Nem toda dor é a nossa dor

Juliana Grasiéli - Foto: Arquivo pessoal
Juliana Grasiéli - Foto: Arquivo pessoal

Em Douradina, um município com pouco mais de 9.000 habitantes, têm ocorrido atos de violência, entre tantos outros recorrentes em Mato Grosso do Sul, contra o povo Kaiowá. Observa-se que a população sul-mato-grossense pouco questiona a violência na tomada dos territórios indígenas ao longo da história do Brasil, através das mais diversas frentes de expansão e pioneirismo. No entanto, solidariza-se com a narrativa e o discurso hegemônico de que os indígenas estão invadindo terras e atacando o direito de propriedade, especificamente a propriedade privada da terra.

As marcas da violência nos corpos de crianças, mulheres, idosos e homens indígenas geram pouca consternação e indignação social diante da desproporcional violência fomentada por proprietários rurais, através de seguranças-jagunços privados, contra os povos indígenas.

Por que, então, não nos solidarizamos com a dor dos indígenas?
O Brasil, um país ainda jovem comparado à experiência de muitos países europeus, completou 524 anos de seu “descobrimento” em abril deste ano. Todavia, a conformação deste país não se construiu no reconhecimento dos indígenas como agentes políticos de sua própria história. Destaca-se que se ignora o indígena como produtor de histórias, colocando-o na condição de vítima, sem reconhecer sua capacidade de tomar decisões. É recorrente a narrativa de que alguém ou alguma entidade incita os indígenas a “invadirem terras”. Portanto, é difícil se solidarizar com a dor indígena porque a sociedade não consegue reconhecer a capacidade dos indígenas de reivindicar seus territórios étnicos ancestrais.

Infelizmente, o reconhecimento do indígena como humano “não ultrapassa os restritos círculos” de organizações, indigenistas e políticos. Isso ocorre porque, desde o século XVI, o bom indígena é aquele obediente, submisso, manso e em vias de desaparecimento (e que desapareçam se forem reivindicar um pedaço de chão e contestar o direito à terra).

O que os Kaiowá fazem é resistir e questionar a imagem do indígena obediente e submisso que habita o imaginário da maioria da população brasileira. Independentemente de todas as nossas concepções sobre quem tem direito à terra, é necessário reconhecer, infelizmente, que poucos se importam com os corpos indígenas porque eles não são igualmente humanos como os corpos de pessoas não indígenas. É exatamente por isso que nem toda dor é a nossa dor, pois ela não está implicada na nossa concepção de sociedade e de humanidade.

Por Juliana Grasiéli Bueno Mota – Professora do curso de Geografia da Universidade Federal da Grande Dourados. Email: [email protected]

Este artigo é resultado da parceria entre o Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul e o FEFICH – Fórum Estadual de Filosofia e Ciências Humanas de MS.

 

Confira as redes sociais do O Estado Online no  Facebook e Instagram

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *