Dia 11 de outubro Mato Grosso do Sul celebra mais um ano do marco da divisão do Estado, registrado na memória por meio de fotos, artigos, matérias de jornais e também em filmes produzidos nessas mais de quatro décadas, dando forma à identidade audiovisual de MS. Personalidades do cinema daqui abordam essa vertente artística sob o olhar histórico, crítico e pessoal.
Coordenadora do Museu da Imagem e do Som, Marinete Pinheiro é cineasta e afirma que a produção vai ao encontro do cenário nacional. Ela aponta que a cinematografia audiovisual até a data da divisão do Estado está levantada no pesquisa de Luiz Carlos Borges, com o livro “Memória e Mito do Cinema em Mato Grosso”, não incluindo o “cinema novo de MS”, mas sendo base para entender em que cenário esse movimento seria construído.
De obras marcantes nesse período de transição para Mato Grosso do Sul ela começa citando: “o filme do Davi Cardoso ‘Caingangue – A Pontaria do Diabo’, que é realizado nos anos 70 – antes da criação do Estado de Mato Grosso do Sul – e que mostra o Estado na cidade de Maracaju como um vilarejo, uma rua de terra, e como ele consegue levar uma produção tão grande com a cavalaria do exército para uma região daquela”. O cinema brasileiro vive nessa época um momento de ditadura militar e não se podia fazer filmes com cunho político, então Marinete comenta que a pornochanchada é o que era possível produzir àquela época no cinema brasileiro.
“O Cândido filma nos anos 80 a ‘Conceição dos Bugres’, que é um curta-metragem ainda filmado em película, e isso de certa forma marca cenários desse Novo Estado. A gente tem pouca produção significativa nesse período de criação do MS porque a gente ainda fica muito confuso, acho que o Brasil inteiro até hoje ainda fala de Mato Grosso como estado único, uma confusão de que o Sul seja o Norte”, complementa a cineasta.
Estado dividido
Marco na independência da região sul em relação a Cuiabá, capital de Mato Grosso, a assinatura em outubro de 1977 criou um novo Estado, implantado em 1979, que teria daí então fortes representantes para estruturar o seu audiovisual. “Depois da divisão temos o ‘Comitva Esperança’, que é Almir Sater e Paulo Simões, que fazem essa viagem pelo Estado procurando pelas fazendas, cantando, e mostrando um Pantanal completamente rural, diferente do que temos hoje, que é muito mais de exploração do turismo nacional e internacional”, diz a coordenadora do MIS.
Marinete ressalta o poder de uma obra cinematográfica não só ser influenciada como também ilustrar o período em que é feita, mesmo que nas entrelinhas. “A gente tinha ali no filme deles um espaço mais do homem pantaneiro, que está se perdendo por conta da configuração econômica de exploração, mais da questão do turismo de natureza”, afirma.
“Vejo sempre o cinema, por mais que essa produção seja pequena, como a possibilidade de a gente ver esse momento em que o filme foi produzido e fazer uma referência com o que a gente tem hoje”, diz ainda.
Durante a conversa ela então retoma a obra “Conceição dos Bugres”, filmada em película por Cândido Alberto da Fonseca em 1980, para citar o significado que esse momento histórico possui para o registro da identidade sul-mato-grossense. “Dela produzindo bugre, andando pela 14 de Julho para comprar material, uma completamente diferente da que a gente tem hoje. Então para mim o cinema marca historicamente momentos como esse, que é interessante de fazermos reflexão.”
Fomento
Atualmente o cenário audiovisual regional tem seus representantes que buscam aumentar o alcance dessa arte, mas ajudas que vêm de fora para dar maior visibilidade às causas locais são sempre bem-vindas, como a obra de Vincent Carelli, “Martírio”, gravando nas aldeias e destacando uma realidade característica do povo desta terra.
Como iniciativa de valorização de obras daqui, Marinete comenta: “a criação da Ascuri, uma associação de produtores audiovisuais indígenas, que vem nos últimos dez anos com 80 produções feitas nas aldeias, e acaba de conquistar uma vitória supersignificativa, que conquista um espaço na TV Educativa semanal, fazemos uma articulação para eles mostrarem esse trabalho que foi produzido num período dessa década”.
Ao citar os desafios na difusão das obras locais, ela levanta a falta de formação e aponta, também como gestora do MIS, que: “a gente sempre tentou colocar nas nossas visitas escolares que os estudantes assistam a produção realizada no Estado, da questão da janela. Elas são fundamentais para a gente difundir essa questão audiovisual e, de certa forma também, fazer uma reflexão por ela”.
Ator e diretor, Filipi Silveira também destaca a mesma problemática de Marinete, dizendo: “o cinema é uma arte muito cara e demanda muito tempo desde a pré até após, nos dias de hoje está mais caro ainda o que faz com que as produções acabam surgindo por meio de incentivos culturais por meio de ações de governos municipais, estaduais e federais de modo que os profissionais possam receber pelo seu trabalho, que são constituídos por produtoras com seus realizadores ou realizadoras e coletivos formados por pessoas que entram neste processo aprendendo fazendo ou com uma formação de fora e depois retornam ao Mato Grosso do Sul como pássaros de volta ao ninho, agora com a UFMS tendo turmas de Audiovisual talvez este cenário mude mais pra frente se quiserem seguir o cinema é claro, afinal o audiovisual é muito amplo”.
Em panorama do cenário audiovisual local, Marinete diz que tem realizadores no Estado que acabam vindo de outras áreas para o audiovisual: “e, o cinema por exemplo, é uma atividade que é difícil. Tanto que são poucos os que continuam produzindo. E vemos outros produtores significativos que acabam indo para outros lugares, por não ter essa possibilidade de continuar com esse cenário e produção daqui”.
Joel Pizzini é um que transita pelos cenários de produção do Rio, São Paulo e que, já por volta do fim da década de 80 e começo dos anos 90, pensava em consolidar o cenário audiovisual de MS, e diz: “estou envolvido desde que o Matão é Matão, porque sempre tive essa preocupação. Até o nome da produtora era Polo MS, virou Polo Filmes depois, mas já com essa utopia de criar um Polo no Estado. Essas idas e vindas são por conta disso”.
Filipi ainda faz uma indicação de obra local que o marcou, citando o colega. “Revisitando a memória acho justo então citar ‘Caramujo- -Flor’, de Joel Pizzini, cujo filme, além de ser um crossover com participações de grandes artistas de Mato Grosso do Sul, é sobre o nosso poeta Manoel de Barros em um cenário que faz parte da identidade de Mato Grosso do Sul que é o nosso Pantanal.” “Caramujo Flor”, entre outros prêmios, foi escolhido o melhor curta-metragem do Festival de Huelva, na Espanha.
Além de poetas, os temas do cinema local transitam nas mais diversas abordagens e Marinete cita como exemplo o filme “Terra Vermelha”, em que é característica a disputa de terra entre agronegócios e comunidades indígenas. “Tem o ‘Cabeça Prêmio’; um que deve estrear ano que vem e que chama ‘Pele Morta’, e trata de uma personagem indígena, um longa-metragem financiado pela Ancine. Também outro filme, ‘Madalena’ que fala do agronegócio e está em pós-produção e deve ser também lançado ano que vem”, lista alguns primeiros que vêm à memória, sendo que “Madalena” foi rodado em Dourados e representou o Brasil em 2019 no Festival de San Sebastian, na Espanha.
Filipi finaliza dizendo: “eu acho que estamos já sentindo as mudanças que foram fortemente aceleradas pela pandemia por conta do Coronavírus, acredito que o serviço de streaming mostrou aos espectadores que existe narrativas e filmes de qualidade de várias localidades do mundo, o que vale é uma boa qualidade técnica e principalmente uma boa história, eu não troco a sala de cinema por nada, espero logo que venha a cura para voltarmos assistir os filmes com segurança, mas eu vejo algo positivo neste novo formato, pois o espectador quer agora conhecer filmes ou séries de diversos locais do mundo, quem sabe no futuro possamos ver inclusive obras produzidas em Mato Grosso do Sul por realizadores locais nestes serviços levando nosso trabalho para o mundo inteiro, estou em breve para filmar meu primeiro longa- -metragem, quem sabe né?”.
(Texto: Leo Ribeiro)