimento de Libertação Nacional Tupamaros, grupo guerrilheiro urbano que combateu a ditadura uruguaia nos anos 1960 e 1970. Sua atuação como guerrilheiro lhe custou cerca de 14 anos de prisão, período em que foi ferido por seis tiros, torturado, jogado em solitárias e escapou da prisão em duas ocasiões. A história de sua detenção foi retratada no filme Uma Noite de 12 Anos, do cineasta Álvaro Brechner. Mujica relatou em entrevistas que, para suportar o isolamento, desenvolveu vínculos com os animais: guardava migalhas para uma ratazana e escutava o som das formigas com atenção extrema. “Se você pegar uma formiga e colocá-la perto do ouvido, vai ouvi-la gritar”, disse ao sociólogo brasileiro Emir Sader.

Com a redemocratização do país, foi libertado e participou da criação do Movimento de Participação Popular, que integra a Frente Ampla, coalizão de partidos de esquerda e centro-esquerda que o levou à Presidência. Antes disso, foi deputado federal, ministro da Agricultura e senador. Como presidente, aprovou medidas progressistas como a legalização da maconha, o casamento entre pessoas do mesmo sexo e a descriminalização do aborto. Também investiu em políticas sociais, com programas de transferência de renda, aumento do salário mínimo, distribuição de laptops para estudantes e professores e iniciativas habitacionais voltadas às famílias de baixa renda. Segundo o historiador Rafael Nascimento, da Universidade de Brasília, a taxa de pobreza caiu de 39% em 2004 para 11,5% em 2015, resultado de um processo iniciado antes de seu governo, mas aprofundado durante sua gestão.

Mesmo fora da presidência, Mujica manteve influência na política uruguaia e regional. Foi eleito senador em 2019, mas renunciou em 2020 por temer os riscos da pandemia. “Há uma hora de chegar e uma hora de partir na vida”, declarou ao anunciar a saída. Em novembro de 2024, celebrou a vitória de seu aliado político Yamandú Orsi, candidato da Frente Ampla, que assumiu a Presidência do Uruguai em março de 2025, marcando o retorno da centro-esquerda ao poder.

Mujica também foi um firme defensor da integração latino-americana. Costumava dizer que, em um mundo dominado por grandes potências, os países da região só teriam peso se atuassem em conjunto. Em evento realizado em 2023, no Brasil, defendeu a cooperação regional como caminho para preservar a soberania diante das pressões externas. “Para defender a pouca soberania que nos resta em um mundo cada vez mais global, se não nos unirmos, não existimos”, afirmou na ocasião.

Em dezembro de 2024, já debilitado, Mujica recebeu em casa a visita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que o condecorou com a Ordem Nacional do Cruzeiro do Sul, principal honraria concedida pelo governo brasileiro a estrangeiros. Emocionado, Lula descreveu Mujica como “a pessoa mais extraordinária” entre os presidentes que conheceu. “Essa medalha que eu estou entregando ao Pepe Mujica não é pelo fato de ele ter sido presidente do Uruguai. É pelo fato de ele ser quem é.”

Mujica parte deixando um legado raro na política: o de alguém que, mesmo ocupando o cargo mais alto de seu país, nunca se afastou das ideias que o moveram desde a juventude. Suas palavras, ações e escolhas fizeram dele uma figura respeitada muito além das fronteiras do Uruguai.

 

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