Ao contrário de Lucianao Hang, dono da rede Havan, e que é literalmente fã e apoiador do presidente Jair Bolsonaro, a maioria dos lojistas de Campo Grande não se posiciona politicamente para não perder clientes. A análise é do presidente da CDL (Câmara de Dirigentes Lojistas), Adelaido Villa, que explica sobre o fenômeno, mesmo em ano eleitoral.
Adelaido destaca que Campo Grande tem característica bastante conservadora de modo geral, no entanto, o lojista ainda tem dificuldade em se pronunciar e se colocar de maneira política. “Tanto que nos surpreenderam as carreatas que tiveram mais de 2 mil veículos. O campo-grandense é muito retido, tem cuidados, e preocupação em se expor e sofrer prejuízos com essas posições.”
O presidente diz ainda que existe um grupo de comerciantes que já declarou apoio ao presidente Jair Bolsonaro, por exemplo. Mas que a grande maioria, que corresponde a cerca de 80% dos lojistas, não tem posicionamento político.
“Vejo dentro do nosso setor uma parcela que apoia o presidente, mas, em contrapartida, tem aqueles que não querem se comprometer com medo de perder o consumidor. Veja, que atualmente, com o avanço das tecnologias e com marcas cada vez mais mostrando esses enlaces aqui é diferente. Tem um percentual pequeno que já demonstra esse posicionamento, até porque hoje, o lojista não precisa mais se esconder do Estado por conta de tributos, alvarás ou outras questões burocráticas. Antigamente, eles até se mantinham quietos por essas questões, ou por estarem irregulares, em algumas situações. Mas hoje é tudo informatizado, e não tem como fugir de tributos. Antigamente havia certa omissão em política por esses motivos, e muitos até chegavam a ficar omissos.”
Futebol e religião
Adelaido explica ainda que esse comportamento do comerciante da cidade é cultural, e advém desde os anos de 1970 e 1980 quando a palavra-chave para o bom comerciante era não “se posicionar em política, futebol e religião”.
“A gente não sabe o que, de fato, essas pessoas andam pensando neste momento, e isso não é só com política, o lojista de Campo Grande até hoje não se posiciona também sobre o esporte, como futebol, por exemplo, e religião. E isso é uma prática antiga que eles carregam. Você não vai ver um dono de loja colocando a bandeira do time que torce, ou demonstrando de maneira pública. E isso é uma questão cultural própria e de miscigenação que nós temos. Aqui temos muita gente que veio do Japão ou de países do Oriente Médio que são povos mais reservados neste sentido.”
Rede social
Adelaido afirma que percebe fortemente o campo-grandense não buscando mais o novo, ou aquela história da nova política. Ele diz que o cidadão da cidade está ligado no varejo e se alimenta muito de mídias digitais, até de certa forma monitorando o que é transmitido em jornais on-line, e páginas de órgãos públicos em geral. “Ele está buscando algo conservador, mas que tenha um comprometimento. Penso que vai diminuir a quantidade de dinheiro investido nas campanhas e, as redes sociais novamente terão papel importante nas eleições. O campo-grandense tem essa coisa de olhar a notícia divulgada e repassar em grupos de debates e discutir o assunto. Ele está atento a tudo e monitora bastante o que acontece na cidade.”
O que dizem os lojistas
O empresário, que preferiu não se identificar, de 53 anos afirmou que é petista e que, sempre que pode, conversa com a clientela sobre política. “Por eu ser petista eu acabo me posicionando e, se eu quero algo melhor para a minha cidade e para o meu país, acho que devo me posicionar, sim.”
Ele diz que até chega a provocar alguns clientes, para entrar no assunto e conscientizar de certa forma. “Eu deixo sempre a TV ligada em canais de notícias e isso também provoca a reação das pessoas. Aí eu converso sobre a alta no preço dos alimentos, inflação e esses temas. A gente sabe que Mato Grosso do Sul é conservador. Aqui o PT e o Lula nunca tiveram muitos votos e praticamente nunca ficaram à frente em pesquisas e eleições. Está um pouco longe da eleição e é difícil mudar”, disse ele, que não tem medo de perder clientes, pois está há 15 anos no ramo.
“Não preciso nem ter preço mais baixo, eu tenho uma cartela de clientes e não tenho medo de perdê-los. Acho que a gente tem o dever de mostrar ao cliente como está a atualidade e o que era.” Outro empresário que conversou com o jornal O Estado é bolsonarista roxo, e tem 57 anos, mas, como tem um escritório de contabilidade e também teme perder clientes pelo posicionamento político, diz que só discute eleição com amigos e família.
“Olha, eu vejo que a maioria dos meus clientes é de direita, mas a questão do bolsonarismo, daquele que apoia o presidente mesmo, as vezes não é tão bem-vista. Então, eu evito muito essa discussão dentro do ambiente de trabalho. Deixo sempre para falar em casa, entre a família e amigos. Lógico que temos alguns de esquerda na família e sempre dá discussão, mas eu gosto. Acho que é saudável.”
Na visão dele, “o comerciante e o empresário em geral, que dependem do varejo, não devem se expor tanto”, pois correm riscos de prejuízos nas vendas. “Ainda mais hoje, com essa questão de rede social, que as pessoas filmam tudo, postam tudo, eu acho que, se o comércio for pequeno ou médio, não é válido. Agora, nem se compara com um empresário como o Luciano Hang, né. O cara, é milionário e, se tiver algum prejuízo com vendas, deve ser irrisório.” (Texto: Rayani Santa Cruz)