Moradores da Travessa Pimentel, região do centro de Campo Grande, localizada entre as Avenidas Presidente Ernesto Geisel, Afonso Pena, Noroeste e Rua Barão do Rio Branco, bairro Amambaí e próximo à Morada dos Baís, um dos cartões postais da Capital, sofrem como ondas de furto e tráfico de drogas de usuários de entorpecentes.
Moradora da região há 20 anos, Marinalva Pereira relata que é constante a presença dos dependentes químicos na região, que fazem da rua local de venda e uso de drogas, troca de objetos furtados, além de estarem armados com facas.
“Os usuários de drogas transitam na região central como se não estivessem fazendo nada de grave. Roubam, traficam, brigam, jogam lixo e fezes na casa das pessoas, na rua, tudo isso na Travessa Pimental, que fica em frente a Morada dos Baís. E ali, é um corre-corre todos os dias, em frente ao poder público, que não faz nada”.
Para ela, a situação se agravou após o fechamento da antiga rodoviária, desativada desde 2009 e que desde o ano passado passa por revitalização que, conforme a Prefeitura, será entregue em fevereiro desde ano. O local era conhecido por ser um reduto dos usuários de drogas e pessoas em situação de rua.
“O problema sempre existiu com relação às drogas e usuários, mas com menos intensidade. Mas, desde quando fecharam a antiga rodoviária, ai, sim, as coisas intensificaram. A GCM [Guarda Civil Metropolitana], colocou um ônibus próximo à rodoviária para tirar os moradores [em situação de rua] de lá, mas em vez de irem, eles migraram para outros lugares, como em frente a Morada dos Baís”.
Ainda segundo Marinalva, equipes da GCM e da Polícia Militar realizam rondas e atendem como podem as demandas da população da região, mas a situação é um constante “enxugar gelo”, já que os dependentes químicos se dispersam ao observarem a chegada da polícia e logo após volta aos mesmos locais.
“A polícia já não sabe mais o que fazer. Eu to com dó da polícia. A gente chama e eles vêm, ficam 24h rondando, vai lá e pega, mas não pode fazer muita coisa porque a justiça libera. Quando a polícia vem, sai todo mundo correndo, ai eles vão embora e voltam todos de novo. Precisa do poder público, fazer alguma coisa, pois não tem mais condições. Vem polícia civil, militar, a GCM não sai de lá, fica o tempo todo nos auxiliando”.
A situação da ‘debandada’ dos usuários de entorpecentes, vindos da antiga rodoviária para outras partes do bairro Amambaí, é reiterada por outra moradora da Travessa Pimentel. Silvana Aparecida disse que precisou se mudar para a casa do pai, que fica na travessa e que estava vazia, devido a furtos e depredações na propriedade.
“Eu moro aqui na travessa há um ano, moro na casa do meu pai, que tem essa casa a uns 50 anos, mas moradores de rua estavam invadindo, então demos uma arrumada na casa e mudei para cá. Mas, tem moradores aqui de 20 anos”.
Segundo ela, a prefeitura apenas retirou o problema de lugar. “Agora somos obrigados a viver com isso. A polícia passa aqui na frente, mas não podem fazer nada. Invadiram uma casa aqui e até fios eles queimaram, são situações complexas. O poder publico tem que tomar a responsabilidade. Está muito difícil para nós”.
Insegurança e sujeira
As moradoras relatarem que, além da insegurança, precisam lidar com a sujeira deixada pelos usuários, e em casos mais absurdos, acordam com fezes humanas deixadas nas portas de casa.
“Nós estamos privados de serviços essenciais, como a coleta de lixo, que precisamos levar até a Avenida noroeste, limpeza de rua, que também pagamos para fazer. Os moradores de rua fazem as suas necessidades na porta das pessoas, eles acham que só porque a rua tem poucas casas, eles podem usar o espaço como achar melhor, para dormirem nas portas, usarem como banheiro público. O poder público não faz nada, então precisamos fazer o serviço deles”, relata Silvana.
Quem também vive situação semelhante são os moradores do residencial Jardim Afonso Pena, na Avenida Presidente Ernesto Geisel. Residentes do local precisaram unir forças para realizar reparos e limpezas na rua. “Combinamos de limpar aqui para não ficar tão feio, pois já não é agradável com os moradores em situação de rua, usuários de drogas, então quando vemos necessidade mandamos limpar, eu limpo um lado da calçada e o meu vizinho limpa do outro, mas esse trabalho não deveria ser nosso”, diz uma moradora que não quis se identificar.
José Luiz da Silva, funcionário do residencial, relatou para a reportagem que falta iluminação e drenagem correta. Além disso, os moradores chegaram a realizar tratativas com a prefeitura, ainda na gestão de Marquinhos Trad, com pedidos de área de lazer para o local, mas não foram atendidos.
“A síndica pediu para colocar câmeras e iluminação, aqui. Ontem mesmo, três pessoas pularam a grade e entraram em um matagal aqui do lado, foram atrás, mas não acharam, queriam roubar, um morador perseguiu eles com uma arma na mão. Lá na frente, quando chove, vira uma piscina. Já reclamamos várias vezes para a prefeitura, fizemos abaixo assinado e nada foi resolvido. O Marquinhos [Trad, ex-prefeito de Campo Grande] ia dar autorização pra gente fechar aqui, pra usar essa parte aqui como parquinho, mas só falou de boca, na hora não autorizou”.
Marinalva relata que viveu um episódio com a neta, que evidenciou a insegurança da Travessa. “Já tive meu carro roubado na frente da minha casa na travessa e passei por uma situação onde servi de escudo em uma briga. Estava passando com a minha neta havia um grupo brigando e quando fui passar eles me colocaram como escudo, fiquei com muito medo já que estavam armados com facas. Se não fosse um dono de um estacionamento próximo, que afugentou o pessoal, não sei o que teria acontecido. A indignação da gente é até quando teremos que conviver com o perigo, sair de casa sempre acompanhada para não ser roubada, nunca sair com bolsa ou celular, porque não sabemos o que pode acontecer”.
Ela comenta que a região deveria ser mais protegida e cuidada pelo poder público, já que conta com a presença da Morada dos Baís, local turístico na Capital.
“Ninguém consegue mais parar e tirar fotos, o turista precisa tirar correndo, porque pode ter o celular roubado. E desde que a morada fechou piorou a situação, porque ali está abandonado, eles sentam na escada para fumar, distribuir droga. Aquilo ali faz parte da história de Campo Grande. E ali tem lojas, tem residencias, tem a praça Aquidauana. Tem dias que ficam 30 a 40 pessoas”.
Fechamento
Após inúmeros transtornos vivenciados todos os dias, os moradores da Travessa Pimentel entraram com um pedido de fechamento da travessa para a Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito). “Queremos a autorização para o fechamento, já que nós, moradores que cuidamos. Já pedimos para a Agetran, que esta estudando o fechamento da travessa, o que pode ajudar a frear a passagem deles, que usam ali para guardar drogas, produtos furtados, brigas, para beber, e não aguentamos mais isso”, informou Marinalva.
“Estamos lutando para fechar a travessa. Ela é de uso patrimonial e histórico de Campo Grande, mas não é cuidada, é total abandono, então queremos fechar, pois não aguentamos mais. Não temos coleta de lixo, limpeza de rua, precisamos nos juntar e pagar para limpar, caso contrario não temos. Então o local fica abandonado pelo poder publico, o que incentiva mais ainda esse moradores de rua a virem”, finalizou Silvana.
Retorno
Procurada pela reportagem, a Secretaria Especial de Segurança e Defesa Social, por meio da Guarda Civil Metropolitana, informou por meio de nota, que realiza rondas constantes na região, juntamente com trabalho preventivo e educativo para inibir e evitar os crimes.
A pasta disse que no caso dos usuários de drogas flagrados com produto de furto, roubo, armas ou com quantidade de entorpecentes que indiquem tráfico, é realizado o procedimento padrão onde “são checados no sistema de segurança pública para levantar se existe ficha criminal e na sequência, são encaminhados para a delegacia para as providências”. Entretanto, a secretaria reiterou que a segurança pública é de responsabilidade compartilhada entre os governos federal, estadual e municipal.
Já a SAS (Secretaria Municipal de Assistência Social, por meio da Superintendência de Proteção Social Especial e da Gerência de Média Complexidade informa que as equipes do Serviço Especializado em Abordagem Social (SEAS) realizam atendimento à população de rua nas sete regiões da Capital, “inclusive no território referido, por meio de busca ativa e denúncias feitas através dos dois celulares disponíveis para a população, o trabalho é realizado pelas equipes, que fazem abordagens sociais 24h por dia, nos sete dias da semana, incluindo feriados e finais de semana”.
Segundo a secretaria, é objetivo da pasta estabelecer vínculos com os usuários e assegurar o trabalho social de abordagem e busca ativa, possibilitando condições de acesso à rede de serviços e benefícios assistenciais, com oferecimento de serviços à pessoa sem situação de rua, ou encaminhamento para tratamento da dependência química.
Porém, conforme a Constituição Federal, por meio do artigo 5, a população em situação de rua tem o direito de recusar esse tipo de atendimento.
“Ocorre que, no momento em que a pessoa está sob efeito de substância psicoativa, dificilmente aceita o acolhimento. No entanto, é importante salientar, que as equipes do SEAS retornam por diversas vezes durante a semana, aos locais onde houve recusa de acolhimento, sempre na tentativa de convencer a pessoa sobre a importância de ser acolhido em uma de nossas unidades ou em alguma comunidade terapêutica”, disse a SAS, em nota.
Com informações da repórter Inez Nazira.
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