Dia Nacional dos Quadrinhos

Foto: Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

 

Mercado, valorização e pesquisas são destaques para quem trabalha com HQ

 

Há mais de 150 anos, o ítalo-brasileiro Angelo Agostini lançava a história em quadrinhos ‘As Aventuras de Nhô Quim’ ou ‘Impressões de uma Viagem à Corte’, em 30 de janeiro de 1869, na revista Vida Fluminense. O quadrinho é conhecido hoje como a primeira História em Quadrinhos do Brasil; alguns estudiosos acreditam até que a história é o primeiro quadrinho moderno do mundo!

A data não podeira passar em branco: para celebrar, a Associação dos Quadrinistas e Caricaturistas do Estado de São Paulo institui, em 1984, que todo dia 30 de janeiro se comemoraria o Dia do Quadrinho Nacional, em homenagem Angelo Agostini. Como parte das comemorações data, a Associação organiza o ‘Prêmio Angelo Agostini’, para prestigiar os profissionais brasileiros que atuam no ramo dos quadrinhos.

Num aspecto geral, o mundo dos quadrinhos segue em expansão, mas o cenário no Brasil anda em um ritmo mais lento. Monopólio de editoras, pouco incentivo, preços e custos de produção e até de aquisição de quadrinhos são alguns pontos que podem prejudicar o mercado, mesmo com sua relevância cultural.

O educador, membro da NUPEQ (Núcleo de Pesquisa em Quadrinhos da Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul), associado a ASPAS (Associação de pesquisadores em arte sequencial) e pesquisador da linguagem em quadrinhos, Bruno Aguinaldo Feitosa, as Histórias em Quadrinhos são um importante meio de reflexão social, crítica política e educação.

“Ao longo das décadas, elas conseguiram abordar temas complexos de forma acessível e visualmente impactante, atingindo públicos de diferentes idades e níveis de escolaridade. Quadrinhos como Maus (de Art Spiegelman) e Persépolis (de Marjane Satrapi) são exemplos clássicos de como as HQs podem tratar de questões históricas, políticas e sociais de maneira profunda e emocional. No Brasil, obras como O Menino Maluquinho (de Ziraldo) e Capitão Brasil (de Maurício de Sousa) também trouxeram reflexões sobre a sociedade e a cultura brasileira. Além disso, as HQs têm sido usadas em contextos educativos, ajudando a ensinar conceitos complexos de forma lúdica e engajadora”, explica.

A roteirista, pesquisadora, e quadrinista Ana Recalde reforça que os quadrinhos são uma arte, então teriam um importante papel social. “A arte serve para comunicação, trocas, crescimento. A HQ é mais uma ferramenta de comunicação”. No Brasil, ao longo da história, os quadrinhos tiveram um papel de resistência”.

Para os pesquisadores, devido a esse destaque, preservar os quadrinhos brasileiros faz parte da compreensão da evolução da cultura e da identidade nacional.
“Autores pioneiros como Ziraldo, Maurício de Sousa, Henfil e outros foram responsáveis por criar narrativas que refletiam o contexto social, político e cultural do Brasil em suas épocas. Suas obras não apenas entreteram, mas também educaram e provocaram reflexões sobre a realidade brasileira”, disse Feitosa.

“Quando a gente não sabe o que aconteceu, não conseguimos avançar. Partimos de um ponto em que certas discussões já foram feitas, conquistas. Se a gente não conhece a nossa história, achamos que estamos fazendo pela primeira vez. E é importante dar valor a nossa própria história”, destaca Recalde.

Mercado

A Turma da Mônica pode até ser o trunfo nacional, mas quadrinhos de gigantes como Marvel e DC Comics seguem em alta no país. Feitosa argumenta que a concorrência com produções estrangeiras, falta de incentivo financeiro e dificuldade de distribuição e acesso prejudica as produções nacionais.

“Há uma certa desvalorização das HQs como forma de arte e literatura, o que dificulta o reconhecimento de autores nacionais”.

“No nosso mercado, o maior desafio é alcançar o público. Sou da época em que comprávamos gibis na banca de jornal. Hoje, conhecemos quadrinhos em eventos, mas quem vai já conhece e gosta de HQs. Como rompemos essas barreiras, de falar que os quadrinhos não são só para criança, que tem mercado aqui?”, questiona a quadrinista.

Ela ainda comenta sobre os blockbustesr cinematográficos e opções digitais. “Temos o weebtoon, mas temos plataformas no Brasil que as pessoas não conhecem, com quadrinhos nacionais. Mas, quantas pessoas que veem filmes da Marvel, compram quadrinhos da Marvel? Houve realmente um reflexo?”, complementa.

Porém, Feitosa é da opinião contrária, e acredita que os filmes realmente foram um trampolim para o interesse em HQs.

“Os blockbusters do cinema, especialmente os filmes de super-heróis da Marvel e da DC, trouxeram uma nova visibilidade para as HQs. Por outro lado, as plataformas digitais, como Webtoon, Tapas e outras, revolucionaram a forma como as HQs são consumidas, oferecendo acesso fácil. Portanto, é uma combinação de fatores que está impulsionando essa redescoberta”.

Pesquisar Quadrinhos?

A pesquisa acadêmica em quadrinhos não é nova no Brasil, sendo desenvolvida principalmente nos anos 2000. Feitosa é um dos membros da NUPEQ, que se dedica a pesquisa de histórias em quadrinhos em diversos meios. Ele destaca que houve avanços significativos no reconhecimento acadêmico das HQs no Brasil e apontou quatro fatores: inserção nas universidades, eventos acadêmicos, publicações acadêmicas e o maior uso na educação.

Porém, mostra que também há pontos que precisam melhorar para uma maior consolidação e reconhecimento das HQs como arte no Brasil: ampliar a interdisciplinaridade, incentivar a formação de pesquisadores, valorizar a produção nacional, inserção em currículos acadêmicos, parcerias entre academia e mercado e combater preconceitos.

“Os quadrinhos estão, sim, ganhando espaço no meio acadêmico brasileiro, mas ainda há muito a ser feito para serem plenamente reconhecidos como uma forma de arte, cultura e conhecimento. A consolidação dessa legitimidade depende de um esforço conjunto entre pesquisadores, instituições de ensino, autores e o público. Com mais investimento, pesquisa e valorização da produção nacional, os quadrinhos podem ocupar o lugar que merecem no cenário cultural e acadêmico do Brasil”, enfatiza.

Quem faz

Autora de quadrinhos a mais de 15 anos, Recalde aponta como é ser independente no mercado.
“Eu como autora amadureci com o tempo. Meus quadrinhos refletem o que aprendi ao longo do tempo. Há coisas boas e ruins em produzir quadrinhos independentes: o ruim é não ter um número expressivo de leitores, mas o bom é ter o processo criativo livre”, explica.

“Precisamos valorizar o nosso mercado. E não só o mercado de quadrinhos, o de arte em geral. Não estimulamos as criações artísticas no Brasil. A Coreia do Sul, comparado com o Brasil, é um pais pequeno, mas no mercado do entretenimento domina, porque anos atrás tiveram um grande investimento em cultura. O que nos falta não tem a ver com qualidade, sinto que tem que dar valor, dar visibilidade a quadrinistas brasileiros”, enfatiza.

Quem vende

Giovani Viegas, proprietário da banca Elite, é resistência na Capital, com a venda de revistas, jornais e gibis. Para o jornal O Estado, ele acredita que a valorização do produto nacional ainda está longe do ideal. Mesmo com o incentivo do governo, o FIC, ainda é muito difícil publicar uma história, mas temos verdadeiros heróis que não desistem. “Aqui na banca, sempre apoiei HQs nacionais e principalmente, regionais, porque acompanho a dificuldade que é”.

Sobre o monopólio de empresas como a Panini, Viegas acredita que o poder de mudança está “nas mãos dos clientes”.

“A Panini nada de braçadas, não faz nenhum tipo de pesquisa, não ouve o cliente, lança o que quer, no preço que quer, e vende! O poder dessa mudança, creio, está nas mãos do cliente, em boicotar preços altos, mas isso, não vai acontecer”.

“O nosso papel é contar a nossa história, cada povo, comunidade, tem o poder único de contar historias únicas, que fazem sentido para si. Essa é a importância fundamental de não ter a arte centralizada, poder ouvir as vozes de artistas de vários lugares do mundo”, finaliza Recalde.

 

Por Carolina Rampi

 

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