Reportagem com Desembargador João Maria Lós também é o destaque da página A4 da edição impressa dessa segunda
Na prática há alguns avanços: como a tecnologia sendo capaz de realizar a convenção partidária, ou sendo ainda mais decisiva na corrida eleitoral. Entretanto, fora isso, e a novidade de que as chapas de vereador não coligam mais partidos, tudo, em termos de regra, fica muito instável. É o que O Estado descobriu em uma entrevista exclusiva com o presidente do Tribunal Regional (TRE-MS), desembargador João Maria Lós.
Testemunha ocular do amadurecimento e da evolução das eleições em Mato Grosso do Sul, por conta da experiência nesse processo, em quatro décadas, o magistrado é otimista com a manutenção da data do fim do primeiro turno em 4 de outubro, mesmo com a pandemia do novo coronavírus. Contudo, cita que o posicionamento disso significa algo incerto, já que o cenário é mais dinâmico que o normal, por conta da COVID-19. O que faria adaptações à regra eleitoral irem surgindo até o dia de início da campanha. Quanto à doença, o desembargador explica que mais cuidados serão tomados nas zonas eleitorais, a fim de se evitar aglomerações, assim como “todos os esforços para que o processo não ofereça riscos à saúde de ninguém que for votar”, diz Lós. E o apelo para que as pessoas compareçam às urnas deve ser ainda mais intensificado em campanhas institucionais, conta ele. Confira a entrevista:
O Estado – Em caso de transferir o dia da eleição – novembro ou dezembro –, as outras datas, como início de campanha, horário político, comícios, etc., mudam? Isso deverá ser estipulado na PEC?
Des. João Maria Lós – Na verdade a PEC dará uma diretriz principal, à regra geral. Dizendo que a eleição será realizada em tal data, o demais é por lei. Mas a própria PEC pode autorizar, ou o Congresso autoriza, que o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) regulamente por resolução. E vai ter de ser uma coisa muito dinâmica, porque os prazos vão começar a apertar. Outra coisa para se resolver, por conta da pandemia, seria prorrogar para 2022 esse pleito. Todavia, o ministro Barroso [presidente do TSE] entende que o debate se confundiria, pois estas são eleições para a reflexão de problemas municipais, ao passo que na que ocorre daqui a dois anos se fala em questões nacionais. Por isso, na visão dele, há uma incompatibilidade, que justifica essa divisão atual. O argumento é válido, por isso acho que ele não deixa de ter razão. Vale lembrar que estamos em uma pandemia, que acomete de forma diferente diversos lugares do Brasil. A princípio, claro que há o risco de se fazer o processo agora e logo depois começar a morrer gente, infectada pela doença, por isso todos os cuidados possíveis serão tomados. Tanto no dia do voto, o que for definido, quanto na realização da campanha.
O Estado – E a possibilidade de uma eleição com distribuição das faixas etárias por períodos no dia do voto?
Des. João Maria Lós – É um aconselhamento, que está entre as coisas que estão sendo estudadas como solução. Em termos práticos, há também outros caminhos, como o de se estender o horário. Por exemplo, entre as pessoas de idade, se duvidar, às 6h30, tem gente querendo ir pra urna, registrar a sua escolha. Se mudar o horário de início, representaria um sacrifício para o mesário? Claro que não! Uma hora a mais, ou a menos, não faria diferença, se o objetivo for aumentar o cuidado de todos com a COVID-19 e dar mais segurança no dia de votação. Se for o caso, também há como fazer dois grupos de mesários, para cada um atuar em turnos distintos, Assim, abriria a viabilidade de fluxos menores de comparecimento, conscientizada também por campanhas específicas para estimular grupos de eleitores a votarem em determinados momentos do dia. É uma alternativa para combater a aglomeração, contudo, isso varia de local para local. O ideal será manter todo o cuidado com o risco de transmissibilidade nas zonas eleitorais, o que passa pela fila e por outras ações pertinentes que serão adotadas pela Justiça Eleitoral.
O Estado – Com a mudança do sistema eleitoral, como fica a situação da chapa de vereadores tendo o partido coligado a prefeito?
Des. João Maria Lós – São duas eleições diferentes. Uma, que é a disputa majoritária, envolve os que desejam ser prefeitos, e a outra é a dos que se empenham em ser vereadores na próxima legislatura. A lei não tem uma regra que obriga à vinculação. Só diz que, para os candidatos a vereador, não existe coligação, só o partido. Agora, cabe ao candidato ser responsável pela coerência daquilo que manifestar ao eleitor. Por exemplo: se ele estiver em uma coligação, e resolver apoiar um nome de majoritária de outra coligação. São coisas que vão se resolver na prática. Em suma, cada partido que conseguir montar uma chapa estará na disputa proporcional. Lá na frente, para decidir quem entra na Câmara, o sistema será o mesmo na apuração. Não mudou. O filtro será pelo cociente eleitoral, cociente partidário, naquele cálculo complicado, que pouca gente sabe fazer.
O Estado – Então, no caso do candidato a vereador, não se tem aquela certeza de que o mais votado leva?
Des. João Maria Lós – Só na majoritária, na proporcional não. Vai ter, talvez, gente com mais votos do que alguém que entrou na Câmara, e não vai se eleger por conta da regra, como já ocorreu. E, quem sabe, aqueles que sejam eleitos por conta do resultado nas urnas de alguém da chapa.
O Estado – Algo altera para o voto de legenda? É um voto que vai pra quem?
Des. João Maria Lós – Vai pra legenda e ajuda a sigla no seu cociente. E na apuração do cociente você exclui os nulos e os brancos. O cálculo, que também envolve essa alternativa, é complexo. É o tipo de resultado que é preciso fazer depois com muito cuidado para até entender quem venceu, ou quem é suplente. Poucos sabem fazer esse cálculo.
O Estado – O senhor vê um cenário de menos impunidade para esse pleito? Dá pra vislumbrar uma maturidade maior para esse processo?
Des. João Maria Lós – Eu faço eleição desde 1982. E, antes daquele pleito, já participava do processo como advogado, então, infelizmente, vi muito de uma cultura que precisa mudar, mas temos melhorado muito na maturidade da nossa democracia. Existe aquela coisa da criação da regra e a busca posterior do pessoal por se encontrar formas para burlar a regra estabelecida. Algo ruim porque a regra é para todos, e justamente para deixar o processo eleitoral o mais justo, correto e decente possível. Mas um avanço, já identificado, diz respeito à fiscalização, que hoje é feita por mais órgãos, com mais instrumentos e também é mais efetiva. Comparado àquela época, houve uma modificação substancial, e chego a dizer que seja agora completamente diferente do que já foi. Porque é muito mais claro, existe o fundo eleitoral, que não permite o dinheiro de empresas, uma base de recursos para os partidos que é substancial, então não há necessidade alguma de recorrer a financiamentos que não sejam disso. Outra coisa, há hoje a força das redes sociais, Tem candidato que foi eleito recentemente se comunicando com muita força nesse canal, gastando pouco dinheiro, ao passo que, antigamente, era “showmício”, trazer cantor a peso de ouro, para assim passar a mensagem política. O eleitor também se aprimorou, pois é mais exigente e consciente dos seus direitos do que antes.
O Estado – Existe uma forte corrente para se unificar as eleições em 2020. Como é que fica a situação das janelas, no caso de quem trocou de partido na janela que atendeu este calendário. Zera tudo?
Des. João Maria Lós – Quem já fez a mudança vai permanecer no partido pelo qual optou. Todavia, se ocorrer mesmo a mudança das eleições municipais para 2022, abriria-se uma outra oportunidade de janela.
O Estado – E diante dessa situação indefinida na política, o Judiciário de Mato Grosso do Sul pretende fazer, como ação sistematizada, o incentivo ao cidadão para o voto consciente?
Des. João Maria Lós – Com certeza sim, até para motivar o voto, a participação dos jovens no processo, também o empoderamento da mulher. Até para se ter uma representação mais real do que é a sociedade nos cargos. Na nossa Assembleia não existe nesta legislatura nenhuma mulher. E o ministro Barroso tem a intenção de emplacar esse tipo de campanha não só nas eleições mas em todo o seu período na presidência do TSE.
O Estado – O TSE autorizou a realização de convenções virtuais em decorrência da pandemia. A maioria dos partidos ainda tem dúvida em relação a que tipo de software pode ser usado e sobre como serão homologados os votos.Isso será definido ou já existe algo decidido a respeito?
Des. João Maria Lós – O partido poderá escolher a plataforma que quiser e utilizá-la da forma que bem entender, só que precisa observar o cumprimento das regras que existem para uma convenção presencial. E o que se definir nessa reunião deve ser encaminhado, como sempre foi, para a Justiça Eleitoral.
(Texto: Alberto Gonçalves)