“Sempre trabalhei com o serviço filantrópico sem pensar nessa questão de ser homem ou mulher”

Eleições Santa Casa 2022 Alir Terra Lima
Imagem: Reprodução/Valentin Manieri

Nova presidente prega o discurso de “servir”, e por ser um hospital sem fins lucrativos a Santa Casa não poderia estar endividada

Pelos próximos três anos a ABCG (Associação Beneficente Santa Casa de Campo Grande) será administrada pelas mãos de Alir Terra Lima, primeira mulher presidente eleita. A gestão, que terá início em 2023, já está em processo de transição – como Alir já ocupava o cargo de vice-presidente do hospital – as demandas e os desafios para equilibrar a saúde financeira não serão novidades.

O hospital tem enfrentado deficit de R$ 13 milhões, que diminuiu para R$ 8 milhões e tem previsão de cair para R$ 5 milhões, com aumento de recurso alcançado no mês passado. Por estas razões, o hospital busca novas parcerias e espera do novo governo federal mudança no repasse na tabela SUS (Sistema Único de Saúde). “A filantrópica ela não precisa ter lucro, ela só precisa ter o equilíbrio financeiro, porque a finalidade dela não é ter lucro”, defende.

A Santa Casa, inclusive, tem um orçamento mensal maior do que muitas cidades de MS. O que leva, a disputa política colidir com a eleição do hospital.

“Não importa quem foi eleito, não importa quem ganhou, quem perdeu, qualquer um que estiver assumindo um cargo público é com aquele que a gente vai ter de fazer a nossa contratualização e é naquela porta que a gente vai bater para buscar recursos pra instituição”, completou.

Alir Terra é formada em Ciências Exatas e Direito, além de ser pós-graduada em Direito do Estado e ter vários cursos de gestão e redução de custos. Ela também já trabalhou como coordenadora da Secretaria Judiciária do TRE- -MS, assim como assessora-chefe da Corregedoria Geral, além de diretora-geral. A presidente possui uma relação íntima com a Santa Casa e já trabalha há anos com o voluntariado na filantropia.

Aposentada, ela defende a bandeira do voluntariado em que todos devem se doar um pouco a uma causa. “Nós estamos aqui pra salvar vidas e a filantropia significa amor à humanidade, nós temos de exercer esse amor”, defendeu Alir Terra.

O Estado: Qual é o sentimento por ser a primeira mulher a assumir a presidência da Santa Casa?

Alir Terra: Eu sempre trabalhei com o serviço filantrópico sem pensar nessa questão de ser homem ou mulher. O sentimento que eu tenho é de ter uma grande equipe e acredito que isso é o que mais importa. A nossa equipe é coesa e o presidente, quando colocou este nome: “Por amor à Santa Casa”, ele motivou toda a equipe. Nosso melhor sentimento é o da possibilidade de continuar esta obra tão bonita em que os outros já fizeram muitas coisas e a gente vai continuar neste trabalho, tendo esta oportunidade de servir.

O Estado: Qual é a sua relação com a instituição?

Alir Terra: Eu tenho uma relação muito diferente com a Santa Casa. Quando a minha mãe estava doente e internada no hospital, certo dia, eu estava na janela e olhei e vi umas camas fora do lugar. Me questionei se elas prestavam ou não e naquele momento eu falava: “Poxa, Deus podia me dar uma oportunidade de um dia trabalhar aqui”. Eu não precisava ganhar nada, só para servir um pouco. E de repente, em 2022 está fazendo 29 anos que a minha mãe faleceu e eu me vejo aqui, na Santa Casa fazendo aquilo que um dia pedi em oração. Embora a minha mãe tivesse falecido aqui, ela foi muito bem tratada. E de repente você voltar pra dar um pouco de carinho e alento com teu serviço é muito gratificante. Porque, depois da aposentadoria, toda pessoa devia procurar uma filantropia para devolver um pouco pra sociedade muito daquilo que ela recebeu.

O Estado: Em que situação financeira encontrará a Santa Casa?

Alir Terra: A nossa equipe, “Por amor à Santa Casa”, está recebendo a Santa Casa nas mesmas condições das outras no Brasil; todas estão endividadas porque a filantrópica ela tem um viés diferente. Muitas vezes ou na maioria das vezes, ela faz determinados atendimentos pela vocação de salvar vidas e isso acaba trazendo um desajuste financeiro. Mas nós vamos perseguir um caminho de enxugamento de determinados procedimentos, não que eles sejam um desperdício, mas que muitas vezes eles podem ser feitos de forma diferente. A filantrópica ela não precisa ter lucro, ela só precisa ter o equilíbrio financeiro, porque a finalidade dela não é ter lucro.

O Estado: E este aumento de recurso em R$ 3 milhões ao mês a ser repassado dará quais tipos de fôlego ao hospital?

Alir Terra: Nós temos de ter a compreensão de que o Estado e o município não repassam recursos para a Santa Casa. Existe um contrato em que a Santa Casa oferece determinados serviços e eles compram esses serviços. Então, no pagamento é que houve um ajuste e vai trazer um pouco mais de equilíbrio. Nossa defasagem era de R$ 13 milhões e tivemos um realinhamento de R$ 8 milhões. Então, vamos ainda ficar com um deficit de R$ 5 milhões e vamos fazer outros procedimentos internos e readequar os empréstimos para tentar chegar o mais próximo do zero. A nossa equipe vai fazer o dever de casa e buscar recursos também externos. O que inclui nosso plano de saúde de aumentar o número de vidas, com a nossa Escola da Saúde, que vai oferecer cursos externos. Estamos mudando para o Colégio Oswaldo Cruz, em que só falta uns 20% pra terminar as obras. Então, será possível fazer uma Escola de Saúde, com cursos de aperfeiçoamento, e tudo isso é recurso que vem pra Santa Casa.

O Estado: Por que a instituição não consegue se manter sem recurso público? Alir Terra: Muitas vezes as pessoas não entendem como funciona a administração pública e a privada. Nós somos uma filantrópica, a administração pública propõe um pagamento por determinados procedimentos dentro daquela tabela SUS, e muitas vezes os procedimentos sofrem variações para além daquela tabela pré-programada. O contrato é feito por período e nós aqui na Santa Casa salvamos vidas. Então, não vai ser por falta de um implemento na tabela ou no procedimento que vamos deixar um paciente morrer. Temos de tratar esse paciente, e uma grande parte a instituição é que acaba absorvendo esses valores que não estão previstos na tabela. Não é por maldade do município, do Estado, da União. É que na saúde cada caso é um caso e cada pessoa precisa de um tratamento específico. A saúde não é exata. Um exemplo: um jovem que se acidenta no meio da rua e precisa colocar uma prótese.

A prótese do SUS é uma prótese de um determinado valor. E para um jovem que tem uma vida mais dinâmica, mais produtiva, aquela prótese não serve. É necessária uma mais sofisticada, de um material diferenciado e o preço dela é outro. O médico não vai colocar aquela prótese que não é própria para aquela idade.

Ele recomenda outra e, como nós estamos aqui pra salvar vidas e a filantropia significa amor à humanidade, temos de exercer esse amor liberando o material pra que a gente devolva essa pessoa pro seio da família e pra vida de forma produtiva. E isso traz determinados acréscimos naquilo que a gente gasta mensalmente.

O Estado: O hospital vai buscar novas parcerias? Alir Terra: Nós já estamos fazendo um processo de uma maior aproximação entre os sócios da Santa Casa com a sociedade. São pessoas que estão aqui e que fazem uma retribuição mensal, mas o importante é dentro da instituição. Estamos buscando essa reaproximação, parcerias na área privada e com a imprensa para divulgar as nossas campanhas. Já na administração do doutor Heitor (Freire), fizemos a Campanha do Lençol, em que arrecadamos mais de dois mil lençóis. Mas nós precisamos de quatro trocas diárias. Mas devemos ter, pelo menos, o dobro disso, porque quando você lava a roupa ela tem um período de descanso. Essa campanha do lençol foi bem-aceita, e agora fizemos a campanha das toalhas com sucesso.

As pessoas precisam ter dignidade. Porque, quando elas chegam ao hospital, elas já chegam fragilizadas porque estão perdendo o maior bem delas, que é a saúde. Sem saúde nós não somos nada. E quando essa pessoa chega e ela tem um tratamento digno, é mais fácil de ela se recuperar. Porque psicologicamente ela se sente bem, e isso é muito importante.

O Estado: Pelo tamanho do orçamento, maior do que muitas cidades de MS, o cargo de presidente do hospital pode ser muito bem comparado com o de um prefeito?

Alir Terra: Aqui nós trabalhamos com uma equipe. Eu não acho essa comparação muito própria porque aqui estamos fazendo um trabalho por amor.

Embora o parlamentar, o cargo político, tenha sido escolhido para servir à comunidade, o nosso serviço aqui é muito diferente. Nós não visamos a um reconhecimento externo. O nosso reconhecimento é mais da gente para com Deus. Da gente se sentir bem por ter feito alguma coisa pro nosso semelhante.

O Estado: A disputa política neste ano colidiu com os interesses em saúde pública?

Alir Terra: O Estado existe para proteger o cidadão. Então, todo e qualquer movimento que existe na sociedade ele tem um reflexo da política que está sendo praticada ou daquilo que se pretende praticar. É um ato legítimo, está na Constituição Federal. Acho que a nossa obrigação é respeitar. O que vai acontecer vai depender de uma seara completamente diferente da nossa. Não importa quem foi eleito, não importa quem ganhou, quem perdeu, qualquer um que estiver assumindo um cargo público é com aquele que a gente vai ter de fazer a nossa contratualização e é naquela porta que a gente vai bater para buscar recursos pra instituição.

O Estado: O que se espera do novo presidente da República, o Lula (PT)?

Alir Terra: Pessoas passam e as instituições permanecem. Eu espero que as instituições sejam fortes e que elas cumpram o fim para o qual elas existem. Desde a época da antiga Grécia, quando foram criadas as comunas, que eram as pequenas cidades, elas foram criadas única e exclusivamente pra poder ordenar a sociedade e para que todos pudessem ter uma vida harmoniosa. Então, o que eu espero das instituições nacionais é que elas cumpram o seu papel.

O Estado: Qual avaliação se faz do sistema de saúde no Brasil?

Alir Terra: Eu conheço a saúde pública de vários países. Nós temos um modelo de saúde pública no Brasil diferente e ele é muito bom. Mas tudo precisa ser melhorado. O que falta na saúde pública brasileira é mais pessoalidade, porque um paciente que vai ao posto, hoje, ele é atendido por um médico e quando ele volta ele é atendido por outro médico e depois por outro médico.

Se o sistema pudesse fidelizar para o médico que atendeu no primeiro momento, seria um ganho e tanto. Acredito que o sistema de saúde brasileiro é bom e o brasileiro precisa conhecer mais os seus direitos, os serviços e os procedimentos.

Por Suelen Morales – Jornal O Estado de MS.

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