“Mato Grosso do Sul nasceu errado, mas não pela divisão e sim na partilha territorial”. diz ex-deputado

Cícero de Souza durante entrevista  ao Portal,de Notícias O Estado MS Online (Foto: Valentin Manieri)
Cícero de Souza durante entrevista ao Portal,de Notícias O Estado MS Online (Foto: Valentin Manieri)

O ex-deputado estadual e conselheiro aposentado do Tribunal de Contas, Cícero de Souza, 76 anos, que presidiu o Legislativo e a Corte fiscal, concedeu entrevista ao Portal de Notícias O Estado MS Online, à TV Player e ao Jornal O Estado MS, onde falou sobre divisão do então Mato Grosso e a criação do Estado de Mato Grosso do Sul, erros e acertos das administrações da nova unidade da federação, da necessidade de implementação de projetos voltados ao social e à economia. Falou também da política partidária e deu sua opinião sobre o momento que o país vive. Leia abaixo a entrevista na íntegra:

 

O Estado: Mato Grosso completou 44 anos. Quais os os avanços e os entraves?

 Cícero de Souza: A divisão com Mato Grosso já era uma pretensão há muito anos, desde a época do império da monarquia, mas os portugueses não deixaram. Quando foi feita a divisão em 1977 essa divisão foi totalmente errônea.  Pelo o seguinte: A área territorial de Mato Grosso uno era de 1 milhão 260 mil km² ,o segundo estado om a maior extensão territorial das 27 unidades do Brasil. Mato Grosso do Sul nasceu errado, mas não na divisão e sim na partilha. Se 1 milhão e 260 mil km², dividido por dois, daria exatamente 630 mil km², mas MS ficou com só 357 mil km², enquanto Mato Grosso ficou 903 mil km², uma diferencia substancial que corresponde a mais ou menos a área do estado de São Paulo, que tem 248 mil km².

 

O Estado: A menor extensão territorial de MS não facilitaria para melhores aplicações no investimento?*

Cícero de Souza:  Quando os políticos querem uma coisa, eles fazem de tudo para favorecer; haviam políticos de Mato Grosso do Sul que, na época, queriam dividir o Estado de qualquer forma. Mas, Mato Grosso foi inteligente. O Mato Grosso uno tinha somente 93 municípios e, na divisão, 55 município ficaram para Mato Grosso do Sul , enquanto ficaram 38 municípios no norte. Porém, eles ficaram com 903 mil km², área quase duas vezes maior que Mato Grosso do Sul.

 

O Estado: Qual foi a fakha?

Cícero de Souza: A nossa população hoje gira em torno de 2 milhões e meio de habitantes. Fazendo uma analogia, a Alemanha tem exatamente a mesma extensão territorial de Mato Grosso do Sul e lá tem 80 milhões de habitantes, 16 províncias e é o maior PIB (Produto Interno Bruto) da Europa, com 4 trilhões e 500 bilhões de dólares. O país mais rico dos outros 50 que compõem a Europa. Nós achávamos que Mato Grosso do Sul era um estado rico e que não precisava de população. Não cativaram ninguém para que entrasse no nosso Estado para ganhar novas fontes econômicas. Agora, começa a ter um desdobramento com as novas tecnologias que vão surgindo da exploração da terra para a soja que vem nos salvando. O nosso rebanho bovino foi o primeiro do Brasil, com 27 milhões de cabeças de gado. Hoje, nós somos o quarto. Primeiro Mato Grosso com 33 milhões, depois Minas Gerais com 28 milhões e depois Goiás, com mais de 20 milhões. Nós nem temos 20 milhões mais.

O que faltou na hora de dividir o Estado foi alguém para falar que a gente precisa de população. Na época, era preciso cativar pessoas para explorarem econômica e evidentemente a interiorização de Mato Grosso do Sul, porque nossa estradas são pífias. Faltou interiorizar e fazer o congraçamento de municípios. De 55 municípios que nós ficamos, fomos para 79, então aumentamos 24 municípios só. Se  fizermos uma analogia de Mato Grosso do Sul e Goiás, que são maios ou menos da mesma extensão territorial.

Goiás tem 246 municípios e fez com que as atividades econômicas daquele estado permanecesse dentro da região, fazendo que seu valor fosse agregado e aumentando sua população para quase 8 milhões.

 

O Estado: Então, falar em Estado Modelo, como na época, foi uma falácia?

Cícero de Souza: O Estado Modelo é aquele que consegue subsistir com suas próprias pernas. Lembro na época em que eu era deputado estadual, Mato Grosso do Sul tinha uma dívida terrível, tão terrível que pagamos até hoje. Então foi falácia, modelo de que? O que nós tínhamos de melhor nós conseguimos destruir um pouco. Mas eu adoro MS e acho que é um dos melhores estados para se viver e crescer economicamente, assim como todo o Centro-Oeste brasileiro. Mas esqueceram economicamente, acharam que boi era tudo, mas não é, tanto que foi diminuindo. Hoje, aumentando áreas de soja e a evolução muito ofertada para a nossa pastagem, foi muito importante. Porque nós conseguimos fazer desse cerrado, que não produzia nada praticamente, produzir hoje soja, milho e trigo.

 

O Estado – O sr. teve sua base eleitoral na região de Três Lagoas onde destacava o maciço florestal com a perspectiva da produção de celulose. Como está segmento na cadeia produtiva do Estado?

Cícero de Souza:  Na década de 70, nós tínhamos o ”Fundo 57”, programa do Governo para fazer o reflorestamento do Centro-Oeste. Naquela época, você ia no banco e não precisava pagar. Foi o maior maciço florestal que já existiu nesse País. De Campo Grande até Três Lagoas, haviam 35 reflorestadoras sediadas na região leste do Estado. Teve falta de gestão do governo federal, os administradores brincaram e não souberam dirigir esse potencial. Hoje, o segundo PIB de MS é de Três Lagoas por causa das indústria de celulose, além do plantio, no município que tem 10 mil km². Sem falar de Ribas do Rio Pardo, que tem quase 19 mil km² e Água Clara, que tem 11 mil km² agora. Esse maciço florestal surgiu porque nossas terras, através de um financiamento que se chamava Polo Centro, nós conseguimos formar nosso cerrado. É evidente que o governo parou com esse projeto e não temos nenhuma ferramenta hoje para trabalhar.

 

O Estado: Como o sr. avalia o trabalho da ministra Tereza Cristina, que é de Mato Grosso do Sul, no comando do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento?

 Cícero de Souza: Falei com a ministra da Agricultura Tereza Cristina que não temos mais ferramentas para trabalhar; o produtor hoje está com a água no nariz. Ele não tem onde se apegar, nenhum projeto de Governo. Poderíamos fazer através do Governo Federal, um projeto de irrigação da bacia nossa que engloba Mato Grosso, Mato Grosso do Sul e Goiás. Veja tanto que nós iríamos aumentar a nossa produtividade, porque a bacia hidrográficas desses três estados é um negócio que no mundo não se acha. Nós temos o rio Paraguai e o rio Paraná. Para formar essas duas bacias, precisa de uma bacia hidrográfica além do Aquífero Guarani. Eu acho que a ministra Tereza Cristina poderia despertar um pouco a atenção para socorrer o produtor rural. Ele não tem mais condições de pagar impostos.

 

 

 

 

O Estado: Como ex-presidente do Tribunal de Contas de Mato Grosso do Sul quais os principais erros erros frequentes de um gestor público?

Cícero de Souza: O gestor não pode confundir as coisas. Primeiro, você não pode aplicar mais daquilo que você tem, se não vai quebrar. É assim que funciona alguma coisa pública e o gestor precisa adequar a sua receita com a sua despesa. A Corte de Contas é uma função muito espinhosa, pois traz muitos dissabores para aqueles que têm que prestarem contas ao Estado. Acho que a orientação é essencial e nós fizemos isso no Tribunal de Contas, com vários cursos e a ESCOEX (Escola Superior de Controle Externo).

 

O Estado: Os eventuais erros de gestores s]ao mais por falta de entendimento do gestor ou má-fé na aplicação do recurso?

 Cícero de Souza: São duas coisas que acontecem, Existem os ingênuos, pois para administrar não precisa ter muita cultura, mas equilíbrio. O homem equilibrado não vai tomar uma decisão de ignorante. Mas esse que age de má-fé, vai tomar a decisão que o favoreça. São duas coisas distintas, mas o equilíbrio é fundamental.

 

O Estado: A Lei de Responsabilidade Fiscal teve realmente efeitos? Deu certo?

Cícero de Souza: Em certa parte sim, ela deu uma reprimida naquilo que estava exacerbado. mas não funcionou completamente. Isso é o que precisamos conscientizar o político. Tínhamos que ter uma normalização da legislação política e a nossa lei, que estabelece os parâmetros da política, deve ter a aprovação do Congresso Nacional. As leis sempre têm mudanças e nuances, por isso o Poder Legislativo deve estar sempre acompanhando a modernidade. Eu tenho certeza que a Lei da Responsabilidade Fiscal reprimiu bastante, mas não foi o ideal. O que precisa mudar é a legislação eleitoral.

 

O Estado: De que fora o sr. contribuiu para a modernização do Tribunal de Contas do Estado?

 Cícero de Souza: Quando eu assumi, uma das primeiras decisões que eu tomei foi entrar em contato com a FGV (Fundação Getúlio Vargas que estava fazendo um trabalho bom aqui no Tribunal de Justiça e procurei fazer uma reformulação administrativa do Tribunal de Contas. O tribunal hoje está com 44 anos de existência e nunca tinha feito isso. A segunda questão foi o concurso público. Nós fizemos o concurso público sem falcatrua. Fiz o projeto e entreguei para comissão a amplos e limitados poderes gerirem os concursos. Coloquei no Tribunal de Contas quase mil computadores e aproximadamente 15 servidores, além da construção de uma caixa forte para todos os processos, dentro de uma sala à prova de tudo. Fizemos a estrutura de segurança através de câmeras e evoluímos, com dois prédios que nós construímos com nossos recursos e nenhuma ajuda do governo. Além disso fundamos, criamos e construímos o Sindicato dos Trabalhadores do Tribunal de Contas. Enfim, procuramos dar ao tribunal uma aparência clara e objetiva, fazendo com aqueles que eram jurisdicionados do Tribunal de Contas não tenham medo.

 

 

O Estado: O sr, foi deputado estadual e, inclusive, presidiu a Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul. Pretende disputar mandato em 2022?

Cícero de Souza: Não tenho mais essas pretensões. Hoje sou um homem de 76 anos e acho que já deixei um legado. Adoro meu Estado, posso participar disso como uma pessoa que quer o desenvolvimento com ideias. Qualquer um quem tenha a responsabilidade de administrar Mato Grosso do Sul e precisar da minha colaboração, eu estarei pronto, independente de qualquer sigla partidária. Eu acho que Mato Grosso do Sul é indiscutivelmente um Estado agropecuário. Pode até se tornar um estado economicamente industrializado, mas não é para já. Eu defendo que a primeiro coisa que devíamos aliviar aqui é a questão dos impostos. É uma violência, não tem quem suporta pagar os impostos nacionais e os impostos estaduais. Hoje o Estado arrecada muito dinheiro e nós precisamos transformar isso em algum benefício para a nossa população. Sempre defendi que a primeira coisa que se deve fazer em MS é um projeto de desenvolvimento econômico, visando unicamente aquilo que temos de produção ou que possamos a vir a produzir. Também precisamos de estadistas em Mato Grosso do Sul, aqueles que pensam na geração futura, de dedicação, compreensão, gente saudável, direita e honesta.

 

O Estado: Qual sua opinião sobre o momento político em que o país vive uma espécie de divisão entre esquerda e direita?

Cícero de Souza: Eu sempre fui contra a esquerda, porque a história nos ensina muitas coisas. Por exemplo o que aconteceu no leste europeu, de 30 anos pra cá, o socialismo acabou com a região e não a levou para lugar nenhum. A Venezuela não é esquerda, é ditadura. Há 60 anos, o PIB da Venezuela era a segunda maior potência internacional, era o dobro da China e quatro vezes maior que o Japão, atrás somente dos Estados Unidos. E hoje, olha o que o país se tornou. Aquilo é uma fantasia, não adianta você produzir.

 

O Estado: O sr. apoia a reeleição do presidente Jair Bolsonaro?

Cícero de Souza:  Não, precisamos de um homem equilibrado. Eu acho que o maior símbolo de uma nação, além da bandeira e o hino, o maior símbolo espiritual é o respeito.

 

Colaborou João Vítor Fernandes

 

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