30 anos da Praça do Preto Velho

Foto: Roberta Martins
Foto: Roberta Martins

Local comemorará três décadas de resistência e cultura das religiões de matriz africana

 

Resistência, luta, cultura ancestral. É possível encontrar tudo isso logo ali, perto do centro de Campo Grande, na Praça do Preto Velho, entre as avenidas Noroeste e Salgado Filho. Criada há 30 anos, o local se transforma no próximo domingo (25) em ponto de encontro de quem luta todos os dias para ter a sua liberdade de crenças, com a festa ‘Resistência e Luta contra a Intolerância Religiosa’, realizada das 15h às 22h.

É lei!

Entidade reverenciada em religiões de matriz africana como a Umbanda e Candomblé, o Brasil institui o dia 13 de maio como o Dia dos Pretos Velhos. A data foi escolhida como referência a Lei Áurea, simbolizando assim o reconhecimento e legado dos Pretos Velhos, que mesmo sob o regime da escravidão, preservaram suas tradições e culturas.

A data também foi escolhida como o Dia Municipal do Preto Velho, em Campo Grande, instituída por meio de lei de autoria da vereadora Luiza Ribeiro (PT), sancionada em 2024. O objetivo é reverenciar as figuras dos cultos das religiões de matriz africana, além de reconhecer a memória e a contribuição significativa da população negra na formação histórica e cultural do Brasil.

“A instituição do Dia Municipal do Preto Velho representa um marco importante na luta contra o preconceito e na promoção da igualdade religiosa. É um avanço no reconhecimento das diversas expressões de fé e na valorização da cultura afro-brasileira em Campo Grande”, destaca a vereadora Luiza Ribeiro.

Casas e terreiros das religiões de matrizes africanas e ameríndias se reunirão para louvar aos pretos velhos da umbanda, cânticos, apresentações culturais, roda de capoeira e outras expressões artísticas ligadas às tradições afro-brasileiras.

Peça icônica A estátua do Preto Velho foi criada por Gentil da Silva Meneses e é um ícone do local – Foto: Roberta Martins

Mais que uma escultura

A estátua do Preto Velho, criada pela artista Gentil da Silva Meneses, é um dos marcos do local. Representando as entidades espirituais da umbanda, os pretos velhos simbolizam os ancestrais negros escravizados que resistiram ao cativeiro e se tornaram guardiões de sabedoria e conselhos nas práticas religiosas.

“Os pretos velhos trazem a essência principal da religião de matriz africana, porque são eles, os próprios negros e negras escravizados, torturados, que vieram nos navios negreiros e desembarcaram aqui, é com eles e deles que vem o conteúdo e todo conhecimento de lá! Eles são os responsáveis por não deixar morrer, o fogo e o amor pelos ancestrais. Eles trazem os ensinamentos, as mandingas, as feitiçarias, o uso das ervas… eles nos ensinam a viver no simples! Do jeito que eles eram obrigados a viver! Além de cunho religioso, eles têm uma bagagem gigante de conhecimento histórico! Foram os primeiros a pisar em solos brasileiros, ajudaram a compor a nação brasileira que hoje chamamos de nossa! Sem eles, não seríamos nem metade do que somos”, explica a umbandista Amanda Guedes, de 28 anos.

Intolerância

O pai de santo Bàbá Augusto de Lógunẹ̀dẹ, faz parte do Candomblé há 13 anos, por meio da avó materna, Ìyá Nercina e há três anos que participa da feira na praça, levando patuás [tipo de amuleto ou talismã usado para proteção e outros fins específicos] e outras magias de proteção para vendas. “A Praça do Preto Velho é uma raridade, existem pouquíssimas como essa no Brasil. Por isso é um espaço de resistência em que visa homenagear as religiões de matrizes africanas que são demonizadas e perseguidas diariamente por fanáticos”, declara.

Em 2024, o Brasil registrou 3.853 violações motivadas por intolerância religiosa, conforme o canal de denúncias do MDHC (Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania). O número representa um aumento de 81% em comparação com 2023 nas notificações. As religiões de matriz africana, como candomblé e umbanda são os principais alvos de violência e da intolerância religiosa.

“O axé sobreviveu e resiste ao ódio religioso e principalmente a ignorância de pessoas que nos atacam, sem ao menos nunca ter frequentado uma casa de axé ou entendem a nossa fé nos orixás e entidades”, enfatiza o pai de santo.

Orgulho

A fotógrafa Anna Costa, de 21 anos, frequenta a praça tanto para os eventos culturais como religiosos. Para a jovem, o local simboliza a fé e a resiliência de uma crença. “É um lugar que traz uma energia muito gostosa, não só para quem é da religião, mas para quem frequenta e tem a abertura. É um lugar de resistência, que mostra que as pessoas negras estão lutando pela sua religião, pelo seu respeito; a praça traz muito disso, a importância do respeito, da tolerância, de entender que cada um tem sua cultura”, diz ao jornal O Estado.

“Campo Grande é uma cidade construída pelas mãos da Tia Eva, e acho que essa parte é apagada da nossa história em alguns momentos. É preciso comemorar mais vezes”, complementa.

“A praça do preto velho em Campo Grande–MS, é motivo de orgulho para nós que somos do axé. Eventos como esse são uma grande satisfação para nós, pois mostra a beleza da nossa cultura e também da nossa fé”, reforça Augusto.

“É fundamental [a praça] e sinto falta de mais espaços. Traz um conforto enorme! Assim como para os católicos os santos são importantes e trazem esse acalento, os nossos elementos também tem uma importância absurda. E uma imagem de preto velho como aquela, sentada no seu toco com a sua bengala na mão, é o colo de vô que todo mundo gosta de ter! Terem pontos que trazem para gente um pouco das nossas religiões de matrizes africana a tona, é reviver em cada um de nós a esperança, e a certeza de que somos resistências, que estamos ali, e que podemos, sim, cultuar e acreditar naquilo que nos faz bem!”, finaliza Amanda.

Serviço: A organização do evento está com inscrições abertas para expositores que desejam participar da celebração. Os interessados podem se inscrever pelo link: https://docs.google.com/forms/d/e/1FAIpQLSeVcEPvINs1LKv_n5e1HjSqsOnIDieOZrVZvmB9c4q1KLglBw/viewform

 

Por Carolina Rampi

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