Foi descoberta uma substância produzida pelo próprio tecido adiposo marrom pelos pesquisadores do Brasil, Estados Unidos e Alemanha. Esta substância aparece quando o corpo é submetido a baixas temperaturas – o lipídeo 12-HEPE – e ajuda a reduzir os níveis de glicose no sangue. Os resultados dos experimentos com camundongos abrem caminho para novos tratamentos contra o diabetes.
O grupo também observou, em pacientes humanos, que um medicamento usado no tratamento de disfunção urinária aumenta a liberação desse lipídeo na corrente sanguínea.
O estudo, publicado na revista Cell Metabolism, tem como primeiro autor Luiz Osório Leiria, pesquisador do Instituto de Biologia da Universidade Estadual de Campinas (IB-Unicamp).
O trabalho foi desenvolvido como parte de seu pós-doutorado na Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp, durante estágio de pesquisa no Joslin Diabetes Center, da Harvard Medical School, nos Estados Unidos, com apoio da FAPESP e da American Diabetes Association. Leiria conta, atualmente, com Auxílio à Pesquisa da FAPESP na modalidade Apoio a Jovens Pesquisadores.
Os dois tipos mais importantes de tecido adiposo no nosso organismo são o branco, cuja função é acumular gordura quando existe excedente energético, e o tecido adiposo marrom, que atua principalmente na regulação térmica do organismo por meio da produção de calor. Expostos ao frio, o tecido adiposo marrom produz diversos lipídeos. Um deles é o 12-HEPE, cuja função era desconhecida. O grupo descobriu que camundongos obesos tratados com o 12-HEPE apresentaram maior eficiência em reduzir a glicemia sanguínea após uma injeção de solução concentrada de glicose, quando comparados com os camundongos que não receberam o lipídeo.
Os pesquisadores mostraram que esse efeito benéfico do lipídeo sobre a tolerância à glicose dos animais obesos se deu pela capacidade do 12-HEPE em promover a captação de glicose tanto no músculo como no próprio tecido adiposo marrom.
Estudos realizados em pacientes reforçaram um possível papel fisiológico desse lipídeo. Os voluntários foram separados em três grupos: magros e saudáveis, com sobrepeso e obesos. Análises do sangue desses pacientes mostraram que a quantidade de 12-HEPE nas pessoas magras e saudáveis é maior do que no sangue dos pacientes com sobrepeso e muito maior do que no sangue dos obesos.
Isso pode ser explicado pelo fato de que obesos têm menos massa de tecido adiposo marrom do que pessoas magras. A ausência de gordura marrom no obeso, inclusive, pode ser responsável pela obesidade e até pelo maior risco de diabetes nesses indivíduos.
Além disso, em testes com células humanas, o 12-HEPE aumentou a captação de glicose em células adiposas. Isso significa que, além de o lipídeo 12-HEPE contribuir para o processo de adaptação ao frio, existe a possibilidade de que a drástica redução dos seus níveis na corrente sanguínea de indivíduos obesos contribua, ao menos parcialmente, para o aumento da glicose no sangue.
A descoberta abre caminho para o desenvolvimento de novos medicamentos contra o diabetes e amplia a possibilidade de novos tratamentos com drogas já disponíveis no mercado.
Durante o estudo, um outro conjunto de voluntários magros e saudáveis recebeu doses de mirabegron, medicamento indicado para o tratamento de uma disfunção urinária conhecida como bexiga hiperativa, mas que também tem a capacidade de ativar o tecido adiposo marrom. Um outro grupo (controle) tomou apenas placebo.
Os pacientes que receberam a droga tiveram níveis mais elevados de 12-HEPE no sangue. O resultado sugere que a droga possa, no futuro, ser prescrita para tratamento do diabetes.
“Atualmente, o mirabegron exerce uma série de efeitos, alguns não tão desejáveis. Ele promove a liberação de vários outros lipídeos, portanto, sua ação não é tão específica para a redução da glicose. Um lipídeo do tipo ômega-3 como o 12-HEPE teria um perfil toxicológico bem mais desejável”, explicou.
Segundo o pesquisador, um grupo norte-americano realiza atualmente testes sobre os efeitos de doses menores do medicamento sobre os níveis de glicose.
O próximo passo é descobrir a qual receptor o 12-HEPE se liga para promover a captação de glicose. Tal conhecimento permitirá o desenvolvimento de novas moléculas que estimulem esse receptor. (Rafael Belo com Agência FAPESP)