Nesta segunda-feira (27), em uma videoconferência promovida pela Comissão de Educação da Câmara dos Deputados, foi defendida a criação de cotas para acesso de pessoas negras, indígenas, oriundas de comunidade quilombola, com deficiência ou transexuais às vagas de pós-graduação nas universidades brasileiras. E o principal objetivo é que se formem comunidades científicas e corpos docentes que reflitam a realidade da população brasileira.
A Câmara está analisando o assunto e constitui o teor do substitutivo apresentado pela deputada Natália Bonavides (PT-RN) ao Projeto de Lei 3402/20, da deputada Marília Arraes (PT-PE) e outros parlamentares.
A proposta torna obrigatória a reserva de vagas da pós-graduação para alunos vindos de escolas públicas. A deputada propõe a reserva de no mínimo 50% das vagas para concorrentes com deficiência, negros, oriundos de comunidades quilombolas e indígenas.
A relatora diz que só que aplicar a Lei de Cotas, que prevê a reserva de vagas nos cursos de graduação para alunos de escolas públicas, talvez não tivesse tanto efeito na pós-graduação. Explicando assim que, a lei de 2012, a maioria de estudantes da graduação passou a ser de pretos e pardos, mas a mudança não se refletiu na pós-graduação.
“O dado pode ser revertido com a política afirmativa na pós-graduação. É o que a gente acredita e o que a gente pretende. Hoje, com a falta de uma política nacional sobre o tema, cada universidade tem agido por si. Existem alguns programas de pós-graduação, mas não são políticas uniformes, estão longe de alcançar a maioria dos programas de pós-graduação”, destaca Natália.
Garantir o ciclo completo
Segundo Rita de Oliveira, coordenadora do Grupo de Trabalho de Políticas Etnorraciais da Defensoria Pública da União, essa reserva para a pós-graduação tende a garantir o ciclo completo da afirmação racial nos ambientes acadêmicos.
“A mudança do corpo docente das universidades passa indubitavelmente pelo aumento da presença das pessoas negras, indígenas, com deficiência e trans com título de mestrado e doutorado. Mas é fato que, apesar das normas indutoras já existentes, os referidos grupos historicamente não têm tido acesso aos cargos de professorado”, comentou ela.
O professor da Universidade Federal do Paraná Paulo Vinicius Silva, também afirmou que a desigualdade racial se acumula ao longo do processo da educação e, na pós-graduação, há uma prevalência de pessoas brancas.
“Na academia, há a entrada para o mestrado e o doutorado com maior seletividade. A gente tinha entre 1% e 2% [de negros] nas carreiras e, na pós-graduação atuando como docente, era 0,5% de acordo com um levantamento feito em 2005 nas principais universidades de pesquisa brasileiras. Então, mais de 50% da população é negra e somente 0,5% como docente de pós-graduação. É uma segregação racial gigantesca que a gente não consegue combater”, lamentou ele.
Segundo o professor, as políticas afirmativas devem ser pensadas a médio e longo prazo, trazendo assim o combate às demais desigualdades sociais, incluídas as sofridas pelas mulheres ou pelas pessoas trans. “A gente só vai ter resultado em 10, 15, 20 anos, se a gente tiver políticas concretas e investimento.”
O coordenador executivo da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil), Alberto Terena, acrescentou que a população indígena precisa não só de acesso, mas de permanência dentro da academia.
Outras participações
A audiência contou ainda com outros representantes dos movimentos negro, de pessoas com deficiência e de travestis e transexuais. A deputada Marília Arraes, que observou que o evento foi realizado em um “momento de retrocesso”. “Eu pensava que em 2021 a gente ia estar comemorando direitos conquistados, e não lutando para garantir direitos.”
A relatora Natália Bonavides ouviu a todos e anotou sugestões para seu relatório, que poderá ser reformulado. O texto foi apresentado no último dia 21 e ainda vai ser votado pela Comissão de Educação.