Projeto das fake news traz discussão sobre liberdade de expressão e malefícios à sociedade

deputados
Plenário da Câmara dos Deputados. Foto: Agência Brasil

Especialista acredita que o momento não é ideal, isso devido à polarização recente, no último pleito

O que são fake news? Em busca rápida no Google, o resultado é rápido e diz que é a “produção de notícias falsas publicadas por veículos de comunicação como se fossem reais”.

O assunto se tornou polêmico devido à votação do PL 2630/20, na Câmara Federal, que, entre os artigos, trata do combate às fake news. No Congresso, governistas e parte do centrão indicam a necessidade de regulamentar obrigações nas redes sociais para proteger a sociedade dos abusos entrelaçados nas fake news. Na oposição, os parlamentares indicam censura e agressão à liberdade de expressão. Em MS, o PL 76/2023 que visa ações de educação, prevenção e combate às notícias falsas e que tramita na Assembleia[ Legislativa foi retirado de pauta pela terceira vez, ontem (2).

No final de semana, o assunto ficou entre os mais discutidos do Twitter e usuários denunciaram que o perfil que divulgava a proposta foi derrubado. Outro fato polêmico foi a empresa Google, que deixou uma mensagem em sua página inicial, acusado o PL das Fake News de “piorar a sua internet” e de “aumentar a confusão entre o que é verdade ou mentira”. A empresa foi multada em R$ 1 milhão por hora, pelo Ministério da Justiça, por suposta propaganda enganosa, às vésperas da votação do PL, na Câmara.

O Ministério Público Federal apura suposta prática abusiva da big tech, denunciada por atuar contra a aprovação do texto. Essas empresas alegam que o debate ainda não está maduro e que são favoráveis a uma regulação, mas em outros moldes. O governo, por outro lado, defende que a regulação é urgente e que a proposta já tramita na Câmara há três anos.

Não é o momento

Doutor em ciência política, o professor da UEMS, Ailton de Souza, alega que desde 2018 existe debate no Brasil, em torno das fake news. “É dito que as redes sociais têm fomentado certo tipo de ideologia, sendo instrumento útil para política partidária, elevando a projeção de determinado candidato ou partido. A grande questão é o fato de as redes sociais serem um ambiente onde se propaga a desinformação, rede de ódio, calúnia e difamação. É um instrumento importante que pode ser usado de modo errado e para outros fins, que não a divulgação de uma informação correta e sustentada.”

Souza diz que esse não é o momento de discutir o tema, pois pesa muito o fato de ter havido uma eleição presidencial bastante polêmica, entre Lula e Bolsonaro e, ainda, ser recente o período pós-eleitoral o que isso contribuiria na polarização política do assunto. “Uma proposta com essaenvergadura não deveria ser discutida neste momento. Isso porque, para o grupo político contrário [oposição], essa proposta seria uma forma de retaliação, o que compromete a discussão real do assunto, politizando a opinião pública e polarizando, mais uma vez.”

Ele diz que o sentido da palavra regulamentação não significa “vedar a informação”. Mas claro, a forma como ela for aprovada pode causar desconforto e certa resistência. “Por isso, o PL é polêmico.

De um lado, tenta-se evitar que seja um espaço de ódio, de grupos neonazistas, deepweb, rede sem controle e, de outro lado, o receio é se esse PL não vai abrir espaço para monitoramento das conversas privadas das pessoas e haverá formas de restrição da comunicação.”

Quem iria checar?

O cientista pontua que o grande ponto diz respeito a quais grupos que se beneficiariam e quem iria checar o conteúdo, como o disparo em massa, por exemplo. “Não é normal pensarmos que alguém precise enviar uma mensagem para mil pessoas ou um vídeo sem checagem. O grande receio é sobre quem regulamentaria essas mensagens e falaria o que é certo e errado. O receio de muitos é que o próprio governo seja o regulador, isso soa negativo.”

Ele diz não ser o melhor momento, pois o governo deve desempenhar um papel pacificador. E, neste período, o ódio e desrespeito são grandes polarizadores das discussões.

“Agora, nosso país está em rescaldo da política. A gente espera que, ao final dessa proposta, tanto os grupos de direita quanto os de esquerda não sejam usados para potencializar candidatos, temas e jogo político, de forma ilegítima”, finaliza.

Projeto no Congresso já passou no Senado e aguarda votação, na Câmara

No Congresso Nacional, a proposta 2630/20 cria a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet e estabelece obrigações a serem seguidas por redes sociais, aplicativos de mensagens e ferramentas de busca, na sinalização e retirada de contas e conteúdos considerados criminosos. O texto cria medidas de combate

à disseminação de conteúdo falso nas redes sociais, como Facebook e Twitter, e nos serviços de mensagens privadas, como WhatsApp e Telegram, excluindo-se serviços de uso corporativo e e-mail.

O relator da proposta, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), retirou do texto a criação de uma autarquia especial destinada à fiscalização do cumprimento da lei. A implementação da autoridade autônoma era um dos entraves, nas discussões do projeto. 

Pelo texto apresentado, em casos de descumprimento da lei e risco aos direitos fundamentais da população, a fiscalização dos provedores (redes sociais, aplicativos de mensagem instantânea, ferramentas de busca) será realizada nos termos de regulamentação própria.

O parecer estabelece que os provedores têm o dever de cuidar do conteúdo publicado: agir de forma diligente para prevenir ou reduzir práticas ilícitas no âmbito do seu serviço, com o combate a publicações que incitem crimes de golpe de Estado, atos de terrorismo, suicídio ou crimes contra a criação e adolescente.

As chamadas big techs também ficam obrigadas a criar mecanismos para que os usuários denunciem conteúdos potencialmente ilegais.

Essas empresas poderão ser responsabilizadas na Justiça por danos causados por meio de publicidade de plataforma e pelo descumprimento das obrigações de combate a conteúdo criminoso.

Já os usuários afetados pela remoção de conteúdo deverão ser notificados pela empresa, para que possam recorrer da decisão.

Publicidade digital A publicidade digital deverá permitir a identificação do anunciante e do responsável pelo impulsionamento de conteúdo. Por sua vez, o usuário precisa ter à sua disposição as informações do histórico dos conteúdos publicitários com os quais a conta teve contato, nos últimos seis meses.

Além disso, o compartilhamento de dados pessoais dos usuários para usos mercadológicos deverá cumprir as regras da Lei Geral de Proteção de Dados.

Contas governamentais 

As contas das autoridades em redes sociais são consideradas de interesse público e estão sujeitas a regras específicas que garantem, por exemplo, a imunidade parlamentar. Essas contas, por outro lado, não poderão bloquear outros usuários ou restringir o acesso às publicações.

A contratação de publicidade por órgãos da administração pública em plataformas deverá ser detalhada no Portal da Transparência.

Jornalismo e direitos autorais

A proposta também determina que os provedores remunerem o conteúdo jornalístico e os conteúdos protegidos por direitos autorais. As regras serão determinadas por regulamentação.

Trâmite judicial

As empresas poderão ser multadas em até R$ 1 milhão por hora, caso descumpram decisão judicial de remoção imediata de conteúdo ilícito.

Projeto no Estado envolve uma ação educativa de campanha

O projeto de lei 76/2023, de autoria do deputado Pedro Kemp (PT), tramita na Assembleia Legislativa de Mato Grosso do Sul. A proposta dispõe sobre as ações que visem a promoção da educação, prevenção e combate das notícias falsas (fake news) no Estado. Seriam ações educativas e de orientação.

A matéria foi retirada de pauta pela terceira vez nessa terça-feira (2), após pedido de vistas do deputado Coronel David (PL).

O texto já teve pedido de vistas pelos deputados Rafael Tavares (PRTB) e João Henrique, que buscam travar discussão acerca do tema.

Contra o projeto, Rafael Tavares tem a mesma argumentação de parlamentares de oposição ao PT. “Eu pedi vistas porque entendo que é uma situação perigosa, que ameaça nossa liberdade. Fake news são mentiras, mas, quando você dá poder ao governo de definir o que é ou não, isso é perigoso e pode significar calar a oposição. Esse projeto é inconstitucional, pois fere o artigo 5, que garante a liberdade de expressão”, disse o deputado.

Pedro Kemp rebate. “Não podemos ser ‘terra sem lei’, em que as pessoas fazem o que bem entendem e divulgam informações mentirosas, que ferem a dignidade do ser humano e atingem a integridade moral das pessoas. As fake news são construídas e pensadas para

que ganhem uma capa de informação verdadeira. MS precisa estabelecer um canal de denúncias e investigar os casos de notícias falsas”, afirmou Kemp.

Gerado Resende não vota igual ao PSDB

O deputado Geraldo Resende é a favor da proposta e votará diferente da orientação do PSDB. O parlamentar foi secretário de Saúde de MS, na época da pandemia, e diz que tão mortal quanto o vírus da covid foi a disseminação de notícias falsas sobre as vacinas e sobre a ciência. “É preciso erradicar as mentiras das redes sociais.

Eu, quando secretário de Saúde, fui vítima e certamente morreram muitas crianças no MS que poderiam ser vacinadas e terem suas vidas preservadas se [os pais] não tivessem sido levados a acreditar em fake news.”

Ele citou ainda que o Estado sofreu, há alguns dias, com as fake news de assassinatos nas escolas. “É preciso frear essas situações, para que possamos celebrar a cultura da paz.”

Bancada se divide em oposição, contrária e base, a favor

De Mato Grosso do Sul, os deputados federais Rodolfo Nogueira (PL), Marcos Pollon (PL) e Dr. Luiz Ovando (PP) dizem aos seguidores, nas redes sociais, que a proposta irá ferir a liberdade de expressão.

“O governo autoritário da esquerda quer empurrar o projeto que estabelece a censura a ferro e fogo e os meios que são contra sofrem ameaças”, disse Rodolfo Nogueira, citando a situação da Google, que foi multada pelo Ministério da Justiça. 

Marcos Pollon faz afirmação parecida. “Até o STF ‘contribuiu’ com o texto do PL da censura, mas a empresa que será prejudicada não pode sequer se expressar!”. Dr. Luiz Ovando disse que apenas 52 parlamentares se mantinham indecisos e que os eleitores deviam pressioná-los para ir contra a proposta. 

Enquanto isso, deputados como Dagoberto Nogueira (PSDB), Camila Jara (PT), Vander Loubet (PT) e Geraldo Resende (PSDB) destacam que o combate às notícias falsas deve ser urgente. Eles usam diversos exemplos de como as fakes news podem influenciar negativamente na sociedade e até matar.

“O PL das Fake News é para penalizar aqueles que propagam mentiras e enganam as pessoas.

Isso é muito diferente de ferir a liberdade de imprensa. A liberdade consolida a democracia e é muito diferente das fake news”, disse Dagoberto Nogueira. “Os crimes que acontecem no mundo analógico também serão punidos se acontecerem no ambiente digital”, diz Vander Loubet.

“Toda a União Europeia está discutindo a regulamentação das redes sociais. O PL 2630 é inspirado em legislações aprovadas lá, para discutir esse tema”, disse Camila Jara. O único que não se manifestou foi Beto Pereira, do PSDB.

Por Rayani Santa Cruz – Jornal O Estado de Mato Grosso do Sul.

Confira mais notícias na edição impressa do Jornal O Estado do MS.

Acesse as redes sociais do O Estado Online no Facebook Instagram.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *