Num gesto que foi interpretado como um recado ao presidente Jair Bolsonaro, a OMS agradeceu ao ex-chefe da Pasta de Saúde, Luiz Henrique Mandetta, pelo seu serviço ao povo brasileiro e apelou para que o governo tome suas decisões com base em evidências. “Gostaríamos de agradecer ao ministro pelo serviço à população”, disse Michael Ryan, chefe das operações da OMS. “Sabemos que o presidente do Brasil trocou de ministro”, disse.
Em uma declaração nesta sexta-feira, Ryan insistiu que uma resposta à pandemia deve ser realizada por todo o governo e toda a sociedade. “É essencial, entretanto, que não só o Brasil, mas todos os governos, tomem decisões baseadas em evidências e tenham uma resposta do governo inteiro e da sociedade inteira ao responder à pandemia de Covid-19”, continuou Ryan. “Todos temos o dever de proteger nossas populações mais vulneráveis”, declarou.
A referência ao ex-ministro e o alerta sobre tomar medidas sem base científica foram consideradas por funcionários internos na agência e diplomatas como um recado claro ao comportamento do presidente Jair Bolsonaro.
Segundo Ryan, por meio de seu escritório nas Américas, a OMS ajudou o Brasil a comprar testes e diagnósticos. Os primeiros carregamentos, segundo ele, chegariam na semana que vem. Ele também indicou que vai continuar a fornecer apoio científico ao Brasil.
“A Opas, nosso escritório regional nas Américas, tem apoiado o Brasil, em preparação e resposta à Covid-19, desde janeiro. E tem ajudado o Brasil a comprar milhões de testes para expandir a capacidade de diagnóstico. A primeira leva deve chegar na semana que vem”, disse Ryan.
“Nós queremos focar em fornecer apoio técnico, operacional e científico ao Brasil. E fazer isso consistentemente, sem falhas, em apoio ao Brasil e em todos os países da América do Sul e Central, e das Américas como um todo”, completou.
Nesta semana, Bolsonaro demitiu Luiz Henrique Mandetta da chefia da pasta da Saúde, e um dos motivos foi a insistência do ex-ministro de seguir as recomendações da OMS. Ele foi substituído por Nelson Teich.
No ano passado, o então chefe da pasta tinha causado uma boa impressão durante os encontros da agência mundial, em Genebra. Diante da imagem do governo brasileiro no exterior e de posições polêmicas do chanceler Ernesto Araújo, da ministra de Direitos Humanos, Damares Alves, e do próprio presidente Jair Bolsonaro, Mandetta conseguiu impôr uma agenda “moderada” em sua passagem pela OMS.
Mas, desde o início da crise mundial, vozes dentro da agência temiam que uma postura do Brasil de negação da gravidade do vírus acabasse afetando os esforços internacionais. Mandetta era, porém, uma espécie de garantia de que havia uma pressão interna para que as recomendações da OMS fossem seguidas.
Agora, o temor é de que a versão ideológica do governo ganhe força, minando a resposta ao vírus. Ao longo das últimas semanas, o diretor-geral da OMS, Tedros Ghebreysus, vem apelando para que políticos estabeleçam alianças até mesmo com seus adversários e que não politizem a luta contra o vírus. “Coloquem a politização em quarentena”, pediu.