“A cultura brasileira é racista, mas ainda existe a negação em relação a isso”, afirma a educadora social, Romilda Pizani coordenadora do Fórum Permanente das Entidades do Movimento Negro de Mato Grosso do Sul. Para ela trazer para o debate social um tema tão doloroso para os negros no Brasil é essencial. O assunto “surgiu” após a “simples” “brincadeira” do brother cantor sertanejo Rodolfo em relação ao cabelo do participante do reality, João. Rodolfo foi eliminado nesta terça-feira (7), com um pouco mais de 50% dos votos. A ação dentro do Big Brother Brasil 21 gerou diversos posicionamentos durante os últimos dias e muita polêmica.
“Trazer este debate de maneira tão latente em um dos mecanismos mais assistidos atualmente na TV aberta é muito importante porque este debate ao longo de muitos anos vem acontecendo, só que, infelizmente, por falta de estrutura ele não têm o alcance que teve desde domingo (4). É muito importante um veículo de comunicação trazer este assunto para suas mais diversas opiniões com relação a isso. Seria contribuir para que a sociedade converse sobre e ouça os posicionamento”, avaliou Romilda.
Para a especialista – que assume seu black power – tem uma parcela da sociedade que não quer assumir onde esta: no lugar do racismo. “Porque quando você fala e assume este lugar do racista, você está automaticamente dizendo para a sociedade que você não evoluiu. Entendendo que nós estamos no século XXI, falando sobre modernidade, como uma pessoa que se intitula moderna pode estar relacionada a posicionamentos tão atrasados?! Então, as pessoas vêm com esta fala da desqualificação e do vitimismo”, analisa.
Romilda não acredita que nós, enquanto população negra, utilize isso como vitimismo. “Mas quando você traz a sua história e do seu povo não é vitimismo. A história do nosso povo não é de alegrias. Ela é construida com muita dor, com muita violência e barbárie. Para contribuir para que isso diminua o processo veio muito lento e soltar o black na rua como forma de empoderamento é um avanço muito grande”, pontua. Ela ainda compara com o uso do turbante. “Trazendo para o lugar da apropriação. Quando eu vejo uma pessoa não-negra usando um turbante, eu penso como evoluímos porque algumas décadas atrás usar um acessório considerado afro era algo absurdo. Hoje o mesmo acessório tem outra conotação. Obviamente o movimento negro e as pessoas que têm uma maior sensibilidade para com a questão social contribuiram muito para que isso acontecesse”, pontua.
Fala pejorativas
A expressão “Aquela Juba” para quem foi uma criança negra e hoje tem mais de 30 anos, sabe o que Romilda fala. Os pais, por falta de estrutura familiar e conhecimento gritavam “vem prender esta juba” ou “olha esta bucha de bombril”. Falas pejorativas muito presentes na infância que hoje praticamente não existe mais. “Atualmente temos produtos específicos para os cabelos afros e uma criança negra ou não-negra, mas com cabelo afro, mesmo sob diversos olhares, ela tem essa apropriação e liberdade de sair com o cabelo solto. É um avanço que se deu ao longo do tempo e foi discutido na maior rede de comunicação deste país”, destacou.
Romilda reforça que falar das nossas dores e do nosso passado (sociedade negra) não é mimimi. “Então eu não preciso mentir para falar do meu passado e se para falar disso eu tenha que destacar o quanto a sociedade e a cultura deste país foi e é cruel, que se traga isso. Querer conotar como mimimi é querer deslegitimizar a partir do pensamento racista e preconceituoso porque esta igualde entre todos não existe a ponto de estar posto e funcionando nesta sociedade, então só não vê quem não quer”, reforça.
Mas, não é possível negar que houve oportunismo. O contexto e conteúdo usado na edição tanto para militar quanto para levantar o assunto aconteceu, mas muitos erros seguiram-se a isso. “Talvez as pessoas que quiseram trazer estas pautas, infelizmente, não tinham base o suficiente, não tinham consistência para dar continuidade e ficou tudo muito raso, mas isso contribuiu para o país debater sobre o que é militância e o que se intitular militante. O que foi muito positivo também”, analisou Romilda.
Para a pessoa que consegue ter uma percepção sobre o próprio papel na sociedade enquanto negro e não-negro, o assunto conseguiu contribuir para a reflexão sobre algumas coisas. “A partir do momento que estas falas provocam nas pessoas qualquer sentimento leva a uma mudança automaticamente”, frisa Romilda. A naturalização em relação ao padrão de beleza, a estética brasileira acaba mudando com todo este debate.
Discurso pronto
O racismo estrutural não entrou na pauta, que é a motivação do assunto sobre o cabelo do João. Então, especula-se que o discurso do apresentador do Reality, Tiago Leifert, não era dele e sim feito para o Babu, participante negro que deu start as pautas raciais na edição de 2020. Leifert até citou a participação do ex-BBB na segunda-feira (5) durante o jogo da discórdia quando o assunto foi provocado a vir à tona. “Possivelmente a fala do Tiago seria do babu, mas por alguma razão o Babu negou ou a emissora”, observou Romilda. De qualquer forma a fala tem consistência. Babu puxou “um fora Rodolfo” durante um programa ao vivo antes da eliminação, o que mudou o possível resultado já que as parciais da votação deixavam o participante Caio na frente, ou seja, como o eliminado do último paredão.
Romilda também falou da proximidade que tem com o ex-BBB de Campo Grande, Mamão, que expôs para ela a intensificação de tudo dentro do reality, deixando o emocional abalado. “Talvez João, se tivesse fora do confinamento, traria de outra forma esta dor. Coincidiu de ser lá e culminar na reação que ele teve. Se foi planejado ou não, não importa, o que importa é que trouxe o debate para a sociedade e as pessoas conversam sobre o assunto”, ponderou. Por isso, vai muito além da peruca que acabou no desabafo ao vivo.
Daí vem o cansaço. “Cansa mas não podemos deixar nos levar. Tem um peso político social muito grande. Esta pandemia mundial está fazendo com que nossas famílias fiquem mais juntas e isso influencia no aspecto familiar da sociedade e consegue alcançar uma quantidade de pessoas impensável para as organizações negras. Falar sobre isso cansa? Cansa obiamente. Tudo que é repetitivo cansa, mas não podemos deixar que ecoe como mimimi que é exatamente o que o sistema quer para mascarar uma falsa democracia e que nós nos anulemos cada vez mais. Queremos estar para além dos panfletos publicitários. Hoje as empresas tem imagens de negros na publicidade, mas dentro das empresas não estamos nem como mão de obra e somos a maioria deste país. Nosso país é racista, sim! Não podemos deixar que este cansaço nos silencie”, reflete Romilda.
Romilda conclui dizendo que além da necessidade da contextualização para o outro entender o motivo de estarmos falando sobre o assunto há a desculpa sobre o que foi dito. Como o “não foi a intenção” é cultural assim como é natural dizer que vai colocar alguém “na lista negra”, ao invés de dizer que uma pessoa não está bem com quem está fazendo esta fala ou “segunda-feira é dia de preto”. Falas comuns que são pejorativas. “Eu tenho um amigo negro”, “Minha Avó ou meu avô é negro” são desculpas que não funcionam. “Quem é brasileiro tem até a quinta geração um negro na família. A questão da negritude no Brasil é feita pela pigmentação da pele porque se for fazer pela ancestralidade a gente consegue contar nas mãos quem não é negro”, finaliza.