Áudios revelam chantagem para receber no “esquema” do município
O relatório do GECOC (Grupo de Atuação Especial de Repressão ao Crime Organizado) revelou um verdadeiro “pente-fino” nas licitações e dispensas de licitação realizadas pela Prefeitura de Terenos nos últimos cinco anos que serviu de base para investigações conduzidas pelo Ministério Público Estadual, que culminaram em denúncia contra o prefeito de Terenos, Henrique Wancura Budke (PSDB), e mais 25 pessoas, acusadas de integrar um esquema de corrupção ativa e passiva.
De acordo com o MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul), as empresas ligadas à organização criminosa foram contratadas 49 vezes, entre 2021 e 2025, em procedimentos administrativos de dispensa de licitação. O padrão reiterado de contratações levantou suspeitas de que a Prefeitura mantinha um ciclo de favorecimento direcionado, fortalecendo vínculos ilícitos e ampliando a rede de desvio de recursos públicos.
A denúncia não se limita a números frios: áudios e mensagens de celular anexados ao processo expõem conflitos internos entre os próprios envolvidos. Em uma das gravações, a empresária Vanuza Cândida Jardim relata ter sido vítima de prejuízo e chega a citar diretamente nomes de integrantes da Prefeitura.
“Aí em Terenos me roubaram quatrocentos e trinta e sete mil reais, aí agora o Valdeci pediu que eu liberasse uma, a situação lá do Almir, eu liberei e ele não pagou, o Almir não me pagou e o Valdeci sumiu. O Henrique também sumiu, mas assim, engano deles que eles acham que eu não tenho tudo, tudo que foi conversado com eles, guardado né. Porque eu guardo as coisas né. Mas agora faz o que você achar melhor tá. Distrato você num precisa manda porque eu não tenho trato então não tem distrato. Porque até então o que você tinha me disse que as coisas pra você eram no fio do bigode e que você honrava a sua palavra. Então fica como você achar melhor tá”.
Esse episódio conecta diretamente a empresária ao prefeito afastado Henrique Wancura Budke, ao então secretário de Desenvolvimento, Valdecir Batista Alves, e ao empresário Sandro José Bortoloto. Embora Vanuza tenha sido alvo de mandado de busca e apreensão durante a Operação Spotless, deflagrada em 9 de setembro, ela não chegou a ser denunciada à Justiça. Segundo o MP, sua atuação foi determinante para a liberação de recursos destinados a uma obra de pavimentação. No entanto, o dinheiro teria sido desviado para quitar outra obra já executada, evidenciando a manipulação dos contratos.
Ao não receber o valor que dizia ter direito, Vanuza passou a cobrar Sandro Bortoloto, deixando claro em mensagens que tanto Valdecir Alves, quanto Henrique Budke seriam responsáveis pela manobra. “Se não me pagarem, vou entregar minhas conversas com Henrique e com Valdeci”, ameaçou, ao cobrar os R$ 437 mil que considerava prejuízo.
Nos áudios, a empresária ainda reforça que tinha provas contra os integrantes da Prefeitura.
Para o MPMS, essa chantagem não apenas expôs a tensão entre os envolvidos, mas também reforçou a participação direta de Valdecir e chefia de Henrique Budke na condução da organização criminosa.
O aprofundamento das investigações revelou ainda o uso do dinheiro supostamente desviado para construção de um “império rural”. O Ministério Público aponta que Budke buscou dar aparência de legalidade a valores ilícitos ao investir cerca de R$ 3,7 milhões em um empreendimento de suinocultura e na compra de 20 touros Nelore PO (puro de origem), registrados em contratos de parceria pecuária.
A denúncia detalha que Budke, Valdecir Batista Alves e Rodrigo Rosa da Silva adquiriram em conjunto uma chácara destinada à construção de três barracões para criação de suínos, cada um vinculado a um dos sócios. O empreendimento foi financiado pela cooperativa Copérdia, com notas fiscais emitidas em nome dos três. Para o MPMS, esse arranjo configurou uma tentativa de dar verniz de legalidade a um patrimônio construído com dinheiro desviado.
Além disso, em quatro anos, o patrimônio de Henrique Budke aumentou 218%, passando de R$ 776 mil em 2020 para R$ 2,4 milhões em 2024. Em 2020, Budke possuía casa simples, terrenos, apartamento e consórcio de imóveis. Em 2024, declarou bens como participação em empresa, fazendas, chácara e terrenos. Sua antiga casa virou sede da empresa Cerrado Engenharia Ambiental. Atualmente, ele morava com a família em imóvel de alto padrão avaliado em R$ 2 milhões.