Em busca de acordo com o STF (Supremo Tribunal Federal) na ação sobre a correção dos saldos do FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço), o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) deve propor à Corte um piso de remuneração pelo IPCA –índice oficial de inflação.
Para atingir esse objetivo, a proposta prevê distribuição do lucro do fundo em todos os exercícios, a exemplo do que ocorre hoje de forma opcional –o que tem assegurado aos trabalhadores um retorno maior do que a inflação.
Caso a distribuição de resultados não for suficiente para assegurar a correção do FGTS pelo IPCA em determinado ano, caberia ao Conselho Curador determinar uma forma de compensação para alcançar o índice.
O formato está em uma apresentação obtida pela Folha de S.Paulo e foi elaborado a partir de um estudo da Caixa Econômica Federal -agente operador do FGTS- com parâmetros pedidos pela AGU (Advocacia-Geral da União) para dar subsídio ao ministro Luiz Marinho (Trabalho e Emprego) sobre o tema.
A proposta cita também que o índice de correção da poupança, que tende a ser maior do que a inflação, pode servir como referência de meta para a remuneração global anual. Esse objetivo, contudo, não seria obrigatório. O compromisso firme seria com a atualização dos valores por 3% mais TR (Taxa Referencial), mais a distribuição do resultado.
Integrantes do governo afirmam que a correção obrigatória pela poupança prejudicaria os números do FGTS e traria como efeito colateral o fim do financiamento das faixas 1 e 2 do Minha Casa, Minha Vida.
O FGTS é usado como uma fonte barata de financiamento do programa habitacional, e membros do governo afirmam que assegurar uma remuneração maior aos trabalhadores teria como consequência o encarecimento do crédito às famílias para a compra da casa própria. Segundo dados do governo, 65% dos cotistas do fundo já financiaram ou estão com financiamento em curso para habitação.
Como mostrou a coluna Painel, da Folha de S.Paulo, as centrais sindicais enviaram um ofício ao presidente do STF, Luís Roberto Barroso, pedindo o adiamento por mais 30 dias da retomada do julgamento da ação sobre revisão do FGTS, que estava previsto para a próxima quarta-feira (8).
A ideia, segundo fontes do governo ouvidas pela reportagem, é usar esse tempo para avançar nas negociações.
O julgamento do tema começou em abril, mas foi interrompido após pedido de vista do ministro Kassio Nunes Marques, que solicitou mais tempo para analisar o caso. Nunes Marques devolveu a ação no dia 31 de agosto.
A questão julgada no Supremo é sensível para o governo federal. O tema é tratado com cautela entre os membros da gestão petista para que não se crie uma indisposição política com Barroso, relator da ação, que assumiu a Presidência da Corte no fim de setembro.
A ação inicial questiona a constitucionalidade da correção do FGTS, fixada em 3% mais TR –o que não garante a atualização pela inflação. Em seu voto, Barroso defendeu que os recursos dos trabalhadores no fundo tenham pelo menos a remuneração da poupança.
Atualmente, a caderneta de poupança rende 0,5% ao mês (ou 6,17% ao ano), mais a TR (taxa referencial). O indicador é calculado pelo Banco Central com base nas taxas de juros das Letras do Tesouro Nacional e tem flutuação diária. A regra da poupança mudou em dezembro de 2021 com a elevação da Selic acima de 8,5% ao ano.
A TR, que ficou nula de setembro de 2017 até o fim de 2021, passou a subir em meio à escalada da Selic. Quando a taxa de juros está menor do que ou igual a 8,5% ao ano, o investimento é limitado a 70% da taxa, acrescida da TR.
No governo, há o entendimento de que o FGTS não pode ser tratado como um fundo de investimentos tradicional porque, anualmente, cerca de R$ 85 bilhões são retirados nas diferentes modalidades de saques, como rescisão, saque-aniversário, aposentadoria e compra da casa própria. Além disso, os empréstimos concedidos aos trabalhadores são subsidiados com taxa de juros de cerca de 5% ao ano.
A correção pela poupança representaria uma inversão da lógica da gestão do FGTS, que passaria a privilegiar a rentabilidade, deixando em segundo plano seu papel social de financiar investimentos em habitação, saneamento básico e infraestrutura.
Fontes do governo também temem a paralisação do Minha Casa, Minha Vida, uma das vitrines sociais da gestão petista.
Um estudo feito pela Caixa, a que a Folha de S.Paulo teve acesso, mostra que, com a redução do desconto para o fundo alcançar a poupança, aproximadamente 882 mil unidades habitacionais deixariam de ser financiadas até 2038, o que representa 15,6% do déficit atual.
Outro dado apresentado pelo banco indica que, por um acréscimo anual médio de R$ 82 na conta de cada trabalhador, referente à remuneração pela poupança, o número de famílias aptas a tomarem um financiamento cairia 40%, diante do aumento dos juros e, consequentemente, da parcela do crédito habitacional. Isso significa quase 200 mil famílias sem acesso à política.
Além disso, distribuir 100% dos resultados para os depósitos atuais e garantir a remuneração pelo mesmo índice da poupança para os novos depósitos a partir de 2025 provocaria um aumento de despesa de R$ 20,7 bilhões em 11 anos para a União, a ser bancado com recursos do Orçamento.
Texto assinado pelos representantes das centrais sindicais pedindo o adiamento afirma que os esforços estão voltados a encontrar uma solução adequada que preserve a importância do FGTS e da poupança para investimento e desenvolvimento de política habitacional para baixa renda.
Também defende uma voa remuneração aos trabalhadores, “uma vez que o FGTS é importante mecanismo de poupança e de proteção nos casos de dispensa sem justa causa, tratamento de doenças e outras situações de vulnerabilidade”.
Após Barroso propor a poupança como piso para correção do FGTS, o governo chegou a avaliar a possibilidade de aplicar a regra apenas para trabalhadores que ingressarem no fundo depois de 2025.
Estudos mostram, no entanto, uma alta rotatividade no mercado de trabalho brasileiro. Segundo esses cálculos, um número muito elevado de contas seriam novas a partir de 2025 –o que geraria, mesmo nesse caso, uma conta pesada.
Com informações da Folhapress, CATIA SEABRA E NATHALIA GARCIA