“ A maior riqueza do homem é sua incompletude. Nesse ponto sou abastado”.
É com a provocação das palavras do poeta Manoel de Barros que inicio esse texto, como uma contribuição para pensarmos, no momento em que nos preparamos para comemorar, em MS, o “Dia Mundial da Filosofia”, mãe das ciências humanas, se haveria outras ciências sem primeiro existir aquela que se dedica a conhecer o homem em sua humanidade, sua natureza, constituição, historicidade e as relações sociais.
Já na sociedade antiga, entre os filósofos gregos, a preocupação precípua era conhecer o mundo e, para isso, seria necessário primeiro conhecer o homem, vejamos: Sócrates nos disse: “conhece-te a ti mesmo”, com isso, ele nos ensinou que para conhecer a verdade e o mundo, a primeira tarefa era buscar o conhecimento de si.
Francis Bacon, um dos primeiros modernos a teorizar a ciência, na mesma esteira, nos mostra: “O homem, ministro e intérprete da natureza, faz e entende tanto quanto constata, pela observação dos fatos ou pelo trabalho da mente, sobre a ordem da natureza; não sabe nem pode mais”. O que o filósofo quis nos ensinar? Que para interpretar a natureza, conhecê-la, produzir ciência, é preciso interpretá-la, condição humana inerente! Mais adiante, o pensador declara: “Nem a mão nua nem o intelecto, deixados a si mesmos, logram muito. Todos os feitos se cumprem com instrumentos e recursos auxiliares, de que dependem, em igual medida, tanto o intelecto, quanto as mãos”, nos ensinando que para produzir ciência e conhecimento precisamos de instrumentos, recursos, mas eles sozinhos não dão conta. É necessário o olhar humano, sua interpretação e seu conhecimento.
Todas essas ideias estão centradas no embate travado na história da humanidade que forjou o nascimento da ciência moderna ou o conhecimento científico que temos hoje. Tudo produzido pelo pensamento humano sobre si mesmo e o mundo, num momento que a vida já não podia mais ser explicada por meio da “mitologia” ou de “ídolos”. Pois bem, aqui entramos num outro caminho importante, o da história, uma ciência que se encontra, também, entre as ciências humanas. Com ela podemos conhecer a origem das coisas, como os homens produzem a vida, as relações sociais, econômicas que ditam o fazer da ciência num determinado tempo. Para ilustrar, trago um filósofo contemporâneo, Antonio Gramsci, que explica que em “cada época coexistem muitos sistemas e correntes da filosofia”. No nosso caso, defendemos a filosofia da práxis, pois, por meio dela, numa unidade entre teoria e prática, as pessoas podem conhecer o mundo e as coisas, de forma coerente e crítica. Dessa assertiva decorre nosso entendimento de que não haveria sentido na ciência, sem as ciências humanas ou, dito de outra forma, todas as ciências são humanas, produzidas pelos homens na sua concretude.
Em resumo, acordamos que para conhecer as coisas e o modo de organização da sociedade é preciso o estudo, a revisão e o pensamento crítico. Daí a defesa que nos colocamos é a da educação, mais uma subárea das ciências humanas, campo em que atuamos. Educação no seu sentido público, plural, inclusivo e de qualidade socialmente referenciada. Nossa defesa é inspirada por uma concepção de mundo que almeja um projeto de sociedade que todos e todas possam acessar o conhecimento científico, a filosofia, a sociologia, as ciências sociais, agrárias, exatas e tantas outras áreas, sem perder de vista o que nos humaniza, mirando para um projeto social no qual nenhuma criança, jovem, adulto, grupos da maturidade e pessoas com deficiência fiquem à margem do conhecimento produzido historicamente para que possam exercer sua cidadania plena.
Por Celi Corrêa Neres, doutora em educação (USP), professora dos cursos de pedagogia, psicologia e do
mestrado/doutorado em educação da Uems. Pesquisadora da educação, presidente do Conselho Estadual de Educação de MS.
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