Escala de conflito pode chegar a influenciar nos preços e na exportação de fertilizantes e agrotóxicos
Em reunião extraordinária na Câmara Temática de Insumos Agropecuários, representantes do MAPA (Ministério da Agricultura e Pecuária) debateram os rumos da produção agropecuária do Brasil e a interferência dos conflitos em Israel na importação de fertilizantes, defensivos e sementes, além de avaliar possíveis prejuízos nos preços do diesel e dos fretes.
De acordo com o levantamento feito pela Cogo Inteligência em Agronegócio, o Brasil importa fertilizantes, defensivos e sementes de Israel. As compras totalizaram, em 2022, um aporte de US$ 1,45 bilhão, com o país respondendo a 9% do cloreto de potássio adquirido e 11% do fosfato diamônico (DAP), aponta o relatório.
Ainda de acordo com o levantamento, o agro brasileiro exportou US$ 727,43 milhões para Israel, com destaque para carnes, com 33,9% do total, soja, com 27%, cereais, farinhas e preparações, com 26,2%, produtos florestais em 4%, café (3,5%) e sucos (2,3%). Já para a Palestina, o montante atingiu US$ 29,9 milhões, especialmente em carnes, cacau e outros itens alimentícios.
O economista do Sindicato Rural de Campo Grande, Rochedo e Corguinho, Staney Barbosa Melo, explica que os impactos em Mato Grosso do Sul dependem, sobretudo, da escalada no conflito. “Se escalar e outras nações entrarem, aí teremos um problema. Se escalar o conflito, evidentemente teremos um outro cenário, em que haverá restrição de produção e deescoamento. Os países dos Emirados Árabes vão começar a mudar o seu parque industrial para atender ao esforço de guerra e isso tudo irá afetar a cadeia. Isso é coisa para o futuro, não é para agora e vai depender da escalada do conflito”, destaca o economista.
Segundo Melo, com relação aos fertilizantes, por exemplo, é possível avaliar que, como estratégia de tentar diversificar as aquisições desses insumos e reduzir a dependência da Rússia, o Brasil passou a considerar Israel como parceiro importante nas importações. “Israel foi parte deste esforço e compôs cerca de 4,6% das importações de fertilizantes do Brasil, o que coloca o país no top 10 dos nossos fornecedores. Com o agravamento do conflito, Israel pode ter dificuldades na produção e distribuição de fertilizantes para o Brasil, mas não neste momento. Tais dificuldades podem se manifestar, como falei, com a escalada e entrada de outros países no conflito”, elucida.
Em entrevista ao “Canal Rural”, o diretor-executivo da Aprosoja Brasil, Fabrício Rosa, avalia que, para essa safra, os impactos não serão substanciais. Afinal, o país já está em um período de plantio, com fertilizantes já internalizados. No entanto, na transição de culturas como feijão e milho, pode haver dificuldades em questão de fornecimento. “É preciso ter um plano B, como houve lá atrás, com a guerra da Rússia, ou seja, não havendo um fornecedor no caso de Israel, hoje o quarto fornecedor de cloreto do Brasil, [será preciso avaliar] quais são as outras opções. Teria que ir atrás, eventualmente, da própria Rússia, do Canadá, ou dos players que podem complementar para que não venha faltar”, avalia o diretor.
Ainda segundo o diretor, a programação de exportação de Israel para o Brasil deverá ser repensada. Por isso, dentro da logística, o principal risco para o Brasil será o impacto do preço e do fornecimento. “Isso nos pega desprevenidos. No momento em que os preços começavam realmente a ceder e voltavam a um período de normalidade, agora nós estamos novamente correndo com a incerteza. O objetivo é levar todas essas preocupações ao ministro, para que ele possa, junto com o setor, buscar as melhores soluções diplomáticas e negociais dentro do mercado, para que estejamos preparados na sequencial falta de fornecimento”, argumenta Rosa.
Petróleo e seus impactos
Segundo o economista Lucas Mikael, ainda é cedo para fazer afirmações cabais nessa linha. No entanto, é preciso observar de perto o que irá acontecer daqui para a frente, antes de fazer qualquer afirmação. “Atualmente, a guerra gera preocupações, principalmente pela possibilidade de sua ampliação na região do Oriente Médio, grande produtor de petróleo. Os impactos do conflito entre Israel e Hamas, na agropecuária brasileira, ainda não são mensuráveis, mas levantam preocupação em relação ao tempo de duração da guerra e o envolvimento de outros países do Oriente Médio”, argumenta o economista.
Mikael afirma que, no curto prazo, os impactos sobre o Brasil são menores, limitados às oscilações do dólar e da bolsa de valores. Segundo o economista, uma alta forte no petróleo tem como consequência direta a elevação do preço dos produtos derivados, como gasolina e diesel. “A alta nos preços do combustível é preocupante porque impacta diversas etapas da produção agropecuária. A primeira delas, naturalmente, é o frete; não apenas o transporte dos produtos finais do campo para a cidade deve ficar mais caro como também o deslocamento de insumos, gerando um efeito cascata no setor”, pontua.
O agronegócio tem o diesel como principal combustível para o uso de maquinários, como tratores, colheitadeiras e geradores de eletricidade. Sendo assim, o preço do combustível impacta nos custos de produção. Para os transportadores, por exemplo, é inviável manter o custo do frete inalterado com o aumento no preço dos combustíveis, já que, para as empresas, ele corresponde a uma parte considerável das suas despesas.
Em um possível desdobramento do encarecimento do diesel, os produtores poderiam optar pelo corte de custos em algumas frentes e, até mesmo, diminuir a área plantada em certas culturas. Os grãos possivelmente serão priorizados porque continuam sendo bem pagos no exterior, então, o que aconteceria, seria a falta de produtos para o mercado interno, pressionando ainda mais a inflação nos supermercados e encarecendo os produtos para o consumidor.
Petrobras
No primeiro semestre deste ano, a petroleira anunciou o fim do PPI (Política de Paridade Internacional), que fazia com que os combustíveis acompanhassem o preço do petróleo nos mercados globais. Na nova política, os preços internos são determinados com base em fatores domésticos. Dessa maneira, há intensificação da pressão do governo federal para que a Petrobras segure os aumentos nos preços dos combustíveis, mesmo com a alta no petróleo.
Na regra válida desde 2016, o preço dos produtos no mercado interno acompanhava as oscilações internacionais, ou seja, sem intervenção do governo para garantir preços menores. No cálculo anterior, a Petrobras considerava o valor do petróleo no mercado global e custos logísticos como o fretamento de navios, as taxas portuárias e o uso dos dutos internos para transporte.
Em nota oficial, a Petrobras disse que a nova estratégia comercial, ao trazer o custo alternativo do cliente como valor a ser priorizado na precificação, contempla as principais alternativas de suprimento, sejam fornecedores dos mesmos produtos ou de produtos substitutos. Já o chamado “valor marginal”, segundo a petroleira, é “baseado no custo de oportunidade, dadas as diversas alternativas para a companhia, dentre elas, a produção, importação e exportação do referido produto e/ou dos petróleos utilizados no refino”.
Por Alberto Gonçalves
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