Anuário da Segurança Pública expõe que o Estado está entre os que mais registrou violações contra crianças
O ano de 2023 teve aumento expressivo no registro de violações na segurança das crianças do Mato Grosso do Sul, de acordo com o Anuário Brasileiro da Segurança Pública, divulgado nesta quinta-feira (18). O Estado está entre os cinco com mais registros de estupros de vulnerável e crimes sexuais, além do aumento dos casos de maus-tratos.
As informações levantadas foram fornecidas pelas forças de segurança pública estaduais, pelas polícias civis, militares e federal, entre outras fontes oficiais. A publicação é uma ferramenta importante para a promoção da transparência e da prestação de contas na área, contribuindo para a melhoria da qualidade dos dados.
Entre todas as abordagens feitas do Anuário, separamos os registros de violações contra crianças e adolescentes. Quando observamos a taxa média nacional das ocorrências de estupro e estupro de vulnerável foi de 41,4 por grupo de 100 mil habitantes no ano passado, mas 15 estados apresentaram taxas superiores. Mato Grosso do Sul é o quarto com mais casos registrados, atrás apenas de Roraima, Rondônia e Acre – todos da região Norte do país.
Segundo as tabelas, em 2022 foram 405 estupros de vulneráveis consumados (conjunção carnal), enquanto no ano de 2023 foram 420. Ou seja, por dia, houve pelo menos um estupro com conjunção carnal em indivíduos vulneráveis no Mato Grosso do Sul. Já quando o crime engloba atos libidinosos e atentado violento ao pudor, os números saltam! Foram 2,3 mil registros em 2022 e 2,6 mil em 2023.
Ainda sobre essa temática, o município de Dourados é o quinto com mais é a quinta cidade do país com mais taxas de estupros de vulneráveis, além de ter Campo Grande e Três Lagoas na lista das 50 que mais tiveram casos desse tipo de violação.
“Mato Grosso do Sul tem índices sempre alarmantes. Apesar de ter diminuído em 4,7% a taxa de incidência de estupro de vulnerável de 2021 para 2022, no ano de 2023 teve um incremento de 9,6% nas taxas deste crime, chegando a 79,2 ocorrências por 100 mil habitantes. Destaque para Dourados, com a marca assustadora de 343,2 ocorrências por 100 mil habitantes de 0 a 13 anos”, destaca Luciana Temer, professora de Direito Constitucional na PUC-SP e Diretora Presidente do Instituto Liberta.
Violência em domicílio
Como nos anos anteriores, a residência continua sendo o local mais perigoso para crianças e adolescentes no que tange à prática de violência sexual. Segundo os registros, 65,1% dos crimes aconteceram dentro de casa, enquanto a via pública é apontada em apenas 9,9% dos casos. Em relação ao autor do crime, pode-se afirmar que 63,3% foram praticados por familiares e 22,2% outros conhecidos.
“O grau de parentesco está muito difícil de afirmar neste ano, diante da péssima qualidade do preenchimento do dado nos Boletins de Ocorrência. Aliás, essa é uma questão para a qual teremos que olhar com seriedade se quisermos avançar na qualidade de dados para o enfrentamento das violências. Não tem o menor cabimento que, em pleno século XXI, com a sociedade discutindo inteligência artificial, não tenhamos ainda no Brasil uma padronização e um preenchimento digital de registros policiais”, defende Luciana no documento.
No caso da violência física, o cenário dos crimes de maus-tratos assemelha-se ao do crime de estupro. Comparando este mapa ao de crimes de estupro abordado anteriormente, podemos identificar semelhanças entre os Estados que mais registraram crimes sexuais e aqueles em que mais notificaram casos de maus-tratos: Mato Grosso do Sul, Roraima, Rondônia, Santa Catarina.
Essa correspondência parece indicar para uma mesma tendência desses crimes as formas de violência doméstica e intrafamiliar. No Brasil, a faixa etária de 5 a 9 anos, que constitui 35,7% das vítimas, parece ser a mais vulnerável aos maus-tratos. Isso pode estar relacionado à maior interação social e escolar, onde casos de maus-tratos podem ser mais identificados e denunciados. Com 25,1%, crianças de 0 a 4 anos são a segunda maior faixa etária afetada
Para o Jornal O Estado, Jean O’Campo, o pai da pequena Shophia de Jesus, de 2 anos, assassinada em janeiro de 2023, argumenta que um investimento sério em segurança pública pode ser o melhor caminho para diminuir os altos índices no Estado.
“Eu creio que poderíamos trabalhar com prevenção. Quando há alguma denúncia, a investigação deveria ser imediata. Aplicar a lei de forma rigorosa, estabelecer medidas protetivas, retirar a criança suspeita do lar e, caso haja suspeita de agressão, investigar para depois decidir se ela deve voltar ou o que deve ser feito. Isso não aconteceu em relação à Sofia”, ressaltou Jean. O Caso Sophia é marcado por negligências e omissões por instituições de segurança. Antes de falecer, a criança constava com o histórico de 30 atendimentos em UPA (Unidade de Pronto-Atendimento), denúncias e um pedido de guarda negado ao pai.
De acordo com o Delegado-Geral da Polícia Civil, Lupersio Degerone, a Policia Civil do Estado possui estrutura para lidar com casos como esse, mas, os altos índices pode ser resultados de de campanhas focadas no incentivo de denúncias, que revelaram uma demanda reprimida.
“É possível que vinha ocorrendo uma demanda reprimida, onde a melhora na estrutura, no oferecimento dos serviços da PC, encorajou as vítimas a denunciar. Tanto que os índices de resolutividade, apesar do aumento da demanda, tem aumentado. O que evidência que os investimentos têm sido importantes para esse êxito (como o aumento exponencial das salas lilás, atendimento 24 horas no Cepol, entre outros)”, argumenta o delegado.
Ao desmembrar os dados de Mato Grosso do Sul, é possível notar o aumento de 52,8% dos casos de maus-tratos com vítimas da faixa etária citada acima. Em 2022, 379 crianças entre 5 e 9 anos foram vítimas, enquanto no ano seguinte saltou para 579. O aumento nessa idade também é nítido nos casos de abandono: foram 128 registros em 2022 para 187 em 2023.
“A análise das ocorrências criminais reportadas no ano de 2023 aponta para o agravamento da violência perpetrada por aqueles que têm o dever primário de cuidar, sustentar e educar: as próprias famílias. A esmagadora maioria dos crimes de maus-tratos contra crianças e adolescentes é cometida por um familiar, em geral na própria residência da vítima”, destaca Cauê Martins, pesquisador no Fórum Brasileiro de Segurança Pública e doutorando em Sociologia na Universidade de São Paulo.
Por Kamila Alcântara e Ana Cavalcante
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