Fernando Rondon do Amaral, 51 anos, preso há 13 anos, sempre participou de alguma atividade dentro das unidades penais por onde passou, seja trabalhando, fazendo cursos ou estudando.
“Conclui o Ensino Fundamental e Médio dentro do presídio, já fiz cursos profissionalizantes na área de costura, cozinha, padaria, técnico de segurança no trabalho, hoje ganhei uma bolsa para o curso de Tecnologia de Gestão Ambiental, do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte, através do Enem Prisional. Com tudo isso, adquiri mais conhecimento, cultura, visão de mundo e pensamentos positivos para o meu futuro, é o que me motiva a seguir minha vida bem longe do crime”, comemorou.
Ele busca nos estudos a chance de ser uma pessoa melhor quando sair da prisão. Isto prova que as grades e muros não garantem a segurança nas unidades penais de Mato Grosso do Sul. São as frentes de ressocialização que contribuem para maior tranquilidade e disciplina. São desde ações de trabalho, educação, cultura a atividades religiosas, de promoção social, entre outras assistências prestadas, que oferecem suporte durante o cumprimento de pena.
As atividades são desenvolvidas pelo Governo do Estado, por meio da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) e da Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário (Agepen), e conta com inúmeras parcerias firmadas com órgãos públicos e empresas privadas.
Tanto nas maiores penitenciárias do estado como nas menores, o oferecimento de ensino regular, cursos profissionalizantes, possibilidade de ocupação lícita e outras frentes assistenciais asseguram a oportunidade de mudança de vida que muitos custodiados almejam. É o que garante Juliano Pereira, 41 anos, que está preso há quatro anos e sempre participou de alguma atividade dentro dos presídios por onde passou, seja com trabalho ou com estudo.
“Isso foi o que me motivou a conseguir cumprir minha pena da melhor forma possível, a gente se sente útil, ajuda na autoestima, é uma forma de termos convívio com as pessoas”, informa o interno que atualmente cumpre pena no Instituto Penal de Campo Grande, está inserido no trabalho intramuros e é acadêmico do quarto semestre no curso de Serviço Social, na modalidade à distância.
“Essa foi a maneira que encontrei para sair daqui e não ser a mesma pessoa e ter uma vida diferente; sabemos que estamos tendo essas oportunidades e temos um cuidado para não errar, de seguir disciplinarmente as normas da unidade”, conclui Juliano.
Dentre as oficinas que ocupam mão de obra prisional no estado estão costura, marcenaria, artesanato, cozinha, horta, manutenção, além dos setores que contam com a colaboração de empresas privadas, como é o caso do beneficiamento de mandioca, de crina, costura de bolas, fábrica de ferragens, de gelo, entre outras.
As iniciativas de reinserção social estão presentes, inclusive, nas unidades em que são abrigados internos considerados de maior periculosidade. Na Penitenciária Estadual de Dourados (PED), por exemplo, maior presídio do estado, a ocupação laborativa é oferecida a 684 internos; outros 182 estão matriculados no ensino regular.
Já no Estabelecimento Penal “Jair Ferreira de Carvalho” (EPJFC) – penitenciária de Segurança Máxima de Campo Grande, o oferecimento de trabalho é realidade para 292 internos, distribuídos em 11 diferentes oficinas. Além disso, outros 75 reeducandos estão matriculados na escola e terminando o ensino Fundamental ou Médio dentro da unidade.
Caracterizado pelo perfil da massa carcerária voltado para o trabalho, o Instituto Penal de Campo Grande foi a primeira penitenciária assumida pela Agepen e possui cerca de um terço da população carcerária trabalhando intramuros. Ao todo, o presídio conta com 15 oficinas de trabalho, que oportunizam ocupação a 475 presos.
O diretor do IPCG, agente Francisco Sanábria, destaca que as diversas atividades desenvolvidas colaboram para a disciplina do ambiente carcerário e influenciam no comportamento dos internos. “Nossa unidade penal é referência no estado em relação à utilização do trabalho prisional, influenciando a seguirem a vida longe da criminalidade. Isso é reflexo da atuação e do desempenho dos servidores penitenciários e da diretoria da Agepen”, garante Sanábria.
Outra frente de destaque da unidade é a educação. Atualmente, 159 internos estão estudando nos três diferentes módulos de ensino: inicial, intermediário e final.
Foi com as ações realizadas dentro dos presídios que Samer Perez Tosi, 24 anos, conseguiu se libertar das drogas e hoje está concluindo os estudos. “Precisei estar aqui na prisão para conseguir realizar o maior sonho da minha vida, que é terminar meus estudos e sair das drogas, isso parecia impossível para mim. Estudar ocupa minha mente aqui e me fez voltar a sonhar com uma profissão, agora pretendo fazer faculdade de Administração”, declara o interno que está preso há seis anos no IPCG e participa do projeto Recomeçar, que são reuniões semanais baseadas na dialética dos doze passos.
“Eu senti muita diferença em mim depois que voltei a estudar aqui, minhas atitudes são mais pensadas, eu controlo meus impulsos, minha família mesmo fala que eu não pareço mais a pessoa de antes, eu mudei bastante e foi para melhor, graças a Deus”, afirma Samer.
De acordo com a agente Luciana Cavalcanti Borges Mendes, que atua como psicóloga na Máxima da capital há uma década, para a seleção dos custodiados aptos ao trabalho é feita uma avaliação minuciosa, através da Comissão Técnica de Classificação para o trabalho (CTC), formada por psicólogo, assistente social, diretor da unidade, chefe do setor de trabalho, de segurança e disciplina. Dentre os critérios adotados está questão comportamental, o lapso de, no mínimo, seis meses dentro do presídio e o perfil após entrevista pessoal e aplicação de testes psicológicos coletivos.
“O trabalho contribui para que o preso cumpra da melhor maneira possível a pena dele, e principalmente, quando se trata de trabalho remunerado, porque o interno tem a oportunidade de ajudar a família e passa a ser um incentivo a mais, além da remição da pena também que é outro fator motivador para que ele fique no trabalho e exerça da melhor maneira possível”, ressalta.
O setor de trabalho se tornou algo primordial no sistema penitenciário, é o que assegura o agente penitenciário Thiago Gimenes. “Além de tirar a ociosidade, o setor possibilita diferentes técnicas profissionais que poderão ser utilizadas lá fora pelo custodiado. Os próprios internos que exercem ocupação laborativa se cobram e primam pela disciplina geral da unidade, para que essas oportunidades não deixem de existir e possam surgir novas vagas também”, afirma Gimenes, que atualmente atua como chefe do Setor de Trabalho do IPCG.
Interno Mauro atua em diversas áreas dentro da instituição para pagar a faculdade do filho; “participo da vida deles com o meu exemplo”
É através da oportunidade de trabalhar dentro da unidade penal, que o reeducando Mauro Sérgio de Oliveira, 42 anos, consegue pagar a faculdade do filho mais velho. “Já adquiri várias profissões aqui, muitas coisas que eu não sabia consegui aprender no presídio e, o que mais me motiva a participar de todas as oportunidades oferecidas é reconstruir minha vida novamente, ao lado da minha família, de forma honesta. Posso estar preso, mas estou participando de uma forma ou de outra da vida deles e com meu exemplo, mostrando que o crime não compensa”, destaca Mauro que exerce atividade laborativa na Máxima há 10 anos e já fez cursos de cozinheiro, salgadeiro, auxiliar de cozinha, elétrica, entre outros.
São histórias de superação como essas que comprovam que as ferramentas utilizadas nas frentes de ressocialização realizadas com homens e mulheres em situação de prisão são eficazes e garantem oportunidades para àqueles que um dia cometeram um crime, mas que precisam voltar a seguir a vida em sociedade com dignidade.
Palco da última rebelião registrada em Mato Grosso do Sul, em 2016, a Penitenciária de Segurança Máxima de Naviraí (PSMN) hoje é considerada modelo em organização e segurança. A unidade passou por uma reforma total e atualmente possui um sistema informatizado de controle de rotina, possibilitando acompanhar desde a programação do dia, como escoltas a serem realizadas e agendamento de advogados, até o controle de movimentação dos presos que trabalham.
Inaugurada em junho de 2017, a obra da reforma foi executada com a mão de obra prisional, gerando economia de cerca de R$ 800 mil aos cofres públicos. Além do reforço na segurança, também foi garantida maior dignidade ao cumprimento da pena aos custodiados. Dentre essas ações, estão as de cunho social, que utiliza o trabalho artesanal de reeducandos para contribuir diretamente na alimentação de crianças carentes do município. Ao todo, são fabricados semanalmente 800 pães em uma padaria instalada dentro da unidade penal, beneficiando entidades filantrópicas locais. A parceria existe há dois anos e tem sido um grande sucesso.
Segundo o diretor da unidade penal, agente Rogério Capote, outra frente assistencial no presídio, é o cultivo de hortaliças; no local, três reeducandos trabalham na manutenção da horta. Nos dias de visita com menores, os familiares de detentos podem levar para casa as verduras produzidas na horta do presídio. As hortaliças também são doadas a instituições assistenciais da cidade.
Medidas Preventivas
Essas iniciativas de reinserção social promovem um comportamento baseado no respeito e incentivam novas atitudes no dia a dia da massa carcerária. Mas, aliado a isso, a Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública (Sejusp) também investe em ações de inteligência para manter a ordem do sistema prisional, caracterizadas como um trabalho silencioso que busca antecipar fatos e atuar na prevenção de incidentes.
A Agepen, por exemplo, conta com uma gerência específica de inteligência (GISP) para acompanhamento da massa carcerária e assuntos relacionados à movimentação penitenciária, trabalhando de forma integrada com as demais forças de segurança pública do país.
O Superintendente de Inteligência da Sejusp, Antônio Carlos Costa Mayer, atribui essa conquista a um fator fundamental, a integração dos subsistemas de inteligência de segurança pública, que é composto pela superintendência, Diretoria de Inteligência da Polícia Militar (DINTEL), Departamento de Inteligência da Polícia Civil (DIP), 2ª Companhia do Corpo de Bombeiros, Departamento de Operações de Fronteira e a GISP, que faz o acompanhamento da massa carcerária.
“A área de inteligência está sendo cada vez mais fortalecida com investimentos importantes principalmente em capacitação, treinamento, bem como em aquisição de novos equipamentos. Um diferencial de Mato Grosso do Sul é o excelente relacionamento interpessoal e interinstitucional com os demais órgãos e agências de Inteligência a nível nacional, estadual e municipal. Além do acompanhamento diuturnamente das organizações criminosas, assim que é feita a identificação já ocorre o isolamento dos seus líderes ou encaminhamento para Departamento Penitenciário Nacional (Depen).
De acordo com o diretor-presidente da Agepen, Aud de Oliveira Chaves, atualmente a instituição mantém sob custódia mais de 19 mil detentos. “Graças a centenas de parcerias firmadas, conseguimos oferecer inúmeras atividades aos reeducandos, além disso trabalhamos de forma integrada com outros órgãos de segurança pública para inibir atitudes que possam infringir as leis e prejudicar o ambiente carcerário. Nossa missão é justamente controlar o sistema prisional e promover ações que reintegram e capacitam a mão de obra carcerária”, finaliza o dirigente.
(Rafael Belo com assessoria)