Estado busca ampliar a prevenção de gravidez na adolescência e reduzir a mortalidade materna
Na UBSF (Unidade Básica de Saúde da Família) do Jardim Noroeste, em Campo Grande, a manhã de atendimento ganhou um simbolismo extra. Enquanto mais de 100 profissionais da atenção primária vêm sendo capacitados para orientar e inserir o Implanon na rede pública, adolescentes e jovens adultas começaram a sair do posto com um pequeno bastão hormonal inserido sob a pele do braço.
O Implanon, implante subdérmico contraceptivo com duração de até três anos, é hoje um dos métodos mais eficazes disponíveis. Na rede particular, pode custar entre R$ 2 mil e R$ 4 mil. Pelo SUS (Sistema Único de Saúde), passou a ser ofertado nacionalmente em 2025, após decisão do Ministério da Saúde. Em Mato Grosso do Sul, porém, a história começou bem antes.
De público restrito para direito de todas
De acordo com a enfermeira Franciele Rosiane, da SES (Secretaria de Estado de Saúde), o Estado foi pioneiro na oferta do método muito antes da incorporação nacional.
“O governo do Estado já oferece esse método contraceptivo, assim como o DIU hormonal, desde 2009. Já são mais de 15 anos de oferta com recursos próprios”, explica.
A chegada dos lotes enviados pelo Ministério da Saúde não criou um serviço do zero, mas ampliou o que já existia. “Essa ampliação da oferta visa também a redução da mortalidade materno-infantil e da taxa de gravidez na adolescência, que são problemas de saúde pública no país inteiro”, reforça Franciele.
Segundo ela, muitas mortes maternas estão ligadas a intercorrências na gestação que poderiam ser evitadas com planejamento reprodutivo adequado. “Se essa mulher não quiser engravidar agora, ela pode optar por um método contraceptivo de longa duração. Quando o tempo de uso terminar, ela retira o implante e planeja a sua gravidez.”
Até este ano, o acesso ao Implanon em Mato Grosso do Sul seguia critérios mais restritos. Na prática, o método era priorizado para mulheres em situação de extrema vulnerabilidade: adolescentes que já haviam engravidado, usuárias de entorpecentes, mulheres em situação de rua e pacientes com condições clínicas específicas.
“Todas as mulheres podem receber método contraceptivo, sim. Mas a priorização sempre foi para quem mais precisa”, resume Franciele. “Pesquisas mostram que a maior parte das mortes maternas atinge mulheres pardas e negras, em situação de vulnerabilidade social. É esse público que a gente tenta proteger primeiro.”
Por que o Implanon é diferente?
Na atenção primária, pílulas diárias, injetáveis, DIU de cobre ou hormonal e preservativos já fazem parte da rotina. Mas a vida real das pacientes nem sempre combina com a disciplina que alguns métodos exigem.
“Nós já oferecemos vários métodos, mas muitas mulheres esquecem a pílula, perdem a data da injeção mensal ou trimestral e acabam engravidando sem planejar”, explica a enfermeira Jusceline Maciel, que atua na atenção primária.
Para ela, o grande diferencial do Implanon está justamente em dispensar o “lembrete”. “Por ser um método de longa duração, essa mulher fica protegida por três anos sem depender de uso diário ou mensal. Isso traz conforto e tranquilidade. Ela sente que não vai correr o risco de uma gestação indesejada por esquecimento”, comenta.
Outro ponto é a possibilidade de oferecer alternativa a quem não se adaptou a outros métodos. “Tem mulheres que já tentaram pílula, injeção, DIU, e não se deram bem com nenhum. Nesses casos, o implante entra como uma grande diferença na vida delas”, acrescenta Jusceline.
Dúvidas, hormônios e o lugar do DIU
Na rede, o Implanon não substitui os demais métodos: ele se soma ao cardápio de opções. A escolha deve ser individualizada, ponderando contraindicações, preferências e a relação da paciente com hormônios.
“A inserção do DIU é um procedimento mais invasivo do que o implante, mas tem mulheres que não se adaptam a nenhum tipo de hormônio. Para essas, o DIU de cobre continua sendo uma alternativa importante”, explica Alecsandra Fernandes da Silva, da área técnica de Saúde da Mulher da Sesau (Secretaria Municipal de Saúde).
Hoje, cerca de 30 unidades de saúde em Campo Grande já fazem inserção de DIU de cobre e DIU hormonal, com médicos e enfermeiros habilitados. Com o Implanon, a estratégia é semelhante: ampliar gradualmente o número de profissionais capacitados para que, no médio prazo, todas as unidades da atenção primária possam ofertar o método.
Multiplicadores na linha de frente
A capacitação acompanhada pela reportagem, na UBSF do Jardim Noroeste, integra uma ação conjunta do município, do Estado e do Ministério da Saúde. “Hoje estamos com profissionais de Campo Grande e de outros municípios. A ideia é formar multiplicadores na atenção primária: eles recebem o treinamento teórico e prático agora e, depois, capacitam outras equipes”, explica Alecsandra.
Além de médicos e enfermeiros da rede, residentes de enfermagem obstétrica e representantes do Coren (Conselho Regional de Enfermagem) participam do processo formativo. O conselho, inclusive, apoia tecnicamente a qualificação para inserção segura do método.
“No consultório, qualquer profissional habilitado pode avaliar a elegibilidade da usuária. Se a unidade não fizer o procedimento, ela encaminha ao Centro de Especialidades Médicas ou à unidade de referência. O importante é que toda mulher tenha acesso à orientação e ao método mais adequado para sua realidade”, completa Alecsandra.
Como funciona o acesso na prática
Para colocar ou retirar o Implanon pelo SUS, a porta de entrada é sempre a UBS ou UBSF do bairro.
Na unidade, a paciente passa por acolhimento e consulta: o profissional avalia histórico de saúde, uso ou não de hormônios, possíveis contraindicações e preferências. A partir daí, a equipe indica o melhor método – seja implante, DIU, pílula, injetável ou preservativos – e organiza o fluxo para o procedimento, que pode ser feito ali mesmo ou em serviço de referência.
Segundo as secretarias de Saúde, cada município define seu próprio fluxo interno, de acordo com a organização da rede local. O uso do implante, assim como de qualquer contraceptivo, é voluntário: nenhuma mulher pode ser obrigada a aceitar um método com o qual não concorda.
Adolescentes, sigilo e autonomia
Uma das mudanças mais sensíveis trazidas pela incorporação nacional é a possibilidade de uso do Implanon por adolescentes a partir de 14 anos, inclusive no contexto de atendimento individual, sem necessariamente a presença dos pais ou responsáveis.
Há, porém, uma exceção: em situações de risco à vida ou à integridade física ou psicológica da adolescente ou de terceiros, o profissional pode ter de quebrar o sigilo para protegê-la, comunicando os órgãos competentes.
Na prática, a orientação que chega às unidades é de escuta qualificada, diálogo e respeito ao projeto de vida de cada menina – além da articulação com a rede de proteção quando houver sinais de violência ou abuso.
“Quero ter filhos, mas não agora”
Na sala de espera do Jardim Noroeste, a estudante Rafaela Oliveira de Almeida, 16 anos, aguardava para sair com o Implanon já no braço. Atleta de capoeira, ela conta que apenas se deu conta do convite da mãe depois de topar, quase no automático.
“Eu achei que ela tava me chamando pra comer em algum lugar, respondi ‘vamos’ e depois entendi que era pra colocar o implante”, lembra, rindo. A decisão, no entanto, não foi impensada. “Fui pesquisar e vi que ele é bem eficaz. Também tem a possibilidade de cortar o ciclo menstrual, e isso é uma motivação pra mim, porque treino duas vezes por semana e a menstruação às vezes atrapalha.”
Rafaela diz que não pretende ser mãe tão cedo. “Tenho sonho de ter filhos, acho lindo ver uma mãe cuidando da criança, mas eu só tenho 16 anos, ainda tenho muita vida pela frente”.
A jovem Miriam Sara Paixão da Costa, 18 anos, também decidiu colocar o implante, incentivada pela mãe. Diferentemente de Rafaela, este será o primeiro método contraceptivo que ela usa.
“Tenho vida sexual ativa e quero prevenir. Minha mãe colocou DIU e me indicou o Implanon. Pesquisei um pouco, vi o tempo de duração, como funciona, e aceitei”, conta. Os planos de maternidade ficam para depois. “Quero pensar em ter filho só depois dos 25. Até lá, se eu quiser mudar para o DIU, que dura mais, eu vejo. Por enquanto, o Implanon é o que faz sentido pra mim”.
Por Suelen Morales
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