A terceira e última audiência pública conjunta das Comissões de Meio Ambiente (CMA) e de Agricultura e Reforma Agrária (CRA) para debater o projeto de lei que institui a Lei Geral do Licenciamento Ambiental (PL 2.159/2021) confirmou posições antagônicas quanto a questões relacionadas a proteção ambiental, sustentabilidade, possível aumento de judicialização no setor e recorrente preocupação internacional.
O projeto de lei traz regras gerais que buscam simplificar e agilizar o processo licenciatório, mas que causam polêmica diante de questões como a dispensa de licenciamento em alguns casos. A matéria também trata de tipos licenciatórios, autodeclaração, prazos e responsabilidades, entre outras particularidades extensíveis a todos os entes da Federação.
Presidente da CMA, o senador Jaques Wagner (PT-BA) enfatizou que é “preciso simplificar sem precarizar”, para não facilitar eventual degradação do meio ambiente.
— Temos que colocar pesos e contrapesos para garantir o equilíbrio entre preservação e sustentabilidade econômica, social e ambiental.
Para Luiz do Carmo (MDB-GO), “o Brasil não pode ficar dependendo de muita coisa para trabalhar e é preciso facilitar para as empresas movimentarem”.
— Aqui em Goiás temos licenças ambientais que não saem há dois anos. (…) Acredito no profissional que fez o processo para a licença ambiental e temos de ter licenças dentro de um prazo, que se não for cumprido, deve tornar a licença automaticamente concedida — disse o senador.
Previsibilidade
Subsecretária de Sustentabilidade do Ministério de Infraestrutura, Larissa Carolina Amorim dos Santos afirmou que é preciso haver uma lei uniforme, única para as três esferas, para evitar desgastes e os gargalos que existem atualmente.
— Ter uma lei geral do licenciamento traz mais segurança técnica e mais previsibilidade para quem está licenciando.
Larissa citou o fato de, em cada estado, cada órgão ambiental criar um nome para as tipologias de licenças, por exemplo, o que dificulta o licenciamento.
Sobre o impacto do projeto na área de infraestrutura, Larissa lembrou que o PL 2.159 trata da dispensa de licenciamento para as obras de manutenção em rodovias, ponto considerado polêmico.
— Esse é um grande gargalo. Já trabalhamos com orçamento enxuto, e essas são obras com impacto praticamente insignificante.
Também sem consenso, a previsão de Licença por Adesão e Compromisso (LAC) já é praticada em muitos estados, segundo a subsecretária, que explicou que o órgão licenciador já tem conhecimento para definir quais medidas mitigadoras devem ser definidas em cada caso específico.
— Enquanto governador, adotamos a LAC. Mas a questão é saber como utilizá-la — interveio Jaques Wagner, que já governou a Bahia.
O senador Esperidião Amin (PP-SC) também se manifestou para destacar a dramaticidade de se contingenciar obras de manutenção e melhorias.
— Obra nova é um capítulo, mas submeter a controvérsias uma obra dessas, de adequação, é uma perversidade com a vida humana, além das questões orçamentárias — afirmou Amin.
Acessibilidade
Para a chefe da assessoria especial de Assuntos Socioambientais do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), Vanessa Prezotto Silveira, “a ideia é não precarizar”, mas também “não excluir, ser acessível”:
— Isso a gente está falando no âmbito rural, no âmbito urbano, em qualquer atividade essencialmente passível de autorização ambiental, nos diferentes âmbitos qualitativos e de abrangência de potencial impacto.
Segundo Vanessa, ao empreendedor deve ser possível operar, atender, produzir e, ao mesmo tempo, mitigar os potenciais impactos negativos identificados no estudo ou no processo de licenciamento, em qualquer etapa da atividade — seja numa avaliação prévia, seja na fase de instalação do empreendimento e operação.
Vanessa ainda destacou que os benefícios desse processo de licenciamento são massivamente públicos, quando se retira o item de retorno financeiro para o empreendedor, no caso de uma atividade de licenciamento e autorização.
Para a chefe da assessoria especial do ministério, a legislação a ser desenhada tem, sim, que ser baseada num projeto de base técnico-científica, que dê respaldo aos técnicos, ao produtor e ao empreendedor.
— Eu acredito que a questão social também, e de alcance desses procedimentos, precisa ser muito bem trabalhada. Simplificar não quer dizer que ele vai deixar de fazer.
Judicialização
Motivo frequente de judicialização, a definição do que é impacto ambiental significativo não é contemplada no PL 2.159, segundo o especialista em sustentabilidade, direitos humanos e mudanças climáticas Nilvo Silva.
Um primeiro trabalho de triagem, para definir o que tem alto impacto ambiental significativo ou não, é primordial, segundo Silva, que define o projeto como uma “lei genérica, totalmente procedimental, que autoriza e estimula um grande retrocesso na prática do licenciamento ambiental no Brasil”.
— A lei, no mínimo, deveria propor critérios como mudanças climáticas, segurança e saúde das comunidades.
O projeto de lei, além de fragmentar, cria um conjunto enorme de regras, na opinião do especialista: desaparece o princípio da Federação, estimula-se muito mais a competição entre os estados, diferentemente do que deveria acontecer, e há aumento da discricionaridade dos órgãos licenciadores.
— Esse projeto de lei trata somente de procedimentos, mas licenciamento é procedimentos e conteúdos. É impossível saber o impacto ambiental, por exemplo, só sabendo tipologias. A pavimentação de uma rodovia existente da Amazônia é uma coisa, em uma área urbanizada é outra, são coisas incomparáveis.
“Mãe de todas as boiadas”
Ex-presidente do Instituto do Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) e representante do Observatório do Clima, Suely Araújo demonstrou preocupação com o atual texto, que ela e o ex-deputado federal Fábio Feldmann (autor do projeto original apresentado na Câmara há quase 20 anos) declaram ser “a mãe de todas as boiadas”.
— Como está, eu considero que o atual texto implode com o licenciamento ambiental. Destrói, na verdade, os processos de licenciamento, e retrocede 40 anos na história para uma época em que bebês nasciam com a anencefalia em Cubatão por contaminação por poluição, gerada por indústrias que não tinham licença.
São muitos os problemas do projeto, abarcado por pontos inconstitucionais, que seguramente gerarão judicialização, segundo Suely.
O primeiro entrave seria o “cheque em branco” para os órgãos licenciadores fazerem o que quiserem em diferentes pontos, sem apresentar critérios e sem dar orientações, expôs a debatedora. O segundo seria a descrição de uma extensa lista de empreendimentos isentos de licenciamento.
Suely destacou que a LAC deveria ser utilizada somente em empreendimentos de baixo impacto e risco, repetitivos, em territórios conhecidos, mas não é isso o que prevê o texto. Levantamento feito com as secretariais estaduais de meio ambiente apontou que cerca de 90% dos processos não terão análise pelo órgão licenciador, disse a especialista:
— Como está no texto, a grande maioria dos processos vai ser um registro na internet que não vai ter conferência sequer da ficha do empreendimento. Está escrito que é por amostragem. Então, a regra a partir de como está a LAC no texto é a não licença; é um registro na internet que não vai dar segurança jurídica.
Ela afirmou que, no procedimento de licenciamento ambiental, há necessidade de as autoridades envolvidas se manifestarem em empreendimentos em áreas protegidas, em torno de unidades de conservação, terras indígenas ou áreas tituladas a remanescentes de comunidades quilombolas. Mas o PL exclui essa vinculação, o que é inconstitucional, na opinião da debatedora:
— Não adianta procurar afastar a oitiva dos órgãos, porque a lei e os procedimentos específicos vão ser judicializados.
Jaques Wagner completou, dizendo que o marco temporal é um para as terras indígenas (1988) e outro para as regularizações fundiárias, “para as quais se gostaria que o prazo viesse até anteontem”:
— Esse é o problema: dois pesos e duas medidas — expôs o presidente da CMA.
Também presente na 6ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática (COP26) em Glasgow, na Escócia, assim como o senador Jaques Wagner, a ambientalista criticou a completa ausência de referência ao clima no projeto em análise.
— Em 2021, com o mundo em plena crise, o texto ignora a questão climática. (…) Não se exigem estudos nesse sentido, não se preveem condicionantes nesse sentido, não se fala sequer de forma genérica que o licenciamento tem que observar o Plano Nacional sobre Mudança do Clima ou o Plano Nacional de Adaptação.
Fonte: Agência Senado