“É um impacto muito difícil de mensurar”, diz advogado tributário sobre reforma

Foto: Nilson Figueirdo
Foto: Nilson Figueirdo

Especialista alerta tudo que é falado sobre queda do preço por conta da reforma tributária em relação a cesta básica, poderá mudar

O advogado tributário, Daniel Pasqualotto, levantou dúvidas sobre os impactos da reforma tributária, aprovada no dia 5 de julho, pela Câmara Federal. Na sua opinão, o texto é muito artificial e não detalha sobre os impostos bens e serviços, cashback e a exoneração dos ítens da cesta básica. “É muito difícil avaliá-los na economia. Mesmo porque, quando se faz uma emenda constitucional, qualquer coisa que a Constituição trata, ela o faz de forma bem genérica, dando mais as bases”, disse. 

Em entrevista ao jornal O Estado, Pasqualotto, alerta para informações falsas que leva a confundir a população de que por exemplo, a cesta básica, irá diminuir da noite por dia. “Eu não diria nem amanhã”, afirma. “O pessoal é induzido a erro, pois isso só vai passar a valer com uma alíquota teste, em 2026, que já é um próximo governo, eu nem sei se este será mantido, e depois ocorrerá a transição final mesmo, o “agora é dessa forma”. Em 2033 teria que haver um sucessor do governo que está hoje. Então, isso não é nada para esse governo atual, algo que é muito falado por aí. O Lula, nem em uma eventual reeleição, verá o efeito disso, pois a transição vai levar tempo. Então, não muda nada para amanhã. Nada”, completou. 

O advogado acredita que “um ou outro setor será beneficiado. […] Mas, como isso se dará, ainda não está claro. Todos os setores da economia acham que isso vai ser positivo? Não será. Para o setor de serviços, por exemplo, será péssimo”, disparou. A reforma passará pelo Senado com possibiliade de alterações. 

No entanto, o novo modelo deve estar totalmente implementado, para todos os tributos, só em 2032. A reforma tributária é defendida como forma de reduzir o imposto pago pelos mais pobres e a desigualdade de renda. O tema será definido em lei complementar. Atualmente, os impostos são cobrados no local de fabricação dos produtos. Agora, será cobrado no destino onde é vendido o bem. O texto prevê também a possibilidade de devolução, para pessoas físicas, de parte do imposto pago. A medida é defendida como forma de reduzir o imposto pago pelos mais pobres e a desigualdade de renda. O tema será definido em lei complementar. 

“O milionário vai comprar uma carne, um filé mignon, vai comer e também não paga o imposto, isso é um absurdo no meu modo de ver. Eu acho que o cashback tem que pegar a população, quem ganha bolsa família a exemplo , teria que ser dessa maneira e não como está ali a princípio”, observa. 

O Estado: Qual a avaliação da reforma tributária, que precisará ser votada pelo Senado. Já é possível mensurar o impacto na economia? 

Daniel: Hoje, eu diria que é um impacto muito difícil de mensurar. Primeiro que ela foi para o Senado. Pode ser que lá se altere completamente tudo o que foi aprovado na Câmara. Se isso acontecer, volta para a Câmara, para que se reavalie o que o Senado mudou, alterou ou vai adicionar e fazer aditivos nessa PEC. Então, é muito difícil avaliar os impactos na economia. Mesmo porque, quando se faz uma emenda constitucional, qualquer coisa que a Constituição trata, ela o faz de forma bem genérica, dando mais as bases. Ela vai dizer que vai existir um novo imposto chamado IBS, uma contribuição chamada CBS, essa última administrada pela União. 

O IBS, será um imposto administrado pelos municípios e Estados. Ela abraça as bases que norteiam os tributos. Mas, depois, tem que vir uma lei complementar que dirá “a base de cálculo é isso. Quando o contribuinte circular a mercadoria, vai incidir alíquota de 20%, de 25%”, isso não tem, ainda. 

Terá que ser construído por leis complementares, após essa PEC ser aprovada nas duas casas. Como mensurar hoje o impacto financeiro? É muito prematuro, por assim dizer. O que podemos discutir são as previsões, que a cesta básica vai ser desonerada, que tem uma espécie de cashback. Mas, até isso é difícil de dizer. O que é a cesta básica? Por exemplo, no Rio Grande do Sul e na Paraíba, é a mesma? São os mesmos produtos? Ou lá tem marmelada e aqui não tem? Isso não está claro ainda, nem a questão do cashback. De quanto será? Quantos porcento desse imposto que a pessoa pagou? Qual a camada da sociedade atingida? É fácil falar genericamente “as camadas menos favorecidas”. Mas quem, efetivamente? É difícil pontuar. 

O Estado: Ou seja, não mudará o preço do pão, na cesta básica, a partir de amanhã? 

Daniel: Eu não diria nem amanhã, vamos colocar da data da aprovação. Pode ser que ela demore alguns meses. Não vai mudar. Porque isso só vai começar a ter efeito em 2026. 

Primeiro, será feita a transição dos tributos que já temos hoje, sob os bens e serviços, que são: ICMS, ISS, PIS, Cofins e IPI. Eles serão gradativamente trocados, por assim dizer, a partir de 2026. 

Em 2026, os IPS, dos Estados e municípios e a CBS, do Federal, vão passar a valer com 0,1% de alíquota. Estão chamando isso de teste, ou seja, muito baixo ainda para ter qualquer diferença. A partir de 2028 e 2029, aí sim começarão a ser substituídos, até 2033, ano em que acabam todos os tributos que existem hoje e passa a valer o novo. 

O pessoal é induzido a erro, pois isso só vai passar a valer com uma alíquota teste, em 2026, que já é um próximo governo, eu nem sei se este será mantido, e depois ocorrerá a transição final mesmo, o “agora é dessa forma”. Em 2033 teria que haver um sucessor do governo que está hoje. Então, isso não é nada para esse governo atual, algo que é muito falado por aí. O Lula, nem em uma eventual reeleição, verá o efeito disso, pois a transição vai levar tempo. Então, não muda nada para amanhã. Nada. 

O Estado: O governo que pode entrar futuramente e vai colher os efeitos dessa reforma pode dar descontinuidade no trabalho executado? Como funciona isso? 

Daniel: Não pode, porque estamos falando de uma alteração constitucional e isso só é feito pelo Congresso. Essa reforma tributária começará a alterar a constituição agora. Tanto que é PEC – proposta de emenda à Constituição. Na emenda muda-se a Constituição. Faz 30 anos que estão debatendo isso. Conseguiram passar o projeto agora, o próprio governo anterior aprovou, cerca de três ou quatro PECs. Reforma trabalhista, Previdenciária e uma série de questões administrativas. Essa é mais uma. Não que vá entrar um novo governo e ele mudará isso, pois ele não tem essa autonomia. 

Isso tem relação com a nossa tripartição de poderes. Pesos e contrapesos, freios e contrafreios, cada poder faz o que lhe compete. 

O presidente da República não tem essa competência. O que ele pode fazer é ficar ajudando, mandar os ministros dele, chamar a base do Congresso dele. Fica ali e tenta convencer, o que faz parte da política. Agora, entrar um governante amanhã e tentar mudar a reforma tributária é impossível. A não ser que o efeito disso, do que a gente está mudando hoje, em 2033, se torne algo terrível, de modo que incite à população a se revoltar, nas ruas, aí será necessário avaliar de novo. Mas, eu duvido que isso aconteça. 

O Estado: O senhor acredita no discurso do governo, de que o impacto será zero na carga tributária? 

Daniel: Não acredito. Na verdade, acredito, inclusive, no contrário. Claro que um ou outro setor será beneficiado. Tem a questão do cashback, da cesta básica, isso é bom, sempre. Mas, como isso se dará, ainda não está claro. Todos os setores da economia acham que isso vai ser positivo? Não será. 

Para o setor de serviços, por exemplo, será péssimo. Hoje, paga-se, em média, alguém que trabalha sob o regime de lucro presumido, que é uma das modalidades de tributação. Essa reforma, é importante que se diga, que não impacta apenas quem está no Simples Nacional, cerca de 80% dos contribuintes, se não mais. Então, não impactará esses empresários, somente os maiores. Dentre os maiores, o regime adotado é o lucro presumido, por isso citei eles. 

Eles têm, hoje, uma tributação média federal, estadual, municipal de uns 18% ou 19%, porque isso depende do setor e do prestador de serviços. Com a reforma passará a uns 30%. Isso é viável? Irá reduzir? Não. E o prestador de serviço, que vai subir sua carga tributária, vai repassar isso ao consumidor final. Não dá para afirmar que será só reduções. Isso é falso, a princípio. De novo: não há alíquotas definidas ainda, porque isso vai vir depois, via lei complementar. Fala-se entre 20 e 25%. Por isso usei essa base de cálculo, mais o imposto de renda, que é outra coisa, que Especialista alerta tudo que é falado sobre queda do preço por conta da reforma tributária em relação a cesta básica, poderá mudar não tem relação com bens e consumo, porque é sobre a renda, o que, somado, resulta em 30%, 35% de alíquota. Haverá uns 15% de ajuste para o setor de serviços, da carga tributária dele. Isso impactará no preço. Qualquer prestação de serviço terá essa mudança, de uns 15% de aumento no preço. 

O Estado: Com a criação dos conselhos, os Estados e municípios perdem autonomia? MS vai perder competitividade? 

Daniel: Este é outro ponto que também não está claro. Teremos o conselho, porque tem os dois tributos que serão criados, o CBS, que vai ser do governo federal, e não há Conselho para isso. Já para o IDS, sim. Será o Conselho Federativo dos Estados e municípios. Não está claro ainda o peso de participação de cada Estado. 

Por exemplo, é correto afirmar que o Estado de São Paulo tem que ter o mesmo número de votos que Mato Grosso do Sul? Sendo que lá tem 15, 20 vezes mais população que aqui? Não sei dizer. É correto falar que o Nordeste, que tem nove Estados, tem o mesmo peso que o Sul, que tem três? Eu temo por isso. Sobretudo pelo Centro- -Oeste, que é a menor região em população, a nossa região, onde Mato Grosso do Sul está inserido. Qual é a representatividade que esse Estado vai ter? Acho complicado. 

Precisaremos aguardar as regras, porque também não há clareza nessas partes. Pelo menos nesse projeto de agora, que saiu da Câmara. Novamente, isso foi para o Senado Federal, e lá será definido. Porque o Senado, diferentemente da Câmara (a Câmara presa pelos interesses dos cidadãos, pois são seus representantes). Aqui (Senado), não, são os Estados os representantes. Cada um tem três, então, eles estão em pé de igualdade. Já na Câmara isso não acontece. 

O Estado: Esta reforma tributária não pode promover uma “guerra fiscal”? 

Daniel: Acho que pelo contrário, vai diminuir bastante isso. Porque hoje, cada Estado tem o seu ICMS, cada Estado tenta atrair investimentos externos de outros Estados para o seu território, com os incentivos fiscais de ICMS. Muitas vezes, até inconstitucionais, mas ocorre. Isso vai acabar, porque estamos falando de um tributo só, que agora é o IBS, não é o IBS de São Paulo ou de Mato Grosso do Sul. Há algumas questões muito pontuais de incentivos fiscais, que serão globais ou regionalizadas. 

O Estado: É possível um aumento do IPTU, a partir da atualização da base de cálculo? 

Daniel: Com 100% de certeza. Essa reforma tratava dos tributos incidentes no consumo, que é o IBS e o CBS, para bens e serviços. Quando eu compro algo, eu consumo, estou na posição de consumidor e contribuinte e não nos impostos de propriedade e renda. De última hora, me parece que no último dia, entrou alguns pontos na PEC, para tratar do IPVA e do IPTU. Isso foi pouco estudado pelos congressistas. 

Tomara que isso seja bem melhor estudado no Senado. Mas, eu entendo que sim, pode haver um aumento de IPTU. Porque agora os prefeitos podem fazer, via decreto, a atualização da base de cálculo. Exemplo: em um determinado bairro ou em determinada rua, o prefeito pode falar que o preço de avaliação do imóvel não é mais 200 mil, mas 300 mil. Ele vai se consubstanciar em pesquisa de mercado e reajustar para 300 mil, da noite para o dia. 

Passa 90 dias e já começa a valer, por decreto, para o ano que vem, essa determinação. Hoje, em dia isso é feito por lei, tem que ir para a Câmara de Vereadores, eles vão analisar, estudar, o que é sempre moroso. Em municípios como São Paulo isso não acontece. É tão grande o município que o IPTU de lá, comparado ao de Campo Grande, por exemplo, é muito díspar. 

O Estado: Todos terão o benefício do cashback? Daniel: Pelo que está posto, seriam todos. Mas, isso também é estranho. Porque quando se desonera um produto específico, a carne, por exemplo, qual é ela? É o filé? É o patinho? Uma carne mais barata? É uma carne de segunda? Desse modo, desonera-se o milionário. O milionário vai comprar uma carne, um filé mignon, vai comer e não pagar o imposto, isso é um absurdo, no meu modo de ver. Acho que o cashback tem que atingir a população que ganha Bolsa Família, por exemplo e não como está, a princípio. O que me parece é que o imposto sobre determinados produtos que está sendo desonerado e isso, no meu modo de ver, não faz Justiça fiscal. 

O Estado: O Brasil estaria usando essa estrutura de tributação para imitar países desenvolvidos? 

Daniel: Eu acho que é o mais justo, até hoje. É como se diz: “A democracia é o pior sistema, só que é melhor do que todos os outros”. Esse sistema tributário pode ter vários defeitos, mas é o melhor que tem aí fora, no meu modo de ver, dentre os que eu já estudei. Isso é tributação de valor agregado! Na América Latina, chama-se IVA (Imposto sobre Valor Agregado), nos Estados Unidos é VAT (Value Added Tax) e é a mesma coisa que o IBS, também um tributo sobre valor agregado. 

Um exemplo: comprei de você por R$ 125, R$ 25 é o imposto? Vou vender por R$ 200 e só vou pagar o que eu agreguei nisso, o seu vai ficar neutro, eu pego e uso de crédito. Claro que eu vou agregar, se não, eu não estou na livre iniciativa, não estou no capitalismo. Não posso vender pelo preço que eu paguei, pois se eu compro por R$ 100 e vendo por R$ 100, qual o meu lucro? Se eu compro por R$ 100 e vendo por R$ 150, eu só vou pagar sobre os R$ 50. É a forma mais justa. Assim funciona a sistemática do crédito: o que você pagou, eu abato no que eu tenho que pagar, é sempre assim. Hoje existe um misto, algumas coisas dão créditos, outras não dão, é bem bagunçado do jeito que está. O ICMS é uma completa bagunça, pois incide sobre a base de cálculo dele mesmo, ou seja, em vez de eu vender um produto por R$ 100 e aplicar R$ 17, que é o ICMS, eu aplico o ICMS em cima de R$ 117, que já está com o ICMS por dentro. Eu acho que isso vai dar, pelo menos, mais clareza. 

Por – Julisandy Ferreira

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