Até que ponto o poder religioso pode desequilibrar as eleições

No mês passado, o TSE (Tribunal Regional Eleitoral) decidiu, por maioria de votos, rejeitar a possibilidade da apuração de abuso do poder por parte de autoridade religiosa ocorrer no âmbito das Ações de Investigação Judicial Eleitoral (Aijes), a partir das eleições municipais de 2020. A Aijes é uma ferramenta usada como forma de controle sobre a influência do poder econômico ou abuso de poder que possa comprometer a legitimidade do processo eleitoral

Polêmico

O assunto é um tanto polêmico, já que diversos representantes de segmentos religiosos são eleitos a cada eleição. Sobre uma possível influência religiosa sobre o voto, os advogados especialistas em direito eleitoral Herbeth Sampaio e Davi Nogueira Lopes afirmam que a legislação eleitoral veda a propaganda de qualquer natureza nos bens públicos e nos bens de uso comum, como cinemas, clubes, lojas, centros comerciais, ginásios, estádios e templos religiosos.

Eles citam que “todavia, a realização de discursos e de reuniões eleitorais não são expressamente proibidas em tais locais. Mesmo assim, a Justiça Eleitoral vem adotando um posicionamento mais restritivo em relação aos templos religiosos, provavelmente decorrente dos excessos praticados por alguns candidatos. Em outros casos, fala-se num ‘poder de persuasão’ dos líderes religiosos sobre seus fiéis”.

Sampaio diz que é necessário muito cuidado ao tecer comentários. Ele esclarece também que não é proibido por lei que um determinado segmento religioso queira eleger um representante e que se houver denúncia de abuso, cada caso será analisado separadamente. “Temos que tomar muito cuidado com isso, o Estado não pode retirar a liberdade de expressão e consciência, que é um direito garantido pela nossa Constituição Federal. O fato de um determinado segmento social buscar eleger seus representantes, utilizar a sua influência para isso, não é proibido pela legislação atual. O que o Judiciário busca neste controle é manter o equilíbrio e a igualdade de oportunidades entre os candidatos. Por isso, o que se proíbe na verdade é a ocorrência de abusos, que é a prática de condutas tendentes a afetar a igualdade e o equilíbrio do pleito. Só que o próprio Judiciário ainda não trouxe uma definição sobre quais seriam esses limites e até onde se pode praticar aquela conduta, sem que ela seja considerada como abusiva. Isso é decidido atualmente com análise de caso a caso pelo poder Judiciário” explica.

O especialista foi questionado sobre o fato de o candidato não poder pedir o voto, mas ter o pastor/ou o padre como indutores que poderiam provocar um desequilíbrio da disputa. Em resposta, Sampaio citou que a população sabe bem quando existe abuso de poder, e que o Judiciário sempre busca manter o equilíbrio e transparência na disputa, o que também deveria ser a principal preocupação de todos.

“O que eu vou afirmar pode gerar até certa polêmica, mas o que a gente percebe é que o Estado parte da premissa de que a população não tem discernimento adequado para conseguir distinguir as condutas abusivas e inadequadas de candidatos e seus apoiadores. Mas, o que deve ser realmente preservado, o bem jurídico a ser protegido pelo poder Judiciário e órgãos de fiscalização, é a transparência e o equilíbrio na eleição. Um exemplo claro relacionado aos bens considerados de uso comum para fins eleitorais onde se enquadram os templos religiosos, é: se um candidato tem pretensão de se anunciar em uma praça ou fazer um comício em algum local, ele deve comunicar as autoridades competentes que são a Polícia Militar e Justiça Eleitoral com antecedência. Esses órgãos vão tomar providências para garantir a segurança do local e controle da quantidade de eventos que esse candidato vem fazendo. Porque se houver algum conflito de datas, o que vai ser analisado é o equilíbrio. Se foi oferecido a mesma quantidade de oportunidades a todos eles, ou se não foi, para tentar minimizar a desigualdade. Eu acho que isso tem que ser determinado a todos os bens de uso comum” cita.

Para Sampaio e Nogueira é necessário retirar a lente religiosa do raciocínio para entender que a igreja é também uma associação de pessoas. “Imaginar que o candidato abusará da ‘inocência’ ou até mesmo da ‘ignorância’ dos fiéis pode nos conduzir a uma postura preconceituosa, como se eles não tivessem a mesma lucidez e discernimento que têm os membros de um clube social. Não se ignora que líderes religiosos cometem abusos e usam de sua influência para fins ilícitos, e não apenas no campo do direito eleitoral. Todavia, um perigo maior talvez seja o abuso dos órgãos de Estado no controle da prática da democracia. Estaríamos trocando o líder religioso por uma autoridade pública, que atue como uma espécie de tutor de cidadãos politicamente ‘incapazes’. Nada mais antidemocrático” finaliza.

Pedido de cassação

O Ministério Público Eleitoral da cidade de Luziânia, Goiás, entrou com ação pedindo a cassação do mandato da vereadora Valdirene Tavares dos Santos por suposto abuso de poder religioso nas Eleições de 2016. À época, ela que é filha de um pastor da região teria discursado por três minutos durante uma reunião da igreja com 40 jovens e outros pastores.

Valdirene teve o mandato cassado pelo Tribunal Regional Eleitoral de Goiás (TRE-GO). A parlamentar entrou com recurso, e o TSE acolheu, por unanimidade, alegando que o MPE não apresentou provas robustas no caso para levar à cassação por abuso de poder religioso.

(Texto: Andrea Cruz)

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