O novo coronavírus chegou oficialmente no Brasil em 26 de fevereiro de 2020, data em que o primeiro caso foi confirmado em São Paulo. Em 11 de março, exatos 13 dias depois, a OMS (Organização Mundial da Saúde), declarou que vírus havia se espalhado pelo mundo, criando uma pandemia e obrigando mudanças nas estratégias de contenção.
Desde então, o mundo se transformou e a tecnologia se tornou indispensável para trabalhar, estudar e até consumir, quando cidades aderiram ao lockdown. Um ano depois, no Brasil, o último 18 de fevereiro registrou outro dado histórico: o número de infectados do país passou dos 10 milhões e de mortes, dos 247 mil. Enquanto isso, a vacinação caminha em passos lentos.
Lembrando o início da batalha contra a COVID-19, o jornal O Estado preparou uma série de matérias para mostrar os desafios e avanços provocados pelo novo coronavírus.
Um dos grandes mistérios para ciência é entender como o vírus funciona. E mais: como ele atua no corpo humano já que muitos pacientes recuperados do vírus relataram que sentem sintomas por longo período de tempo ou, ainda, efeitos que não tinham antes da COVID.
A luta contra COVID persistente
A estudante Mayara Godoy, 26 anos, é um dos casos que a fogem do padrão traçado pela doença. Mesmo fora do grupo de risco, sem histórico de comorbidades, a jovem passou nove dias entubada e outros cinco dias para poder se recuperar totalmente da COVID. A doença, que no início não demonstrou sintomas graves, foi descoberta apenas quando a capacidade pulmonar já estava comprometida.
“Eu estava tendo febre, náuseas e diarreia, são sintomas que confundem com outras doenças, então a minha primeira ida ao posto foi recomendado apenas repouso e a me prescreveram o kit COVID como precaução. Mas, após uma semana, os sintomas começaram a piorar e, quando voltei ao posto, já estava com a respiração comprometida em 70%. De lá, já fui para o Hospital Regional”, contou.
Já a volta para casa foi cheia de cuidados e a recuperação, lenta. “Meu caso é um daqueles que surpreendem até os médicos. Ninguém sabe dizer o porque dos sintomas tão fortes, já que sou jovem e sem comorbidades, mas eu consegui vencer a doença graças a Deus. Em casa, minha família precisou ser muito presente, eu voltei sem forças para andar e eles tiveram que me dar até banho”, disse.
Mesmo agora, dois meses depois de ter voltado para casa, o acompanhamento é constante. Há cerca de um mês, ela começou a fisioterapia e a melhora é significativa.
“Ainda no hospital, eles orientam a gente a buscar o pós-tratamento e, aos poucos, vou voltando a minha rotina. Hoje, já voltei a fazer minhas coisas sozinha, mas ainda sinto um cansaço físico muito grande quando preciso me esforçar. Já faço alguns minutos na esteira correndo”, apontou.
Pesquisa do Brasil
Em um ano de pandemia, a COVID-19 mostrou que o tratamento da doença não para após o paciente ser considerado curado do vírus. As sequelas deixadas, principalmente em pacientes que foram entubados, são mais severas e podem levar a paralisia dos músculos, reduzir a capacidade de locomoção e a capacidade pulmonar. Para a recuperação, é preciso de uma série de cuidados que vão de fisioterapia até acompanhamento psicológico.
O infectologista e pesquisador da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz), Julio Croda, contou que as principais sequelas registradas em pacientes se devem ao efeito dos medicamentos usados ao entubá-los.
Croda explicou que a pesquisa cita as dificuldades que os pacientes enfrentam quando passam muito tempo internados. O uso de medicamentos, que provocam o relaxamento muscular necessário para a entubação, provoca uma atrofia muscular que pode levar o paciente a dificuldades de andar e respirar sozinho.
“Uma pesquisa brasileira produzida pela Coalização aponta que os sintomas da COVID longa são diversos, entre eles estão a fraqueza, fadiga, cansaço, dificuldade de conversação, insônia e ansiedade. O que leva uma redução significativa na qualidade de vida. Eles observaram que, além dos problemas físicos, 22% desses pacientes desenvolveram ansiedade, 19% depressão, e, 11% desenvolveram estresse pós-traumático”, destacou.
E ressaltou a necessidade do acompanhamento médico correto para os pacientes. “Portanto, além do tratamento da COVID, é preciso que haja o pós-tratamento, cuidando de todas as áreas, psicológica, neurológica e física do paciente”.
A pesquisa produzida pela Coalizão COVID-19 Brasil foi apresentada aos representantes da OMS (Organização Mundial da Saúde), no dia 9 de fevereiro, e aborda os sintomas registrados na Síndrome Pós-COVID. Cinco pesquisas, realizadas ao redor do mundo, foram apresentadas e grupo foi o único brasileiro a apresentar estudos sobre a COVID no encontro.
O estudo analisa os impactos a longo prazo na qualidade de vida, após a alta hospitalar de pacientes que tiveram a doença, e analisa quais medidas devem ser tomadas pelo sistema de saúde. O intuito dos pesquisadores é evitar uma das possíveis consequências da pandemia da COVID-19, uma pandemia de incapacidade, devido as sequelas deixadas pela doença.
Atendimento em Campo Grande
Em Campo Grande, existem dois centros de atendimento pós-COVID. A UERD (Unidade Especializada em Reabilitação e Diagnóstico), que é administrada exclusivamente pela Sesau (Secretaria Municipal de Saúde Pública), e o CER/APAE (Centro Especializado em Reabilitação), que é uma parceria entre a Prefeitura, o Estado e a APAE.
A supervisora técnica da UERD, Moema Amorim, explica que os efeitos posteriores da COVID exigem tratamento específico para cada paciente. Os casos mais comuns que recebem o tratamento são aqueles que precisaram passar pela internação e pelo processo de entubação. Mas alguns pacientes que apresentaram sintomas leves, também são atendidos.
Para começar o tratamento é preciso passar por uma avaliação médica, que é feita nas UBSs (Unidades Básicas de Saúde). Com o encaminhamento, o paciente é levado para a unidade especializada que oferece atendimento multidisciplinar, com fisioterapeutas, profissionais de educação física e psicólogos.
“Em geral, o tratamento envolve atividade física e exercícios respiratórios, além do acompanhamento psicológico. Os pacientes que foram entubados, evoluem com uma fraqueza global dos membros do corpo devido ao tempo de inatividade. Ele acaba desenvolvendo uma síndrome de cuidados intensivos e ele precisa desse acompanhamento para fortalecer e condicionar essa musculatura, tanto física quanto respiratória”, revelou.
Para Amorim, pessoas com histórico de infecção leve e moderara, o esperado seria de que os pacientes não desenvolvessem sintomas persistentes. Porém, na realidade, há relatos de fadiga e dificuldade de realizar atividades simples do dia a dia.
“O tratamento nesses casos envolve atividade física, mas de forma calculada para atender a demanda desse paciente”, relatou.
Elevado índice de afetados por COVID persistente
Pesquisadores da área da saúde buscam entender o que, hoje, é chamado de COVID longa ou persistente, nomenclatura não oficial. De acordo com a OMS (Organização Mundial de Saúde), que recolhe pesquisas sobre o novo coronavírus, um artigo recente de um grupo de universidades dos Estados Unidos, do México e da Suécia apontou alto índice de afetados por sintomas posteriores.
Foram entrevistadas 47.910 pessoas que tiveram COVID-19 e 80% disseram sofrer com algum sintoma até duas depois da cura da doença. Quem desenvolveu a versão leve também está sujeito a apresentar sintomas persistentes, conforme os dados.
O artigo, publicado em 13 de fevereiro, apontou que os sintomas mais comuns são: fadiga, dor de cabeça, dificuldade de atenção, perda de cabelo e dificuldade para respirar.
(Texto Amanda Amorim com Raiane Carneiro)