Coalhado de referências morais, o manifesto de fundação da Aliança pelo Brasil mostra-se bem mais à direita do que o de outra aliança que vem sendo apontada como sua inspiração, a Arena.
Base de sustentação política do regime militar, a Aliança Renovadora Nacional parece quase uma legenda centrista se comparada à sigla que o presidente Jair Bolsonaro (de saída do PSL) tenta criar.
Ao menos, é o que se depreende de uma análise do “documento constitutivo” da Arena, protocolado na Justiça Eleitoral em março de 1966.
Para começar, não há, nos 16 parágrafos listados no capítulo dos objetivos da legenda da ditadura, nenhuma referência a Deus, família, moral e bons costumes, todas palavras que aparecem no curto texto do partido que o atual presidente almeja fundar.
Há, claro, sinais evidentes de que a Arena nasceu como um partido de direita, mas que se manifestam, em seu documento de fundação, mais por uma defesa do capitalismo do que pelo conservadorismo no campo comportamental.
Um dos objetivos listados é o “incentivo à iniciativa privada como elemento básico de desenvolvimento e fator indispensável à plenitude do regime democrático”.
Em tempos de Guerra Fria, com o comunismo ainda muito presente em diversas partes do mundo, essa defesa clara do capitalismo não era algo trivial.
Em outro ponto, o documento da Arena menciona “a estrita observância do sistema de mérito”, expressão que pode ser lida como uma antepassada da atual pregação liberal por “meritocracia”.
Já em seu preâmbulo, o manifesto fundador avisa que o partido é um defensor do regime militar. “A Aliança Renovadora Nacional pugnará [lutará] por todas as medidas que visem à consolidação dos ideais […] que inspiraram a revolução de março de 1964.”
O ponto que mais se aproxima da cruzada anticorrupção apregoada por Bolsonaro é o que coloca o partido “contra a fraude, a influência do poder econômico nas eleições e o abuso do poder político”.
Uma olhada na lista de signatários do documento da Arena não deixa dúvida de que é um partido conservador.
O primeiro da lista é o ex-presidente Eurico Dutra (1946-51), seguido por diversos luminares da direita brasileira do século 20, como o então coronel Jarbas Passarinho, o ex-chefe da polícia do Estado Novo Filinto Müller e o ex-líder integralista Plínio Salgado.
Curiosamente, em diversas passagens o manifesto da Arena elenca pontos que no atual contexto seriam considerados esquerdistas.
Entre eles, as defesas do acesso à terra pelos trabalhadores, da criação de um sistema tributário progressivo e da crescente participação do trabalho na distribuição de renda.
Obviamente, manifestos de partidos políticos nunca podem ser tomados ao pé da letra, e a Arena de 1966 ainda era uma sigla que procurava ser um grande guarda-chuva de ideias de centro e de direita, em contraposição ao esquerdista MDB. Daí haver alguns acenos à moderação.
A política brasileira havia sido forçada a um bipartidarismo pelo Ato Institucional nº 2, de outubro de 1965. Nos anos seguintes, com o endurecimento do regime militar, a Arena também se radicalizou na defesa da ditadura.
Já o manifesto da Aliança de Bolsonaro carrega nas tintas conservadoras, com escassas referências econômicas.
“A Aliança pelo Brasil é o caminho que escolhemos e queremos para o futuro e para o resgate de um país massacrado pela corrupção e pela degradação moral contra as boas práticas e os bons costumes”, diz, logo em seu início.
Outro trecho afirma que o objetivo é atender “essa grande maioria de brasileiros e brasileiras que clamam por uma nova ordem de referências éticas e morais”. (Folha de S. Paulo)