Para endocrinologista, enredo de filme é positivo, já que mostra problemas graves associados à doença
Reforço do estereótipo ou uma forma de conscientização? As opiniões divergem quando se trata do filme “A Baleia”. Para a endocrinologista Lorena Lima Amato, a obra é positiva, já que mostra vários problemas associados à obesidade e que não é apenas a “força de vontade” do paciente capaz de curá-lo.
O filme retrata uma pessoa com obesidade mórbida, o que não é comum na maioria dos casos, segundo a médica. Porém, para ela, é importante mostrar que pessoas nessa situação têm transtornos psiquiátricos associados, como compulsão alimentar e depressão e, para estes casos, o tratamento deve contar com uma equipe multidisciplinar. Estudos apontam que um bilhão de pessoas em todo o mundo – incluindo 1 em cada 5 mulheres e 1 em cada 7 homens – viverão com obesidade até 2030.
“A história tem potencial para desenvolver empatia, mostrar que é uma situação complexa e que envolve muitos fatores, e tirar a ideia errônea de que a pessoa com obesidade é preguiçosa. Não é só força de vontade que pode mudar a situação, é uma doença e precisa ser encarada como tal. O filme traz isso com muita clareza”, reforça a endocrinologista.
A obesidade é uma condição multifatorial e precisa de acompanhamento do endocrinologista, psicólogo/psiquiatra e preparador físico. Já pacientes com indicação para cirurgia bariátrica ainda precisarão do gastroenterologista e cirurgião plástico. A cura da obesidade não depende da força de vontade da pessoa.
Para Lorena, o poder público pode trabalhar para reverter o estereótipo sobre a gordofobia, com campanhas de conscientização e informação de qualidade e objetiva. “Mas eu acredito que precisamos agir antes da doença se instalar, ou seja, na prevenção da obesidade. É preciso fazer um trabalho intenso com a população sobre a importância da alimentação mais saudável e menos industrializada, aliada a trinta minutos de atividade física por dia – uma caminhada já traz benefícios. A adoção dessas medidas já pode mudar a saúde e a rotina de qualquer pessoa”, comenta.
Por parte da indústria alimentícia, a endocrinologista ressalta a importância de se dedicar aos rótulos dos alimentos, disponibilizando leitura fácil e compreensiva para que o consumidor possa saber o que está comprando. Nos Estados Unidos, as embalagens dos alimentos estampam nitidamente o percentual de açúcares e gordura saturada, presentes no produto.
Sobre o filme
Quando terminou de assistir à peça “A Baleia”, há quase 10 anos, o diretor e roteirista Darren Aronofsky saiu do teatro, em Nova York, decidido a adaptar aquela história para o cinema.
Convencer seu autor, o dramaturgo Samuel D. Hunter, a escrever o roteiro foi fácil. Difícil foi encontrar o ator ideal para interpretar o protagonista. Isso explica por que o diretor de “O Lutador” (2008), “Cisne Negro” (2010) e “mãe!” (2017) levou quase uma década para estrear a versão cinematográfica da peça.
O escolhido para o papel principal de “A Baleia” foi Brendan Fraser, de 54 anos. Ele é conhecido por estrelar filmes de aventura, como “George, o Rei da Floresta” (1997), “A Múmia” (1999) e “Viagem ao Centro da Terra” (2008).
Para interpretar Charlie, um professor de escrita criativa que sofre de obesidade do grau 3, a mais grave que existe, Fraser conversou com médicos e portadores de transtornos alimentares e buscou entender, entre outras coisas, como um homem de 270 quilos, o peso do personagem, consegue tomar banho, levantar-se do sofá ou caminhar pela casa.
Fraser até ganhou bons quilos. Mas não o suficiente para dispensar as próteses feitas sob medida pelo maquiador canadense Adrien Morot, a partir de tecnologia 3D. Dependendo das cenas que tinha para gravar, o ator usava enchimentos – pintados com tinta que imitava a textura da pele humana – que chegavam a pesar até 130 quilos.
Por essas e outras, o americano chegava a ficar até seis horas por dia na sala de maquiagem, decorando suas falas. E, não por acaso, tanto Fraser quanto Morot foram indicados ao Oscar 2023 em suas respectivas categorias, Melhor Ator e Melhor Maquiagem.
No longa, Charlie vive praticamente confinado em casa. Recluso, dá aula on-line de redação para alunos do ensino médio, mas nunca liga a câmera. Quando alguém reclama, dá sempre a mesma desculpa: está com defeito.
Com o agravamento de seu estado de saúde, Charlie tenta se reconciliar com a filha adolescente, Ellie (Sadie Sink), que ele abandonou quando tinha 8 anos para viver com outro homem. Quando seu namorado morre, vítima de suicídio, Charlie passa a comer compulsivamente.
“Um episódio de comer compulsivo ocorre quando uma pessoa come muito mais do que outra na mesma situação, com a sensação de perda de controle sobre o quanto está comendo e sobre o que está comendo”, define o psiquiatra Adriano Segal, coordenador da Comissão de Psiquiatria e Transtornos Alimentares da Abeso.
Emoção e descontrole à mesa
No filme, Charlie sofre de TCA (Transtorno de Compulsão Alimentar). Para alguém ser diagnosticado desse modo, deve apresentar, pelo menos, um episódio de comer compulsivo por semana, nos últimos três meses.
“A gravidade do TCA depende do número desses eventos”, explica o médico. As causas do transtorno ainda são desconhecidas. Mas, segundo Segal, ele pode ser provocado tanto por uma predisposição biológica ou psicológica quanto por fatores externos altamente estressantes.
“Um acontecimento trágico ou estressante sozinho não tende a causar o problema. Porém, existe um padrão de ingestão alimentar sob estudo chamado ‘comer emocional’, quando a pessoa come mais, normalmente alimentos hiperpalatáveis, em resposta a alterações psíquicas”, esclarece o especialista.
Quanto ao tratamento da obesidade grau 3 (não se usa mais o termo equivocado “mórbida”), a principal indicação é a cirurgia bariátrica.
Segundo o médico da Abeso, ela traz perda de peso mais impactante, maior chance de manutenção, é segura e custo-efetiva. Medicamentos podem ter bons resultados em outros graus de obesidade, mas dificilmente vão reverter um quadro severo. De qualquer forma, independentemente da via escolhida, são prescritas também mudanças no estilo de vida.
“A cirurgia bariátrica não é milagrosa nem cura a obesidade. É um poderoso instrumento no arsenal de opções para o seu controle. A obesidade é uma doença crônica e reincidente. Quem passa pela cirurgia deve permanecer em tratamento vitalício e mudar seus hábitos”, afirma Segal.
“Hoje, não é incomum que pessoas que se submeteram à bariátrica voltem a engordar e tenham de usar medicamentos. Não significa que a cirurgia fracassou. Reforça apenas que a obesidade não tem uma cura, mas tratamento”, pondera o médico.
Por Bruna Marques – Jornal O Estado do MS.
Confira mais uma edição impressa do Caderno Viver Bem do Jornal O Estado do MS.
Acesse também as redes sociais do O Estado Online no Facebook e Instagram.