No dia que homenageia o profissional de biologia, duas guerreiras falam da profissão
Hoje é celebrado o Dia do Biólogo. Alguns profissionais dedicam toda uma vida ao manejo e à conservação do meio ambiente. O caderno Artes&Lazer trouxe a dra. Neiva Guedes, que preside o Instituto Arara Azul, e a dra. Letícia Larcher, secretáriaexecutiva do IHP (Instituto Homem Pantaneiro), atuante na linha de frente do combate a incêndios no Pantanal, para compartilhar um pouco de suas histórias e falar sobre os desafios da profissão.
Em 2021 a dra. Neiva Guedes completa 31 anos à frente do trabalho, que ela considera uma paixão. Neiva vive pela promoção da conservação ambiental. Ela falou sobre as dificuldades encontradas no início de seu projeto e ressalta que usou dinheiro que tinha guardado. “As dificuldades foram inúmeras. Inicialmente recursos financeiros, apoio, depois equipe (para treinar e ficar por longo prazo, pois para andar no Pantanal leva-se tempo). Então, tive vários altos e baixos. Momentos bem difíceis que me fizeram até pensar em desistir, mas esse pensamento durou pouco e só me fortaleceu, para seguir sempre em frente. Continuo trabalhando. Apenas para exemplificar, no começo do projeto, eu fiquei sem receber um tostão e investi minha poupança para continuar os trabalhos de campo, porém vejo que valeu a pena”, disse a doutora.
Com o tempo o reconhecimento veio e Neiva coleciona seus feitos ao longo da carreira. “No início do projeto, tive necessidade de veículo próprio para ser independente. Quando consegui um jipe bandeirante da Toyota foi um grande salto nas pesquisas. E assim foi quando consegui ser contratada pela Uniderp (antigo Cesup). A conquista da primeira base no campo, na Fazenda Caiman, além da criação e depois a construção da sede própria em Campo Grande, além de ter hoje uma equipe de mais ou menos 12 pessoas trabalhando com o mesmo gosto e entusiasmo que eu”, celebra a bióloga.
Araras-azuis no Pantana
As araras-azuis já estiveram à beira da extinção, mas, com muita luta, Neiva conseguiu reverter esse quadro, porém segue alerta no cuidado com os bichinhos que embelezam o Pantanal. “As ararasazuis são resilientes, lutadoras, não abandonam ovos ou filhotes mesmo diante da tragédia ou dos grandes incêndios. Temos isso registrado em câmera trap (equipamento montado fixo para fotografar animais em seu habitat). Mas ao mesmo tempo são suscetíveis. O somatório de fatores como mudanças climáticas, alteração e perda de habitat, além da pressão do ambiente e o próprio estilo de vida delas, que comem poucos frutos na natureza e utilizam grandes cavidades para se reproduzir. Além disso, os incêndios levam a perdas de espécies, às vezes promovem o benefício de outras. O fato é que, além disso, alteram as relações entre as espécies, que vivem num ecossistema harmônico, que o homem vem alterando numa velocidade galopante”.
População de araras em Campo Grande
Não é só no Pantanal que Neiva monitora araras, na Capital é evidente a presença dessas aves graciosas, e a bióloga considera um privilégio tê-las por perto. “Eu amo as araras em Campo Grande. Sinto-me privilegiada em tê-las aqui. E se a cidade comporta elas, que vivem e se reproduzem, inclusive se dispersando e recolonizando outras regiões, acho isso bom. Se a cidade é boa para elas, para os demais seres vivos, é boa para o homem também”.
Questionada sobre o que é ser bióloga, Neiva afirma que é lutar pela vida. “Ser bióloga é minha vida, a pesquisa, o entendimento dos fatos, das relações, das interações entre as espécies e o meio em que vivem. Enfim, o conhecimento do ciclo de vida. E acima disto, a luta pela conservação da biodiversidade. Ser bióloga é lutar pela vida de todas as formas: das mais simples até as mais complexas”.
Para a execução dos projetos do Instituto Arara Azul é necessário contar com empresas e pessoas que colaboram de diferentes formas, e uma delas é por meio da política de patrocínio da instituição, como também das campanhas “Adote um Ninho”, como fomento ao Projeto Arara Azul, e “Adote um Filhote”, ligada ao projeto Aves Urbanas-Araras na Cidade, em que simbolicamente ninhos e filhotes podem ser adotados. Por meio do site da instituição e de suas redes sociais é possível conhecer um pouco mais sobre os trabalhos realizados, acompanhar e optar por uma das formas de como ajudar: https://www.institutoararaazul.org.br/ como-ajudar/.
Homenagem da ‘mana’
Eliane C. Vicente, doutora em Ciências Biológicas e pesquisadora e coordenadora do projeto Morcegos Brasileiros, é amiga de Neiva e não poupou elogios para aquela que chama de “mana”. “A Neiva é uma profissional à frente do seu tempo. Ela não enxerga apenas seu objeto de pesquisa, ela vê como um todo. Nós trabalhamos juntas, pois eu estava estudando a presença de morcegos nos ninhos das araras, e o resultado desse estudo foi publicado na revista ‘Nature’”.
Eliane ainda pede para relatar uma história ocorrida no Pantanal. “Estávamos de caminhonete no campo quando avistamos um gavião com um filhote de quati nas garras. O gavião se assustou com a movimentação do veículo e derrubou a presa. Todos da equipe foram ver o filhote. A Neiva percebeu que o gavião esperava a gente sair, para pegar de volta o quati. Preocupada com o manejo, ela pediu que fossemos embora, para que o gavião levasse seu alimento. A Neiva é isso. Ela enxerga o todo e não só o que está à sua frente. Ela é uma grande amiga e fico lisonjeada em poder falar sobre ela. Ela batalhou muito para chegar aonde está e se alguma pessoa quer saber o que é o trabalho de biólogo, eu digo que é Neiva Guedes”.
Combatendo o fogo
A dra. Letícia Larcher trabalha no IHP, no combate de incêndios, na região da Serra do Amolar, e explicou a linha de atuação. “Prevenção e planejamento. Falamos isso com muita segurança de que são as duas ações fundamentais para evitar que incêndios florestais atinjam novamente a Serra do Amolar. Empenhamos nossos esforços no Manejo Integrado do Fogo, fazendo abertura de acessos, aceiros, educação ambiental com a comunidade, treinamentos de combate”.
“Elaboramos um Plano Operativo de Combate a Incêndios Florestais, para a região da Serra do Amolar, documento base com informações sobre como acionamento de combate, sistemas de alerta, áreas prioritárias para prevenção, mapas de carga/combustível, mapas de acessos e informações de contatos dos responsáveis em cada instituição envolvida no combate. Essa é uma ação de prevenção e planejamento que pode tornar nossa ação de combate muito mais eficiente. Até o momento, em 2021, não tivemos incêndios na Serra do Amolar. Porém a Brigada Alto Pantanal, do IHP, está pronta para atuar caso aconteça”, explica Letícia.
Um ano de aprendizado
Para a dra. Letícia, 2020 foi um ano de aprendizado. “Em 2020, muitas brigadas surgiram. Organizações governamentais, privadas e do terceiro setor, cada um estava atuando com sua capacidade máxima. Porém, vimos a falta de alinhamento entre as operações em diversas ocasiões. Esse curso foi uma oportunidade, oferecida pelo Ibama PrevFogo e também Corpo de Bombeiros de Mato Grosso do Sul, que serviu tanto para mostrar uma metodologia eficiente de comando de incidentes quanto para alinhamento entre os envolvidos. Hoje, caso aconteça uma operação de combate, a linguagem será única, todos terão ciência do que é um comando unificado e a terminologia será comum, facilitando a interação e promovendo sucesso nas operações”, esclarece.
Ofício apaixonante
Letícia Larcher cita o pesquisador brasileiro Newton Freire-Maia, para declarar seu amor à profissão que tanto ama. “A biologia é apaixonante e sem limites. Há muitas oportunidades para quem entende que precisa pensar fora da caixa, sair dos grandes centros, e se dedicar com paixão. Newton FreireMaia foi um pesquisador barasileiro dedicado a estudar genética, mas conhecido também por ser muito sábio com as palavras. É dele uma das minhas citações favoritas: ‘O jovem que deseja ser cientista, e à ciência dedicar todo o seu tempo e amor, tem pelo menos três certezas: a de que morrerá um dia (como todo mundo), a de que não ficará rico (como quase todo mundo) e a de que se divertirá muito (como pouca gente)’”, finaliza a doutora.
(Texto de Marcelo Rezende)