Lixo extraordinário: sucata faz caminho inverso, renasce na indústria e joga luz à mobilidade verde

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Desmatamento ilegal zero, integração nos modais de transporte e capacitação tecnológica estão na rota para atingir meta de neutralidade de poluentes já em 2030

Por Cleber Gellio / Fotos: Marcos Maluf

O mundo todo vem noticiando e, sobretudo, sentindo os reflexos das condições climáticas extremas. Para quem vive em Mato Grosso do Sul não há como negar as consequências, afinal, o estado registrou a segunda maior temperatura do país no ano, quando Porto Murtinho (Oeste), atingiu 42,9°C, no dia 25/09.

Em Campo Grande, o clima também não é muito diferente e, para agravar ainda mais a situação, a Capital do estado conta com outros agravantes, como o trânsito, por exemplo. Nas últimas duas décadas sua frota veicular quadriplicou, saindo de 159.173 veículos em 1999, para 664.151 em 2022. Consequentemente, elevou a emissão de GEE (Gases de Efeito Estufa), como dióxido de carbono.

A boa notícia é que lideranças mundiais de 195 países, por meio do Acordo de Paris – 2015, voltaram a discutir medidas que contribuam para impedir que a temperatura do planeta suba além de 1,5ºC até o final do século. O Brasil se comprometeu a ampliar sua ambição para 50% de redução até 2030 e alcançar chamada neutralidade até 2050, ou seja, compensar tudo o que emitir.

Na mesma velocidade em que se dedica à pauta ambiental, o Governo Federal busca formas de equalizar essa conta. Uma das saídas que vem sendo estudada é retirar carros velhos de circulação mediante pagamento a seus donos. As indenizações sairiam de um fundo do setor de petróleo. Cogita-se 30 anos de fabricação para que um veículo seja considerado inadequado para rodar. É nessa hora que surge uma pergunta crucial: caso a medida seja adota, para onde serão destinados esses veículos?

Vanessa Coin administra fábrica de ferragens que nasceu a partir da sucata (Foto: Marcos Maluf)

Quem tem esta resposta é Vanessa Coin, empresária do ramo da reciclagem e gestora da Aço e Aço, empresa no setor industrial Norte, em Campo Grande, que transforma sucatas de carros velhos em ferragens para setores da construção civil. Os macetes da economia ela aprendeu com o pai, Wagner Coin, um dos pioneiros no estado. Daquelas que não abre mão de um chão de fábrica, ao lado do irmão Flávio, hoje lidera, com mãos de ferro, mais de 170 funcionários.

“Enviamos às siderúrgicas aproximadamente 3,5 mil toneladas de resíduos ao mês, o que daria para encher cerca de 110 carretas com sucatas”. Posteriormente essas cargas são destinadas para distintos fins, como chapas para produção de eletrodomésticos, além dos insumos da construção, que são nosso carro-chefe”, explica, Coin.

Com sinal verde à frente, o segmento da sucata automotiva está em plena expansão, tanto que depois de 17 anos em atividade no estado, o grupo começa a operar a partir de 2024 no estado vizinho, Mato Grosso.

A gestora comenta que, embora haja grande quantidade de resíduos oriundos de pequenos catadores de recicláveis, que se organizam por meio de cooperativas, o grosso do material é proveniente de leilões de veículos com ‘validade vencida’, depositados aos montes pelos pátios dos departamentos de trânsito. “Inclusive do interior, onde levamos uma prensa móvel para fazer a compactação e depois transportar o material até nossa central”, acrescenta.

Trabalhador corta ferragem sob medida para projetos imobiliários, modelo evita desperdícios. (Foto: Marcos Maluf)

O pátio da indústria impressiona, tamanha é a quantidade de sucatas contendo carros e motos, mas não mais que o percurso que o material tem de fazer até ser reutilizado. “O processo é bastante rigoroso, pois para que o resíduo seja aproveitado com maior eficiência, temos que fazer a descontaminação dos veículos, isso implica em esgotar todo o óleo, retirar as baterias, borrachas, cabeamento e quaisquer itens que não seja puramente ferroso, para depois destinar aos fornos. Até chegar a este ponto que temos dentro dá fábrica é um caminho longo”, conclui.

 

 

Recarregando as baterias do presente, projetando o futuro

Curso de mecânica automotiva passa por transformação diante de novas tecnologias (Foto: Cleber Gellio)

 Uma das tecnologias que está crescendo e ganhando destaque no cenário atual é o veículo elétrico. Sem queima de combustíveis fósseis, estes veículos estão cada vez mais presentes nos portfólios das grandes montadoras da indústria automobilística.

Assim como a transição energética, a capacitação da mão de obra também passa uma transformação e vem revolucionando o setor. No curso técnico em mecânica automotiva do Senai de Mato Grosso do Sul, os alunos são desafiados a desenvolver, no prazo de um ano, um projeto de um carro utilizando tecnologias não poluentes, com o objetivo de encontrar soluções para situações do setor industrial.

“Eles [alunos] recebem o Kit Propulsor, composto por: motor elétrico, baterias, carregadores de baterias, diferencial e a placa controladora. Posteriormente executaram as seguintes atividades: desenvolvimento do chassi, sistemas de tração, de direção e de freio, pintura, montagem e instrumentação. Tudo com a supervisão dos docentes da instituição e sem interferência externa”, explica Rodolpho Mangialardo, diretor-regional do Senai MS.

Veículo elétrico construído pelos alunos do curso de mecânica (Foto: Divulgação)

Além de conteúdos como custo, execução e até marketing. Após a execução do projeto o aluno tem a oportunidade de vivenciar situações reais em uma competição que envolve uma prova de obstáculos e corrida dos carros elétricos. Este ano, a competição que ocorreu no primeiro semestre, reuniu mais de 50 competidores de cinco cidades.

Para o Mangialardo, os elétricos já são uma realidade e cumprem papel relevante na mobilidade atual. Com a concretização da Rota Bioceânica, que conectará MS a países da América Latina, o estado poderá se beneficar com o intercâmbio econômico na região, em especial com o Chile, país que possui reserva expressiva de lítio, minério utilizado na fabricação de baterias. “Estamos passando por uma transição energética. O diesel não vai acabar, assim como a gasolina também não, mas a mobilidade elétrica está cada mais acessível e eficiente para longas distâncias, tanto para o transporte coletivo, particular ou profissional”, finaliza.

VEJA O VÍDEO COMPLETO SOBRE O ASSUNTO

 

Sob luz da ciência, novas matrizes energéticas são estudadas

Sombra de trabalhador soldando ferragem refletida na parede da oficina. (Foto: Marcos Maluf)

Além da oferta de modelos e valores, a aceitação dos veículos tracionados à energia elétrica depende de outros fatores como disponibilidade de pontos de recargas. Mato Grosso do Sul ganhou seu primeiro eletroposto para abastecimento de veículos e bicicletas elétricas, que utiliza energia solar fotovoltaica. Ele funciona no campus da UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), em Campo Grande, onde foi desenvolvido, em parceria com pesquisadores e iniciativa público-privada.

Obrigatoriamente a transição energética passará belos bancos das universidades e instituições de pesquisa que legitimam o uso e os impactos de novas formas de geração de energia. Projetos como este, são frutos de muito trabalho científico, no qual envolve além de todo o empenho de docentes e alunos, aportes financeiros.

O município de Três Lagoas, a Leste do estado, conta com uma planta industrial laboratório para realização de pesquisas, por meio de projetos sustentáveis sob curadoria do ISI (Instituto Senai de Inovação em Biomassa). A produção de bio-hidrogênio, apelidado de hidrogênio verde, é um deles. A unidade permite a diversificação de fontes residuais para produção do combustível, como a biomassa florestal de eucalipto da indústria de polpa celulósica, setor predominante na região.

Mangialardo reforça que as pesquisas têm mostrado novos caminhos, conforme as demandas da sociedade. “O bio-hidrogênio, que é oriundo de energias renováveis, uma fonte alternativa de energia limpa. Ceramistas estão de olho, o pessoal da siderúrgica também. “E também o setor sucroenergético que já está desenvolvendo caminhões da área rural, por exemplo, para que eles possam ter o biometano e o hidrogênio como fonte de energia”.

 Combustão de ânimo aos pesquisadores do futuro

Vitória Chaves, estudante do ensino médio do Sesi (Foto: Cleber Gellio)

O processo de transição energética é dinâmico e com mais acesso à educação tecnológica e inovação, as possibilidades se multiplicam. O desafio de encontrar alternativas limpas de se produzir e consumir energia está presente em nosso dia a dia, mas são as futuras gerações que terão essa missão pela frente.

Vitória Chaves, do 1º ano do ensino médio, no Sesi, em Campo Grande, está neste grupo dos ‘desbravadores energéticos’ que projetam o futuro da mobilidade. Para o Festival de Robótica deste ano, ela e outros seis colegas de sala colocaram em prática o conhecimento adquirido das disciplinas e projetaram o Giga Gerador, um gerador elétrico movido a hidrogênio e alimentado por placa fotovoltaica, em substituição aos geradores comuns, movidos a diesel.

“A placa é conectada a duas barras de grafite mergulhadas em um recipiente de água com sal. A corrente elétrica produz a eletrólise, que libera o gás hidrogênio. Esse gás sofre uma combustão, que move pistões que geram a energia mecânica, convertida em seguida em energia elétrica”, explica a aluna.

Para armazenar a energia gerada pelo processo eles pensaram em uma bateria de nióbio, um novo minério que está sendo estudado e já se sabe ser menos nocivo ao meio ambiente. “O nióbio possui vida útil de até 60 anos, bem mais do que o lítio, que tem apenas sete”, pontua.

 

Acelerando: MS quer atingir carbono neutro já em 2030

“Olhando para a agropecuária, indústria e energia, nós temos o objetivo de chegar ao estado carbono neutro até 2030. Agora, as ações têm que ser imediatas. Importante destacar que saiu o relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre avaliação do acordo de Paris. O mundo está atrasado na adoção de medidas em relação às mudanças climáticas. Então, se torna cada vez mais urgente e tem que ser mais rápido. Não só o Mato Grosso do Sul, mas o mundo inteiro, para que a gente consiga em 2050, neutralizar as emissões de carbono”, avalia, Jaime Verrruck, titular da Semadesc (Secretaria de Meio Ambiente, Desenvolvimento, Ciência, Tecnologia e Inovação).

Conforme o secretário, “para atingir as metas, o Estado vem acelerando para chegar à frente nessa corrida e aposta em uma série de ações com o intuito de impactar diretamente na captação do carbono”. A primeira delas é na agropecuária, na qual faz esforço para redução nos índices de desmatamentos ilegais, além de incentivos a boas práticas de manejo, recuperação de áreas degradas e reflorestamento. “Quando a gente fala estado carbônio neutro, obviamente que nós vamos ter algumas atividades que vão ser emissoras e outras que vão ser mitigadoras, ou seja, que vão captar carbono. Então a ideia é que na contabilidade as emissões sejam suprimidas pela mudança de perfil. E aí nós temos alguns caminhos que estamos adotando. Dentro da agropecuária adotamos os sistemas produtivos autossustentáveis e estamos trabalhando com os bioensumos, recuperação de áreas degradadas e principalmente a redução de desmatamento ilegal. Toda vez que nós temos desmatamento ilegal, temos emissão de carbono”, pontua.

 

Colocando emissões de carbono nos trilhos da intermodalidade

Modal ferroviário é cogitado como uma das alternativas mais eficientes à redução de poluentes (Foto: Marcos Maulf)

A atual matriz de transportes brasileira é inadequada em função da enorme defasagem estrutural diante da demanda por mobilidade verde. Na indústria a substituição do diesel por outros combustíveis mais adequados, como o biometano, transferência nos modais de transporte e produção de energia limpa, estão no radar.

“Mato Grosso do Sul hoje já tem dentro da sua matriz energética mais de 90% sustentável, quando se vê uma barragem de produção de energia, ela é renovável. Agora estamos avançando na energia solar e na de biometano, na qual somos líderes nacionais”.

Como solução imediata e viável para metade dos problemas causados pelas emissões dos veículos movidos a diesel, seria a criação de um “corredor azul”, por onde o escoamento da produção seria exclusivo por caminhões movidos a biometano, combustível derivado do biogás, presente em resíduos orgânicos. E transferência de modal no escoamento da produção do estado, retirando as carretas das rodovias e aderindo o transporte ferroviário.

“Com a reativação das ferrovias que passam pelo estado reduziríamos em 50% as emissões de gás carbono, uma vez que os caminhões que iriam até os portos deixariam de trafegar e o produto seria transportado por linha férrea”.

O transporte ferroviário foi dominante até a metade do século XX, quando começou a enfrentar a concorrência do transporte rodoviário que requer menor investimento.

 

 

 

 

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