Com possível indicação, Estado poderá novamente figurar com ministro de Estado no Planalto
O jurista, antropólogo e escritor indígena Eloy Terena, de Mato Grosso do Sul, anunciou ontem (9), em seu Twitter, que a equipe de transição do governo do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), confirmou a criação do Ministério dos Povos Originários. Após a divulgação, o nome do próprio advogado passou a ser especulado como futuro ministro. Ele concedeu entrevista ao jornal O Estado, e informou sobre as principais demandas da população indígena.
Sobre o suposto convite para assumir o ministério a ser criado, ele esclarece que não há nada oficial e que o PSOL foi quem o indicou como possibilidade. “Neste momento não há nada oficial. O que temos são sondagens, um dos nomes fortes postos é da deputada eleita Guajajara, o da deputada Joenia Wapichana, de Roraima, que não conseguiu ser reeleita, e o meu nome está sendo ventilado e foi indicado pelo partido, mas não há nada oficial. Não existe um convite oficial. Mas claro que, se for oficialmente convidado, vou debater com minhas lideranças indígenas e estou pronto para servir e continuar trabalhando. Então, com certeza aceitaria, sim, desde que houvesse o convite oficial e apoio do movimento indígena”, disse o advogado Eloy Terena.
O doutor Eloy Terena é de Aquidauana e conhecido internacionalmente pela luta em favor dos povos originários. Ele destacou que a equipe de transição do governo informou a ele sobre a criação da pasta na noite de terça-feira (8), concretizando uma das promessas de campanha do presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva..
Ao jornal O Estado, o advogado Eloy Terena informou que a criação do Ministério dos Povos Originários significa um marco na história para os indígenas, após séculos de luta pela sobrevivência no país. Ele espera que a construção do novo momento político do país se dê ouvindo as lideranças indígenas.
“É um marco na relação do Estado brasileiro com os povos originários, haja vista que desde a colonização os povos indígenas foram subjugados do ponto de vista jurídico, tratados como tutelados, incapazes. E, agora, a gente vive uma nova era onde os indígenas começam a lutar pelo protagonismo, pela autodeterminação e por ocupar espaços na vida institucional. O ministério é um marco neste sentido, de dar voz, de dar protagonismo, de reconhecer a autodeterminação dos povos e deixar que os próprios indígenas elejam suas prioridades e implementarem as políticas públicas que acharem necessárias.”
Demandas
Questionado sobre quais são as principais demandas dos povos originários, após quatro anos de retrocessos, ele informou que são muitas. “É fato público e notório que neste atual governo os povos indígenas foram muito judiados, e isso está claro, com denúncias internacionais e toda a repercussão que teve. As demandas dos indígenas estão atreladas ao seu território. Então, ainda a demarcação das terras indígenas é sem dúvida uma das principais, embora já tenhamos um número de terras demarcadas, principalmente no norte do Brasil, na Amazônia, ainda temos um conjunto de terras, principalmente em Mato Grosso do Sul, pendentes de regularização.”
Segundo ele, a demarcação de terras em MS é um grande desafio, pois devem-se buscar caminhos jurídicos e econômicos para garantir a demarcação dos territórios e acomodar os outros interesses econômicos que recaem sobre essas terras. “Outra questão, é a proteção sobre essas terras demarcadas. As terras demarcadas, principalmente na Amazônia brasileira, sofreram nos últimos anos com um alto índice de invasão por parte de garimpeiros, madeireiros e grileiros. Essas terras ficaram totalmente desprotegidas e as comunidades que moram nesses territórios também.”
Como terceira demanda, além da demarcação e proteção das terras indígenas, é pensar em desenvolvimento sustentável dessas comunidades. Segundo Eloy Terena, as comunidades estão reivindicando políticas públicas que viabilizem atividades econômicas em terras indígenas, por isso é importante também investimentos, além dos caminhos jurídicos. A quarta demanda citada por ele é o investimento em educação nas aldeias, com escolas bilíngues, fortalecimento da cultura e saúde indígena.
Eloy Terena
Eloy é indígena terena, que nasceu na Aldeia Ipegue, localizada no município de Aquidauana, Mato Grosso do Sul. Formado em Direito, ele começou a atuar no movimento indígena no que tange ao direito à terra indígena e atualmente é o coordenador jurídico da APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). É doutor em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da UFF e doutor em Antropologia Social pelo Museu Nacional da UFRJ. Possui pós-doutorado em Ciências Sociais pela École des Hautes Études em Sciences Sociales, França.
Sua tese de doutorado, “Vukápanavo – O despertar do povo Terena para seus direitos: movimento indígena e confronto político”, recebeu menção honrosa na edição 2020 do prestigioso Prêmio de Excelência Acadêmica da Associação Nacional Brasileira de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais.
Tem atuado em causas importantes no Supremo Tribunal Federal, na Corte Interamericana de Direitos Humanos e no Tribunal Penal Internacional.
100 dias
Cerca de 60 representantes de sete organizações regionais que compõem a APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil) participaram do Fórum Nacional de Lideranças Indígenas em Brasília, entre os dias 3 e 5 de novembro. Antes de a criação do ministério ser anunciada, as lideranças discutiram ações importantes que balizaram a criação de um plano de governança indígena para os 100 primeiros dias do Governo Lula a partir de janeiro de 2023.
Conforme a APIB, o plano é o primeiro passo para a reconstrução da agenda indígena no Estado brasileiro. O documento norteador tem como base as propostas apresentadas na Carta Aberta do Acampamento Terra Livre 2022 a Lula, à época pré-candidato à Presidência do Brasil.
Entre as propostas para o governo exercer nos 100 primeiros dias é dividida em seis eixos: 1. Direitos Territoriais Indígenas: Demarcação e Proteção Territorial; 2. Restabelecimento de/ou criação de instituições e políticas sociais para povos indígenas; 3. Retomada e/ou criação de instituições e espaços de participação e/ou controle social; 4. Agenda Legislativa: interrupção de iniciativas anti-indígenas no Congresso e ameaças no Judiciário; 5. Agenda ambiental e 6. Articulação e incidência internacional e composição de alianças e parcerias.
“Tivemos em pauta durante a campanha e agora é essencial que o próximo governo entenda a importância de ter um diálogo próximo do movimento. Assim, vamos poder avançar ainda mais e contribuir com as políticas indigenistas brasileiras. Estamos juntos para ajudar a enfrentar tudo o que foi sucateado no nosso país e a APIB quer colaborar com o governo de transição e com Lula a partir de 1º de janeiro”, diz Kleber Kariupuna, coordenador-executivo da APIB.
Por Rayani Santa Cruz – Jornal O Estado de MS.
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