Entrevista com a Subsecretária de Políticas para Mulher de CG

O crime da importunação sexual tem de ser denunciado e os autores investigados, responsabilizados e punidos, assegura Carla Stephanini

Os bloquinhos carnavalescos já começaram e seguem a todo vapor. Em Campo Grande, a previsão é de que o Carnaval de rua tenha número recorde de público neste ano. Mas, além da diversão, existe a preocupação, principalmente por parte das mulheres, em relação ao assédio e à importunação sexual causados por alguns homens que ainda não aprenderam sobre o respeito ao corpo alheio. “Ela deve procurar a autoridade policial e fazer o boletim de ocorrência na Casa da Mulher Brasileira, onde fica a Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), lembrando que a Casa funciona todos os dias 24 horas”, informou a subsecretária municipal de Políticas para a Mulher, Carla Stephanini.

‘Mulher deve procurar a autoridade policial e fazer o boletim de ocorrência’, diz a Subsecretária municipal de Políticas para a Mulher

A campanha “Vai na Moral, Respeite as Minas no Carnaval”, promovida pela prefeitura, deu início na segunda-feira (17). A ideia é informar o folião de como reconhecer o assédio. Advogada e pós-graduada em Gênero e Políticas Públicas, Carla Stephanini atuou na gestão pública, como a primeira coordenadora de Políticas Públicas para as Mulheres da Prefeitura Municipal de Campo Grande, de 2005 a 2006, e, em 2007, assumiu a Coordenadoria Especial de Políticas Públicas para a Mulher do governo do Estado. Foi vereadora por Campo Grande e tem vasto conhecimento nos crimes de violência contra a mulher. Por meio da subsecretaria municipal, a Casa da Mulher Brasileira tornou-se referência nacional na luta da integridade e em defesa da mulher.

Se a mulher não corresponde à paquera, se há contato físico com esse homem, tudo isso se enquadra em importunação sexual. Por isso que se diz: “Não é Não”!

O Estado – O que a mulher deve fazer se sofrer importunação sexual no Carnaval?
Carla Stephanini: Ela deve procurar a autoridade policial e fazer o boletim de ocorrência na Casa da Mulher Brasileira, onde fica a Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), lembrando que a Casa funciona todos os dias 24 horas, ou seja, ela não fecha nunca e vai seguir em ritmo normal no período de Carnaval. A denúncia é muito importante, porque o primeiro passo é investigar os denunciados, para que sejam responsabilizados e punidos. É importante demonstrar à sociedade que não se pode conviver com a violência contra as mulheres.

O Estado – A subsecretaria iniciou ações voltadas para os dias de folia? Quais seriam?
Carla Stephanini: Foi Idealizada a campanha “Vai na Moral, Respeite as Minas no Carnaval. Assédio é Crime”, onde foram disponibilizados abanicos, que passaram a ser entregues na segunda-feira (17) ao público. De forma criativa o material explica como reconhecer o assédio. Se a mulher não corresponde à paquera, se não é vontade do desejo da mulher, se há contato físico com esse homem, tudo isso se enquadra em importunação sexual. Por isso que se diz: “Não é Não”! Neste formato, tanto os homens quanto as mulheres reconheçam o que é assédio, como ele se manifesta e os números telefônicos em que as mulheres podem solicitar ajuda. O número 153 que é da Patrulha Maria da Penha, da Guarda Municipal, e o próprio 190 da Polícia Militar.

O Estado – A Casa da Mulher Brasileira é o local para denunciar esses tipos de assédio? Outras delegacias podem receber também as queixas.
Carla Stephanini: Todas as delegacias podem fazer o registro do boletim de ocorrência, ocorre que eles serão remetidos para a Deam para formulação do inquérito. O crime da importunação sexual tem de ser denunciado para que a violência contra a mulher seja subnotificada e dessa forma ter registros efetivos desse tipo de violência; é a partir desses registros que se pode formular as políticas públicas para mulheres.

O Estado – A Casa da Mulher Brasileira completou cinco anos em Campo Grande; quais as vitórias alcançadas?
Carla Stephanini: Se for analisar os dados da Polícia Civil gerados por meio da Secretaria de Segurança Pública do Estado (Sejusp), houve redução nos comparativos entre 2018 e 2019 em casos de estupro, ameaça e feminicídio. Isso é muito significativo, mas a grande demonstração dos cinco anos dos serviços da Casa da Mulher Brasileira é que é possível integrar diversos serviços e tirar as mulheres da rota crítica, porque a vítima antes tinha de procurar cada uma das instituições, e de forma isolada, e relatar diversas vezes a mesma história sofrida. Além disso, a Casa da Mulher Brasileira trouxe para Campo Grande agilidade e celeridade para que a mulher rompa o ciclo de violência que esteja vivendo.

O Estado – A Casa Mulher Brasileira é mantida por qual Poder Público? Quem tem a gestão do local. Quais as instituições existentes?
Carla Stephanini: A Casa da Mulher Brasileira foi inaugurada em 2015, construída e equipada com os recursos do governo federal. Na época foi firmado um convênio com a prefeitura municipal para apoiar a manutenção da Casa. Este convênio ainda está em vigência, entretanto, a Casa, ao fim do ano de 2016, passou a sofrer sérios riscos no funcionamento. A partir de 2017, na gestão do prefeito Marquinhos Trad, foi recuperado o convênio e feito um termo aditivo do prazo de vigência. Houve uma reestruturação da Casa da Mulher Brasileira naquilo que compete à Prefeitura Municipal de Campo Grande, adequando seus quadros de servidores no sentido de atender as diretrizes do funcionamento da Casa, que hoje cumpre fielmente essas diretrizes. Além disso, a prefeitura também, a partir de 2017, recebeu do patrimônio público da União a Casa da Mulher e passou a ter a gestão administrativa da Casa, compete ao município dar todas as condições para que as instituições que lá atuam possam ter de forma adequada o desenvolvimento dos seus trabalhos. Na Casa da Mulher Brasileira existe a Deam (Delegacia Especializada de Atendimento à Mulher), a Vara de Medidas Protetivas, Ministério Público, Defensoria Pública, Funsat (Fundação Social do Trabalho), Patrulha Maria da Penha, composta pela Guarda Municipal, e os setores psicossocial interno e externo para que seja dada a continuidade no atendimento e ser incorporada em um programa social. Essa mulher violentada é encaminhada para o atendimento da assistência social do município e para a rede de saúde.

“O crime da importunação sexual tem de ser denunciado para que a violência contra a mulher seja subnotificada e dessa forma ter registros efetivos desse tipo de violência; é a partir desses registros que se pode formular as políticas públicas”, lembra Stephanini

O Estado – A Casa da Mulher hoje é referência nacional no atendimento. A mulher tem todo tipo de amparo, existe até mesmo alojamento de passagem para receber a vítima e filho(s) se for necessário?
Carla Stephanini: Existe esse alojamento onde a mulher pode ficar por até 48hs junto com seus filhos menores, quando sofre risco de morte, até que ela tenha um local seguro para ser encaminhada, como a Casa Abrigo, que é gerida pelo governo do Estado, para um outro lugar, que seja membro da família ou com quem ela tenha uma relação de amizade. Tem de ser um lugar onde possa estar a salvo desse agressor até que sejam conferidas a ela também as medidas protetivas. Na Casa da Mulher Brasileira existe uma brinquedoteca, para atender as crianças que vêm acompanhadas da mãe.

O Estado – As mulheres estão sofrendo mais violência ou aumentaram os registros?
Carla Stephanini: Os números e os registros realmente são muito significativos. Sobre os atendimentos da Casa da Mulher Brasileira, digo que são superlativos, na questão do compromisso de todas as instituições que lá atuam no enfrentamento à violência contra a mulher e na proteção e no acolhimento. Ao observar os números da Polícia Civil, por exemplo, os registros de boletim de ocorrência aumentaram, ainda que os crimes graves diminuíram em relação a 2019 e 2018. Isso quer dizer que as mulheres, ao primeiro sinal de violência sofrida em um relacionamento abusivo, estão buscando ajuda do Poder Público, especialmente dos serviços da Casa da Mulher Brasileira que conferem a ela proteção e acolhimento. E tudo isso somado à Lei Maria da Penha. A rede de atendimento tem dado confiança à mulher para buscar ajuda. A violência contra a mulher é subnotificada, ainda que os números sejam expressivos; há muitas mulheres que vivem em relacionamentos abusivos, que vivem num ciclo de violência, mais ainda não se encorajaram a buscar ajuda. Por isso a importância das campanhas de prevenção de se fazer no decorrer do ano, porque os índices de denúncias aumentam nesses períodos de luta. Então, dizer que a violência aumentou, eu prefiro neste momento dizer que essa violência está sendo revelada e que as mulheres estão encorajadas a buscar ajuda.

O Estado – Por que não é fácil romper o ciclo da violência?
Carla Stephanini: Porque se trata de relações de afeto, a princípio de uma relação de amor e de família. Muitas vezes tende-se a colocar o êxodo dessa relação nos ombros da mulher ao passo que a gente sabe que não é isso, o êxodo de uma relação é a dois, é das duas pessoas que estão nela, então com isso muita das vezes o comportamento do próprio agressor, sempre culpabilizando a vítima, menosprezando, julgando, desqualificando essa mulher, mina a autoestima da mulher. Então, neste sentido, a mulher acaba tendo essa dificuldade de sozinha romper o ciclo da violência. Por isso também a importância dos serviços de apoio a essa mulher, de proteção e acolhimento. Porque ela tem de se encorajar para denunciar. Não é fácil denunciar. A gente tem de entender, por mais que saiba que o agressor mora dentro de casa, a gente sabe também que para a vítima não é fácil reconhecer que está sendo agredida.

O Estado – Qual a importância da Medida Protetiva?
Carla Stephanini: É fundamental, a Medida Protetiva salva vidas. É preciso cada vez mais fortalecer as medidas protetivas. A exemplo de Campo Grande, onde o Poder Judiciário foi pioneiro em ter um Vara de Medidas Protetivas atuando dentro da Casa da Mulher Brasileira. A Lei Maria da Penha preconiza que essa medida seja conferida em até 48 horas, mas há situações que demoram muito mais que 48 horas. Campo Grande é uma das cidades brasileiras onde a Medida Protetiva é conferida em questão de horas, num prazo muito inferior ao que preconiza a Lei Maria da Penha.

O Estado – Neste ano já foram registrados quatro feminicídios, e nesse mesmo período no ano passado ocorreu apenas uma morte, isso deixa as autoridades em alerta?
Carla Stephanini: Tem de estar em permanente estado de alerta. O trabalho tem de ser incessantemente aperfeiçoado. O governo federal como o Estado pretendem elaborar um Plano de Combate ao Feminicídio. Em dezembro, foi publicado um decreto do governador Reinaldo Azambuja instituindo o plano estadual, e neste ano houve diversas reuniões no sentido de estabelecer ações e estratégias no intuito de prevenir e combater o feminicídio. Nas ações do âmbito municipal a maior atuação é na Casa da Mulher Brasileira. O local de atendimento tem sido visitado por todo o país. A sede de Campo Grande é a primeira a ter sido inaugurada e a única que funciona conforme as diretrizes. Todas as outras surgiram após conhecer o trabalho daqui de Campo Grande, o que muito nos orgulha, mas também muito nos responsabiliza no sentido de manter a eficiência dos serviços.

(Texto: Rafaela Alves)

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