O jornalista João Guanes estava na expectativa da acessibilidade em poder ler e pesquisar há mais de um ano, no acervo da Biblioteca Pública Estadual Dr. Isaías Paim, que estava fechada desde o início da pandemia do coronavírus, em 2020. Deficiente visual de nascença, ele tem predileção por um cantinho que diz ser especial dentro do espaço público.
O mesmo cantinho também é ponto de acolhimento para o professor José Tavares, que é cego como João. Os dois já são velhos conhecidos e sempre batem muito papo na biblioteca, especialmente na sala da acessibilidade, que tem acervos em braille. São livros, revistas e audiolivros disponíveis para leituras e pesquisas.
Vaidoso, João faz questão de perguntar se está alinhado para ser fotografado para esta publicação e ainda pede para mandar os registros em seu WhatsApp. “Vou te ensinar: você manda a foto e faz a descrição pra mim. Escreve ali que são fotos feitas para o jornal, se estou sentado, bonito (risos). Estas coisas.” Um programa no celular faz a descrição em áudio do conteúdo escrito enviado.
Além de mostrar que as pessoas cegas e de baixa visão não estão atrasadas quanto ao uso da tecnologia, o jornalista deixa a lição para quando alguém for se dirigir a uma pessoa com essas deficiências que também faça sua autodescrição. Isso pode conter informações como nome, idade, estatura, cor dos cabelos, como está vestida. Ajuda a criar uma relação mais próxima.
A palavra escrita não é acessível para 6,5 milhões de pessoas brasileiras que possuem deficiência visual, sendo 582 mil cegas e 6 milhões com baixa visão. Mas, felizmente, os governos têm criado possibilidades, que ainda precisam melhorar, mas há o interesse de alguns gestores em pensar políticas públicas.
O secretário adjunto da Secic (Secretaria de Estado de Cidadania e Cultura), Eduardo Romero, destaca a importância de se respeitar e praticar as políticas públicas de direitos. “É importante ter este material tão rico na biblioteca pública para saberes culturais desse público.”
Sensibilidade e acessibilidade
A titular da Subsecretaria Estadual de Políticas Públicas para Pessoas com Deficiência, Telma Nantes de Matos, destaca que é preciso esta sensibilidade em oferecer acessibilidade porque as pessoas buscam informações, independente das suas condições ou deficiência. “Enquanto subsecretaria, temos o compromisso para fortalecer mais este trabalho. Tive o privilégio de conhecer o Dr. Isaías Paim e a sede que ele tinha por informação, estudos e sua doação de acervo pessoal para nossa biblioteca também precisa ser divulgada”, diz.
No espaço da acessibilidade dentro da biblioteca estadual, que fica no prédio da FCMS (Fundação Estadual de Cultura), na Avenida Fernando Corrêa da Costa, 559, quase esquina com a Avenida Calógeras, que muitos batizam de “antigo fórum”, há uma impressora para material em braille. A barreira está no comércio, que não vende em Campo Grande o papel contínuo próprio para esse tipo de impressão. É preciso comprar em Três Lagoas ou outro estado.
Outros equipamentos disponíveis são as lupas para pessoas com baixa visão e uma linha braille, também conhecida como display braille. Com o hardware é possível exibir em braille a informação contida na tela de um computador, inclusive tem entrada para pen drive. Com custo aproximado de R$ 8 mil, a tecnologia portátil é muito bem cuidada pela coordenadora da biblioteca estadual, Eleuzina Crisanto de Lima.
Eleuzina é responsável por mais de 43 mil exemplares dentro da biblioteca, inclusive de equipamentos e publicações que ficam no espaço da acessibilidade. O acervo é composto, inclusive, por doações do médico psiquiatra que dá nome ao prédio. Isaías Paim doou livros e também sua vídeoteca composta de mais de 600 filmes. Ele faleceu em julho de 2004, cego.
Para fazer leituras na biblioteca e no espaço da acessibilidade é preciso fazer agendamento, por conta de limitação de público exigida em razão da pandemia de coronavírus. Empréstimos de equipamentos não são liberados, mas livros podem ser retirados até três exemplares por vez, podendo ser renovada a autorização. Informações sobre funcionamento e documentos necessários, basta ligar nos telefones: (67) 3316-9161 e (67) 3316-9177.
“A cultura é uma das maiores ferramentas de disseminação da cidadania e, por isso, inserir e fortalecer a inclusão nas atividades culturais é fundamental. A Fundação de Cultura de Mato Grosso do Sul atua sempre na vertente de proporcionar acessibilidade a toda a comunidade em suas ações”, destaca Gustavo Cegonha, diretor-presidente da FCMS. (Da redação)