A maravilha de viver no Estado de Mato Grosso do Sul pode ser contemplada todas as manhãs e ao longo do dia, com a visão das araras. Por meio de seu canto, sabemos que ali elas estão. Buscam alimento, namoram, protegem seus ovos e crias e superam a morte por meio da contínua existência.
As araras não precisam de filosofia nenhuma. No entanto, do que elas necessitam, um ambiente sadio que continue a permitir- -lhes que a rotina de suas ações transcorra, certamente depende muito do que temos feito com nosso ambiente. E, meus caros, para as nossas escolhas, a filosofia antiga traz uma reflexão prática sobre as atitudes.
Pensar e saber que se está pensando é uma experiência que define a existência humana. Esta pode, além de cumprir funções básicas como respirar, comer, dormir, manter relações sexuais e procriar, vislumbrar para si uma finalidade, bem como decidir sobre os melhores meios para alcançá-la.
Entre os séculos 5 e 4 a. C, o filósofo Aristóteles concebeu a razão humana como fundamento essencial para as boas escolhas de vida. Assim, além de ser marca para aprendizados como os da matemática, a racionalidade é condição para a felicidade. Sabe aquela história de que é preciso pensar antes de agir? Diríamos, sem erro, que a filosofia aristotélica é partidária dessa máxima, e nos oferece uma gama de argumentos que explicam o problema resultante de vidas dedicadas à procura de prazer e àquelas que somente opinam.
Aristóteles elabora uma ética cuja mais incômoda afirmação é a de que pouquíssimos são aqueles que compreendem a diferença entre meios e fins. Para o filósofo, essa é uma diferença essencial. Na medida em que a felicidade é um fim e não um meio, pode ser que passemos a vida toda comprando gato por lebre. Pode ser que vivamos durante anos a fio, escravizados por prazeres efêmeros, tais como animais que pastam, sem nunca alcançar uma verdadeira vida feliz.
Assim, sendo a felicidade o fim, ela não tem nenhuma “utilidade”. Somente os “meios” são úteis. E o são porque visam atingir “algo”: uma meta. Por isso é que a busca incessante pela riqueza a todo o custo não torna ninguém feliz. Assim como as poses do corpo perfeito instagramável, ou a ostentação dos churrascos e bebidas nas redes sociais. Nada disso traz a felicidade, porque nada disso traz plenitude, mas apenas escravidão aos likes, aos seguidores e o temor quanto à aprovação de outros.
Assim, continua-se um ciclo de busca que não acaba, sem compreender-se que a despeito de características físicas e conta bancária, podemos lançar-nos “racionalmente” à busca da felicidade. Ser feliz não é fruto do destino. Depende de nós, das ações que praticamos com razão e em relação às quais não há arrependimento porque “sabemos” que houve a melhor decisão.
E quanto à opinião? Na ética de Aristóteles, uma opinião não serve para nada, a não ser manifestar a ignorância daquele que fala. “Na minha opinião…” “Eu acho que…” Quem fala assim não pensa. Simplesmente fala o que não sabe. Seja falsa ou mesmo verdadeira, a opinião não traz a explicação causal de um juízo. Diferente é aquele que fala o que “pensa”. Pensar exige esforço da razão. Assim como os exercícios físicos aumentam o nível de dificuldade com o treino, o pensamento torna-se mais complexo quanto mais é utilizado. Ou melhor: quanto mais o pensamento pensa, mais é capaz de pensar “melhor” e perceber que pode ser autônomo e servir para atingir a plenitude existencial que reside no prazer de ser um ser-humano capaz de pensar (de modo feliz) sobre a própria felicidade.
Por Cristina de Souza Agostini, professora de filosofia antiga da UFMS. É graduada, mestre e doutora em filosofia, com pós-doutorado em letras clássicas – grego. É autora de ‘Para Ler os Pré-Socráticos’, da Editora Paulus.
Excelente artigo! A busca da felicidade aos olhos dos outros, acredito ser esta a atual busca pela felicidade. Enquanto olhamos para fora não seremos felizes realmente. A busca desenfreada por ser aprovados e valorizados pelos outros é superior ao que realmente necessitamos ou precisamos. Outra questão que aqui coloco, será que não ficamos analisando muito, criticando muito, tentando compreender … ao invés de apenas apreciarmos como a vida é boa, como as araras são realmente belas e sábias em sua simplicidade de viver e real plenitude?