Ministério Público Federal confirma milícia em Dourados. Mas, é preciso entender a história. A Reserva Indígena da região, se tornou urbana pela proximidade com a cidade. São 100 anos de existência que contam hoje com cerca de 18 mil indígenas e, por essa população, é considerada a maior do país. Outros fatores que a destacam não são bons. Os índices de violência e vulnerabilidade humana são altíssimos e vão de homicídio, suicídio, violência doméstica e infantil a estupro. Estes dados a torna um ambiente de crise humanitária, de acordo com o CIMI (Conselho Indigenista Missionário). Fora isso, a fome e a desnutrição vem assolando os primeiros povos do país. Além disso, o MPF (Ministério Público Federal) confirmou a atuação de milícias na região por meio de um estudo que encomendou das universidades Unisinos e UFGD.
“Recordo-me que tempos atrás o Ministério Público (MP) comparou alguns dados de vulnerabilidade de campos de refugiados em condições subsaarianas e observou que há dados muitos semelhantes identificados na Reserva Indígena de Dourados de subnutrição e violências”, revela Flávio Vicente Machado, missionário do CIMI. Ele relata que vinculado a essa situação existe uma série de ocupações do entorno da cidade de Dourados, que acabam tendo também um efeito da urbanização da região e, consequentemente, do conflito com a situação urbana.
“É quando surgem muros e conflitos com sitiantes do entorno. Recentemente teve a questão do caveirão, que passou no Fantástico. É um fazendeiro que blindou um trator para atacar as comunidades indígenas aqui em Dourados”, pontua. Flávio Vicente Machado explica que os acampamentos decorrem da incapacidade da Reserva acolher essas pessoas. “Não tem mais espaço, não tem nenhuma condição mais de sobrevivência de famílias, não há possibilidade de produção de alimentos nem de subsistência. A reserva virou um periferia comparada as piores do planeta. São condições muito subumanas que se encontram ali”, avalia.
sobre a existência de milícias (Ministério Público Federal confirma milícia em Dourados)
O missionário conta que há desdobramentos sobre o contexto dos ataques contra os Guarani/Kaiowá. O Ministério Público Federal (MPF) solicitou um estudo para Unisinos e UFGD para averiguar as circunstâncias das mortes de indígenas em confrontos. O estudo revela que há um modus operanti de como ocorrem. Todas as mortes que são cerca de 16, resultado de ataques dos últimos 18 anos, têm um mesmo processo. Reunião em sindicato, articulação por grupos de whatsapp, organização de instrumento de armas de grosso calibre e uso restrito, organização paralela e de envolvimento de militares fora do horário de trabalho. Existe no Sul de Mato Grosso do Sul e em ações judiciais, estudos que dizem que existem milícias armadas para atacar os indígenas e resistir a este processo de posse indígena. Veja abaixo o destaque do MPF e o link completo do estudo abaixo. (A matéria nesta quarta (26) ontem no site do orgão da união. CLIQUE AQUI PARA LER)
O MPF destaca que os crimes cometidos em Caarapó compõem um quadro de ataque sistemático contra os povos Guarani e Kaiowá e podem ser classificados como crimes contra a humanidade. De acordo com o parecer elaborado pelo Núcleo de Direitos Humanos da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), coordenado pela professora Fernanda Frizzo Bragato,, “o material analisado sobre os 24 ataques (a comunidades Guarani e Kaiowá) permitiu concluir que a série de crimes investigados ou denunciados pelo MPF constituem ataques que não são isolados, aleatórios ou desconectados entre si, mas sistemáticos e generalizados. São características que permitem seu enquadramento como crimes contra a humanidade, nos termos do art.7.1 do Estatuto de Roma e de acordo com vasta jusrisprudência internacional”
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“Em Dourados, acontece o mesmo. O registro de ataques de milícias é semanal. Houve semanas nas quais os ataques foram sequenciais por 20 dias. Eu lembro em 2019, que houve indígenas baleados mais de uma vez em pouco tempo. Há comunidades com quatro baleados em um ataque. Teve um jovem que em um confronto teve sua mão decepada pela explosão de granada e a polícia estava presente. Então, existe sim a atuação de milícias em Dourados. É uma atuação diferente das que atuam mais nas áreas de campo, mas, há o contrato de empresas privadas de segurança que exercem a função de milícia armada. São casos como do cacique Nísio Gomes, dos Professores Rolindo Vera e Genivaldo Vera e tantos outros”, aponta o missionário. O corpo do Rolindo ainda está desaparecido assim como do cacique
(Assista ao vídeo abaixo gravado pela liderança da Aldeia Jaguapiru, Izael Morales, que depois do vídeo fala sobre a situação na Reserva.)
Falta de vida digna
Izael Morales, está indo para quarto mandado na liderança da Aldeia Jaguapiru. Ele conta que a situação mais difícil na aldeia é a falta de alimento. Em uma fala sofrida, a liderança destaca que tem se desdobrado para amenizar as necessidades do povo indígena. “Temos procurado ajudar a Jaguapiru e a Bororo atendemos semanalmente mais de 120, 130 crianças com uma casa de sopa. A maior dificuldade – além da falta de alimento – é o desemprego e a ausência de preparo dos pais para conseguir um emprego. A gente recebe o benefício, mas é pouco. Não dá para atender o mês todo”, revela a liderança.
Izael tem um escritório na frente da escola da Aldeia chamado Tribo Unida. Lá ele trabalha com atendimento diário aos aos indígenas, com agendamento e encaminhamento de documentos. Há também assistente social no local e um estagiário da Universidade Federal. Todos são voluntários. “Os agentes de saúde trabalham diretamente fazendo visitas na casa, levando informação para nossa comunidade e são testemunhas da nossa falta de uma vida digna para nossas crianças e nossas famílias. Eles são provas vivas disso”, pontua.
A liderança da Aldeia Jaguapiru, está direcionando o vídeo postado junto com esta reportagem, para o Dr Marco Antônio do Ministério Público Federal. “É para ver se ele consegue nos ajudar. O Estado já está com algum tempo sem cadastro dos nossos indígenas para adquirir cesta básica para nosso pessoal. Agora, nessa pandemia, aumentou demais as famílias e a gente não tem mesmo como servir estas famílias que vêm nos procurar pedindo ajuda. Estamos apelando para todo lado pra ver se a gente consegue alguma ajuda”, revela Izael.
Segundo Izael, já há um registro com mil famílias cadastradas no Estado, mas mesmo assim existe muita necessidade. A liderança destaque que praticamente 100% dos indígenas estão vacinados com a primeira dose contra a COVID-19 e agora espera a segunda dose. “A maioria da comunidade já está bem consciente e a gente só estava aguardando chegar a segunda remessa da vacina”, conta.
As etnias presentes na Jaguapiru são Kaiowá, Guarani e Terena, mas já há alguns brancos casados com indígenas. Na Bororó as predominantes são kaiowá e Guarani, mas já tem alguns terenas e brancos por lá também.
mulheres indígenas
Lenir Paiva Flores Garcia é presidente da Associação de Mulheres Indígenas de Dourados (AMID). Ela conta que antes da vacinação estava tudo mais difícil, principalmente, porque muitos índios morreram em decorrência da COVID-19. “Nosso papel da AMID é incentivar a comunidade a usar máscara e não sair de casa para visitar ninguém. Falo sobre a importância da vacina, mas ainda têm indígenas que não foram vacinados. Esses falam que o presidente Jair Bolsonaro disse que quem tomar a vacina vira jacaré”, relata Lenir.
Ela conta que no começo ninguém acreditava na doença e, assim, não usavam máscaras, mas começaram a morrer conhecidos, parentes e vizinhos. “A maioria dos meus vizinhos pegou COVID. Eu ensinei eles a tomarem e usarem os remédios caseiro que eu faço. Todos que tomaram sararam. Esta é minha preocupação. Tenho que falar para eles a verdade: vacina não faz virar jacaré. Falo para eles não acreditarem no que o presidente fala. O presidente quer que a gente morra”, avalia a presidente da AMID.